Reforma Tributária: Como tornar a transição da Reforma de um ruído paralisante para um roteiro de decisões, escrevem consultores da Tendências (Kittiphan Teerawattanakul / EyeEm/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 10 de outubro de 2025 às 06h01.
Mário Nazzari Westrup* e Robinson Silva**
A Reforma Tributária redesenhará a dinâmica econômica brasileira e, ao menos em sua fase de transição, deverá impor diversas incertezas aos parâmetros de análise.
As empresas sentirão os impactos da Reforma de modos distintos, conforme suas cadeias de fornecimento, créditos disponíveis e a capacidade de repasse de preços. Essa diversidade de impactos exige análises específicas dos contratos com fornecedores e clientes por segmento.
Nesse contexto, a disciplina da gestão de riscos oferece uma ferramenta para transformar o ruído gerado por essas incertezas em cenários para a tomada de decisão. Ao eleger critérios e apetite de risco, integrar riscos ao planejamento e conectar escolhas tributárias às metas de margem, liquidez e crescimento, a gestão de riscos tem como objetivo deliberar sobre os impactos da Reforma com método.
Neste processo de identificação e análise de riscos, os cenários não podem ser meramente decorativos.
A trinca clássica de cenários ‘pessimista, neutro e otimista’ é pedagógica, porém cria vieses ao comprimir a incerteza em três caixas estáticas, geralmente ancorando expectativas no cenário neutro e escondendo onde o risco realmente pode se materializar.
Pior, presume simetria entre perdas e ganhos e ignora trajetórias, correlações e dependências de caminho. O risco vira rótulo e não mecanismo, e a gestão se aproxima de um exercício de fé no caso base.
A alternativa, portanto, é a de construir cenários causais começando pela pergunta: “O que precisa ser verdade para cada cenário ocorrer?”
O ponto de partida é mapear internamente os processos críticos afetados com o fim de incentivos fiscais, mudança de alíquotas, variação na carga efetiva e alteração na matriz origem-destino para saber onde a incerteza realmente toca o resultado.
A distribuição de carga setorial no novo regime é outro vetor de incerteza. A promessa de neutralidade média não elimina a derivação por cadeia, pois tudo depende do mix de compras e da intensidade de serviços, além da posição geográfica.
Em seguida, cabe estabelecer o contexto e o apetite de risco com métricas verificáveis. No caso da Reforma Tributária, é necessário definir faixas de estabilidade de margem, limite de variação do ciclo de caixa, tolerância às contingências e premissas mínimas de repasse de preços.
Considere, por exemplo, a elaboração de uma matriz que cruza as incertezas críticas, cada uma em três níveis de impacto (baixo, médio e alto). Essa prática permite gerar diversas combinações de cenários, em que cada cenário é ancorado por narrativas e motores causais, evitando o viés da tríade ‘pessimista, neutro e otimista’.
Cada narrativa deve possuir seus próprios gatilhos e sinais de alerta, além de acionar respostas previamente ensaiadas para cada trajetória.
A avaliação busca comparar exposições ao apetite de risco e fornecer ao tomador de decisão estratégias de tratamento proporcional a este risco. Isso inclui redesenhos operacionais, revisão de contratos para modular repasses, recalibração de políticas comerciais, reconfiguração de cadeias para maximizar créditos elegíveis e reforço de capital de giro em atividades mais pressionadas pelo recolhimento na liquidação.
Assim, valoriza-se o plano condicional e não a promessa de um cenário base.
A gestão de riscos efetiva pede revisão contínua e transparência com as partes interessadas, com monitoramento e comunicação fortalecendo o seu ciclo. Na prática, painéis acompanham os indicadores pré-definidos. Quando um indicador acende, o cenário correspondente sai do papel.
Dessa forma, a transição da Reforma deixa de ser um ruído paralisante e vira um roteiro de decisões, em que o risco é tratado como variável de negócio e não como um trio de rótulos confortáveis. Não se trata de acertar o futuro, mas sim de comprar opcionalidade e reduzir o custo de reação, que é a essência da gestão de riscos, aplicada à Reforma Tributária.
* Mário Nazzari Westrup é consultor da Tendências Consultoria. Doutor e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), possui MBAs em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Finanças e Mercado de Capitais pelo Instituto de Finanças de Nova Iorque (NYIF). Bacharel em Ciências Contábeis pela UNESC e em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
** Robinson Silva é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Ciências Econômicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP).