Economia

Rio de Janeiro está virando a ‘oficina de motores de avião do mundo’ e terá planta de R$ 430 milhões

GE Aerospace recebe pedidos de várias continentes e planeja dobrar capacidade nos próximos anos

Motor Leap, da GE Aerospace, em oficina de manutenção no Rio de Janeiro (Divulgação)

Motor Leap, da GE Aerospace, em oficina de manutenção no Rio de Janeiro (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 4 de setembro de 2025 às 06h01.

Última atualização em 4 de setembro de 2025 às 11h17.

Petrópolis, RJ* - Os aviões da companhia aérea europeia Ryanair não voam no Brasil, mas seus motores, sim. Quando eles precisam de manutenção, são retirados das aeronaves e atravessam o oceano para serem reparados em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Ali, em meio às montanhas, ficam as oficinas da GE Aerospace, um dos principais endereços globais de manutenção de aviões, que está em expansão.

Hoje, as unidades da GE no Rio, chamadas de GE Celma, processam em torno de 600 motores por ano. A empresa está construindo uma nova unidade em Três Rios, também no estado do Rio, a 70 km de Petrópolis, que dobrará a capacidade atual da empresa no Brasil. A planta deve começar a operar no começo de 2026 e teve investimento de R$ 430 milhões. 

 "Até 2028, pretendemos crescer esta linha [de Três Rios] dos atuais 120 para 300 motores. E, no começo da próxima década, tem a possibilidade de crescer essa linha de 300 para 500 motores, o que tornaria a GE Celma uma oficina de revisão de 1.000 motores por ano", diz Julio Talon, presidente da GE Celma.

A oficina em Petrópolis tem 74 anos de história. Começou como fábrica de ventiladores, em 1951, com o nome de Celma. Depois, o local passou a atender os motores da companhia aérea Pan Air do Brasil. Em 1965, a Celma foi encampada pelo governo militar e estatizada. A privatização veio em 1991, no governo de Fernando Collor. Após algumas reorganizações, a oficina passou a ser controlada de forma completa pela GE em 1996.

Os reparos em motores são um negócio bilionário. Em 2024, a GE Aerospace, uma das três maiores fabricantes globais, faturou cerca de US$ 35 bilhões de dólares, sendo que 70% disso veio da manutenção de motores. Hoje, a unidade brasileira recebe 25% dos reparos de motores da empresa no mundo. A empresa tem 49.000 motores em operação no mundo todo em aviões comerciais, e mais 29.000 em aeronaves militares.

O negócio da empresa tem um aspecto curioso: é comum que os motores, que são peças caríssimas, sejam vendidas aos fabricantes de avião, como Airbus e Boeing, a preço de custo ou abaixo disso, com o compromisso de que o motor depois seja reparado nas oficinas da empresa. O preço de tabela de um motor a jato novo está na faixa de US$ 14 milhões. 

“Com todo investimento que a gente faz no motor, a intenção é entregar ele com uma margem muito pequena. A intenção é que o cliente consiga operar com esse motor, ter o faturamento dele e essa margem [da GE Aerospace] só é efetivamente paga após quatro, cinco, seis anos, quando o motor começa a dar manutenção", diz Luiz Froes, vice-presidente de Relações com Governos na GE Aerospace para a América Latina.

Nos últimos anos, a empresa teve uma alta expressiva na venda de motores, porque as empresas aéreas passaram a trocar modelos mais antigos, e de maior consumo, por novos modelos, como o LEAP. A troca é puxada tanto pela economia de combustível quanto por exigências ambientais, especialmente da Europa, que exigem redução de poluentes. Os novos modelos reduzem até 15% do consumo, frente a modelos antigos.

GE Celma: planta tem espaço para testar motores de avião (Divulgação)

As vantagens do Rio

O Rio de Janeiro ganha espaço neste mercado por algumas razões. O real desvalorizado reduz custos, já que os preços na aviação são quase todos fixados em dólar. Ao mesmo tempo, a unidade carioca tem se destacado pela rapidez. Em média, um motor passa por um reparo completo em 90 dias. Para as empresas aéreas, isso faz diferença, pois cada dia com um avião parado gera prejuízo.

