Economia

O que muda com a reforma tributária nos pequenos negócios na ótica da indústria, serviço e comércio?

Alívio para a indústria, criticado pelo comércio e serviço, o novo sistema de impostos tem como unanimidade geral a simplificação e unificação dos tributos em uma cobrança única

Em comum, indústria, serviços e comércios são unânimes quanto aos efeitos positivos da unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única (Pekic/Getty Images)

Em comum, indústria, serviços e comércios são unânimes quanto aos efeitos positivos da unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única (Pekic/Getty Images)

Publicado em 27 de março de 2025 às 06h10.

Última atualização em 27 de março de 2025 às 15h03.

Os efeitos da reforma tributária não serão sentidos da mesma forma por todos os setores. Enquanto a indústria vê avanços no novo sistema de impostos sobre o consumo, os serviços e os comércios temem um aumento de carga e perda de competitividade, principalmente nas pequenas empresas, como apontam à EXAME representantes dos três segmentos econômicos.

Em comum, contudo, indústria, serviços e comércios são unânimes quanto aos efeitos positivos da unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única que será dividida entre os níveis federal – com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) –, e estadual e municipal, com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A mudança é vista como um "alívio" principalmente para a indústria, um dos setores historicamente mais impactados pela complexidade tributária brasileira.

Em análise sobre a reforma, logo após a sanção do principal projeto de regulamentação da proposta, em janeiro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) listou como avanço a unificação dos tributos e a adoção do princípio da não cumulatividade, eliminando o efeito de "imposto sobre imposto", segundo a entidade.

O setor industrial avalia que as mudanças trarão maior previsibilidade e menor custo na administração de tributos. Assim como a eliminação do regime de substituição tributária no IBS e na CBS que, do contrária, manteria muitas distorções e complexidades do atual sistema, diz a CNI; e a não incidência do Imposto Seletivo sobre as exportações de bens minerais.

"Mesmo não sendo a medida ideal – que seria a não incidência do Imposto Seletivo sobre qualquer operação com bem mineral, doméstica ou de exportação –, pelo menos garante que o novo modelo de tributação do consumo irá respeitar um princípio tributário básico e praticado por todos os países: jamais tributar exportações", afirma a entidade.

A CNI faz ressalvas, porém, quanto ao excesso de alíquotas reduzidas, que aponta como necessário de revisão futura.

Pequenos negócios e comércio: impacto na competitividade

Já para o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Roberto Ordini, a reforma tributária não trouxe a simplificação esperada para os pequenos e médios negócios. Ordini acredita que a transição será complexa, com necessidade de controle duplo entre os sistemas antigo e novo.

"Para ter o controle precisamos de um funcionário, no mínimo, para fazer um controle dessa natureza, e com a transição precisaremos de dois, aí começa a primeira complicação, um custo adicional", afirma o presidente.

No caso dos pequenos negócios, Ordini prevê um possível aumento de carga tributária e perda de competitividade para os comércios do Simples Nacional. Apesar dessas empresas seguirem pagando seus tributos por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) e a carga atual mesmo com a reforma, com a nova estrutura os créditos tributários serão reduzidos, o que pode tornar fornecedores de outros regimes tributários mais atraentes do que os do Simples.

"Os pequenos, geralmente no Simples Nacional, não terão direito a crédito tributário. Imagine um pequeno empresário que compra uma mercadoria com alíquota de 26 a 27%. Se ele não puder se creditar desse imposto, terá que repassar esse valor ao preço final, o que reduz sua competitividade frente a empresas que podem compensar tributos", afirma o presidente da associação comercial.

Uma possibilidade levantada pela reforma tributária é a de micro e pequenas empresas optarem entre manter o sistema atual ou adotar uma nova sistemática de tributação "por fora", baseada na lógica de débito e crédito, o que foi chamado pela reforma como "Simples Nacional Híbrido".

Por esse regime, os impostos CBS e IBS serão recolhidos separadamente, fora do DAS. Isso permitirá que as empresas se apropriem de créditos de impostos, mas aumentará a carga tributária.

