Economia

Leis fracas não asseguram rigor fiscal no Brasil

Penas brandas ou inexistentes e vínculos entre políticos e Justiça dificultam o cumprimento das regras fiscais, afirma pesquisador da UnB

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h16.

Anos eleitorais, como o de 2006, são sempre tentadores para que todos os níveis de governo aumentem os gastos, seja para garantir a reeleição de quem ocupa um cargo público ou de algum apadrinhado político, seja para que o governante possa ser lembrado por alguma obra de vulto. O problema é que as regras fiscais, criadas justamente para impedir que os arroubos políticos atropelem as contas públicas, são fracas e não garantem o necessário rigor fiscal.

Há décadas, o Brasil vem criando um arcabouço legal para disciplinar os gastos e a prestação de contas públicas. O exemplo mais conhecido é a Lei Complementar 101, de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas há outras normas, como a Lei de Crimes Fiscais, também de 2000. A própria Constituição de 1988 determina uma série de restrições para a elaboração do Orçamento da União, como a proibição de criar despesas sem que outras sejam canceladas, a fim de manter as contas sob controle.

Alguns mecanismos adotados no Brasil são, em tese, mais transparentes que os de países desenvolvidos. Na União Européia, por exemplo, o cumprimento das regras fiscais dos países-membros está a cargo do Conselho de Ministros da Fazenda. Ou seja, os próprios responsáveis pela execução dos gastos, o que aumenta a parcialidade no julgamento. Aqui, as contas são avaliadas pelos tribunais de contas, o que, na teoria, aumenta a independência.

Falta de vontade e regras fracas

Se as normas fiscais e os especialistas designados para zelar por elas existem, por que o Brasil continua com problemas de equilíbrio fiscal? "Toda lei se baseia no compromisso das pessoas em aplicá-la e na interpretação que dão a ela", afirma Edilberto Carlos Pontes Lima, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor do trabalho Regras Fiscais: Teoria e Evidência, uma tese de doutorado em Economia defendida na Universidade de Brasília. A pesquisa recebeu menção honrosa no XII Prêmio Brasil Economia 2005, concedido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon). Segundo Lima, não basta a existência da lei. É preciso, primeiro, compromisso político de cumpri-la.

Além disso, Lima afirma que as leis brasileiras são interpretadas de modo muito flexível, o que favorece seu descumprimento. Um exemplo é o tratamento dado à criação de despesas permanentes na LRF. Em seu artigo 17, a lei determina que as despesas permanentes só poderão ser criadas se houver previsão de receita, como aumento de alíquotas ou de bases de cálculos de alguns impostos. Como a medida é impopular, ganhou força a interpretação de que o próprio crescimento do PIB pode ser considerado como fonte de recursos - algo que não está expresso na lei.

A manobra poderia ser barrada pelos tribunais de contas, mas as vinculações entre essas instâncias e os políticos reduzem sua independência. Porém, ainda que os tribunais ajam com rigor e baseados nas normas fiscais, suas ações são enfraquecidas pela possibilidade de os governantes contestarem suas decisões na Justiça. "Além disso, há muitas medidas que não contemplam sanções no caso de infração, ou elas são muito brandas", diz Lima.

Isto não significa, segundo o pesquisador, que as leis fiscais brasileiras não tenham nenhum mérito. Ao trazer para a sociedade e o governo a obrigação de discutir os gastos públicos, as regras tornaram mais transparentes a elaboração de orçamentos, o planejamento e a prestação de contas. Mas ainda há muito o que melhorar. Aumentar a independência dos tribunais de contas, estabelecer penas mais rigorosas para as infrações são algumas medidas recomendadas por Lima. Outro ponto é determinar que mudanças nas regras fiscais sejam feitas por maioria qualificada no Congresso, e não por maioria simples, como ocorre atualmente.

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