"Por sermos muito verticalizados, temos uma necessidade muito pequena de mandar peças para serem reparadas fora do país", diz Talon. Ele diz que 90% das peças são reparadas localmente. "Isso nos torna competitivos em custo, mas também no prazo de entrega. Temos um dos melhores prazos de entregas do mundo.”

Dos motores tratados no Rio, 95% vêm de fora do país. São cerca de 30 clientes, incluindo American Airlines, Ryanair e Atlas cargo. As empresas Azul, Gol e Latam, que operam no Brasil, também enviam suas peças para reparos lá. 

Nas unidades, os motores são completamente desmontados, peça a peça. Cada uma delas é revisada. Se estiver boa, é recolocada. Caso não, é trocada. Um motor tem milhares de peças, e o processo é importante para garantir a segurança dos voos. A cada decolagem, o motor pode chegar a 14 mil rotações por minuto, e atingir temperaturas de mais de 700°C. Ao final da manutenção, os motores são submetidos a testes por várias horas, para simular todas as etapas de voo, antes de ter aval para voltarem a voar. 

Além das unidades em Petrópolis e Três Rios, há um espaço da GE Aerospace para testes dos motores no aeroporto do Galeão. A maioria dos motores, no entanto, chega ao Brasil pelo aeroporto de Viracopos, em Campinas, e depois viaja pela estrada até as oficinas no Rio, em caminhões com suspensão reforçada para proteger os motores dos solavancos da estrada. Campinas é a rota principal por ter mais voos de carga, especialmente vindos de Miami. 

As novas tarifas dos Estados Unidos sobre produtos não afetaram a operação, pois o setor aeronáutico entrou na lista de isenções da tarifa extra e ficou com taxa de 10%. Além disso, as tarifas envolvem produtos, e não serviços. "Somos uma empresa de serviços, então pode ter algum impacto indireto, mas não tivemos um impacto direto", diz Froes. 

GE Celma: oficinas no Rio de Janeiro revisam centenas de motores por ano (Divulgação)

Vagas para estagiários adultos

A GE Celma não revela quantas vagas serão abertas com a nova unidade, mas tem contratado entre 400 e 500 pessoas a cada ano. Uma das principais portas de entrada é um convênio com o Senai, que existe há 20 anos. É comum ver grupos deles circulando pelas fábricas, aprendendo na prática e treinando em motores de teste. Além deles, a empresa tem buscado contratar também pessoas mais velhas.

“É muito bacana ter o jovem, mas a gente queria ter pessoas com mais experiência. Hoje há pessoas que entraram no programa de estagiário técnico com 35, 40, 50 anos e foram contratados depois de um ano de programa”, diz Jacqueline Tibau, head de Recursos Humanos da GE Aerospace Brasil. 

Para o futuro, a empresa planeja seguir concentrando seu crescimento no Rio de Janeiro, de modo a facilitar a logística. Ao mesmo tempo, construir motores do zero no Brasil não está nos planos. "A fabricação de motores envolve informações confidenciais e muita tecnologia embarcada. Se você coloca pessoas não-americanas para fazer esse tipo de coisa, você está revelando a fórmula da Coca-Cola. Então tem algumas partes que a GE Aerospace não quer delegar ou tirar dos Estados Unidos", diz Froes.

*O repórter viajou a convite da GE Aerospace.

Acompanhe tudo sobre:AviaçãoRio de JaneiroBoeingAirbus

Mais de Economia

Com avanço do setor de serviços, PIB de SP cresce 2,5% em 12 meses

Combustíveis fósseis na Amazônia devem ser debatidos na COP, pedem ambientalistas

Haddad pede a Alcolumbre atenção a projeto de reação ao tarifaço

Tarifaço: governo adia recolhimento de impostos para empresas do Simples afetadas por tarifas