"'Ah mas você poderá sair do Simples para o sistema normal'. Ora, se eu passar para o sistema normal eu perco os benefícios que o Simples me trouxe constitucionalmente, no artigo 179, que prevê um tratamento diferenciado para as empresas do Simples.

Serviços: aumento de carga e informalidade

Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), também aponta uma perda de competitividade que pode levar ao fechamento de pequenas empresas ou até ao aumento da informalidade.

Para optar pelo Simples é necessário que a companhia fature o limite de R$ 4,8 milhões ao ano.

Desde que o Simples está em vigor, o número de empresas optantes aumentou de 2,5 milhões para 23,4 milhões, de acordo com dados da Receita Federal de dezembro de 2024. Desse total, 16 milhões são Microempreendedores Individuais (MEIs).

Nese avalia que o setor de serviços será um dos mais afetados negativamente pela reforma. O representante do setor destaca que a nova estrutura aumentará a carga tributária do setor, que atualmente paga alíquotas em torno de 16% e poderá chegar a 28,55%, segundo estimativa mais recente do Ministério da Fazenda.

"Estamos no fim da cadeia produtiva e não temos como compensar tributos ao longo do processo. Diferente da indústria e do comércio, que podem se creditar de impostos pagos anteriormente, o setor de serviços terá que arcar com um aumento expressivo de custos", afirma Nese, alertando para um risco de informalidade como consequência.

"Com alíquotas tão altas, a primeira coisa que vai acontecer é que empresas e consumidores passarão a negociar serviços sem nota fiscal, aumentando a sonegação. Além disso, algumas empresas podem buscar alternativas para tributação menor, como abrir sede em países vizinhos, como o Uruguai, onde a carga é menor", diz o presidente da CNS.

Split payment e o fluxo de caixa

Outro ponto de preocupação dos setores é o mecanismo de "split payment", que fará o recolhimento direto dos impostos no momento do pagamento. Para Ordini, esse sistema pode comprometer o fluxo de caixa das empresas, tornando mais difícil administrar compromissos financeiros como folha de pagamento.

Ao Macro em Pauta, da EXAME, Bernard Appy, secretário-extraordinário da reforma tributária, defendeu que os pequenos negócios podem ter um "alívio" no fluxo de caixa com o fim da substituição tributária. Se por um lado elas podem pagar o imposto final em um momento posterior à venda, por outro, muitas empresas são obrigadas a pagá-lo antecipadamente, por meio desse regime em que a empresa recolhe o imposto em alguma etapa anterior da cadeia de produção ou comercialização.

"Posso garantir que, no que agregado, o efeito sobre o fluxo de caixa é positivo. Porque o imposto que paga hoje na hora que compra a mercadoria, por substituição tributária, será cobrado no momento da liquidação financeira da venda", afirmou Appy.

Como o pequeno negócio pode se preparar para a reforma tributária?

O advogado especialista em direito tributário Lucas Barducco, sócio do escritório Machado Nunes Advogados pondera que a indústria, por exemplo, paga uma carga tributária alta e enfrenta grande complexidade no sistema atual e por isso a reforma é vista o setor como um avanço ao reduzir burocracia e insegurança. No entanto, o setor de serviços tende a ser mais impactado.

"Cada setor está olhando o seu lado. Eu acredito que, pelo lado dos serviços, faltam algumas adequações para que esse aumento não seja brutal e repassado para o consumidor. É bom lembrar que quando se comenta 'o setor A será prejudicado, ou o setor B', na verdade quem será prejudicado não é o setor, é a população", diz o advogado.

No caso das pequenas empresas, que muitas vezes não possuem estrutura fiscal, Barducco também observa que elas precisarão fazer investimentos para acompanhar as mudanças tributárias.

"No pequeno negócio às vezes até o dia a dia para ele é difícil, quanto mais ter um planejamento fiscal. Não acho que os pequenos vão contratar, não faz sentido uma empresa pequena ter um departamento fiscal, mas ela vai precisar, talvez, pagar muito mais para a contabilidade ou mudar o escritório contábil, e às vezes ter uma assessoria, uma consultoria tributária, coisa que ela nunca precisou. Porque a diferença é muito grande", recomenda o especialista.

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