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‘Imposto de consumo tem finalidade de arrecadar, mais nada’, diz economista sobre reforma tributária

Para Cláudio Adilson Gonçalez, a proposta aprovada pelo Senado traz isenções e regimes especiais, por isso não é possível avaliar o impacto que será gerado

Congresso Nacional tem o desafio de aprovar o texto da reforma tributária após décadas de discussão da proposta (Esfera Brasil/Divulgação)

Congresso Nacional tem o desafio de aprovar o texto da reforma tributária após décadas de discussão da proposta (Esfera Brasil/Divulgação)

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Publicado em 24 de novembro de 2023 às 10h06.

Última atualização em 24 de novembro de 2023 às 10h07.

A reforma tributária foi um dos temas tratados em diferentes eventos e fóruns realizados pela Esfera Brasil ao longo do ano. Os empresários e a classe produtiva aguardaram pacientemente a aprovação da proposta que pretende simplificar o sistema tributário brasileiro. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 foi aprovada pelo Senado e voltou para a Câmara dos Deputados, uma vez que o texto sofreu alterações.

A expectativa é que a reforma seja promulgada ainda neste ano. Para o economista e diretor-presidente da MCM Consultores, Cláudio Adilson Gonçalez, a proposta em discussão, sem dúvidas, é um avanço ao que chamou de “manicômio tributário brasileiro”, mas poderia ter sido melhor.

“É muito difícil avaliar o impacto em função de todos os penduricalhos que entraram na PEC. Muita gente está falando sobre aplicação de dispositivos que eles nem sabem. Que vai melhorar, vai, mas o quanto não dá para dizer, principalmente em função da quantidade absurda de setores que serão objeto de regulação própria por leis complementares”, afirma.

Segundo o ex-consultor do Banco Mundial, a reforma muda a tributação sobre o consumo, cuja finalidade é apenas a arrecadação. “O imposto de consumo tem única e exclusiva finalidade de arrecadar, mais nada. Não se pode tentar fazer política setorial, social ou de desenvolvimento regional. É uma fonte de arrecadação dos governos sobre o hábito de consumir qualquer que seja o bem ou serviço. Quem paga é o consumidor final”, explica.

Gonçalez defende um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) único no Brasil: “Não tem nenhuma necessidade de ter um imposto federal e um estadual, porque vai ter uma legislação própria nacional, vai ser arrecadado centralizadamente pelo Comitê Gestor, que poderia fazer a partição para estados, municípios e União automaticamente. A necessidade de criar dois impostos é zero, isso é só uma questão de soberania”.

Regimes especiais

Para Gonçalez, que também foi subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda, o País perdeu a oportunidade de ter o melhor IVA do mundo ao criar uma série de tratamentos especiais.

“Setores com mais poder de berro em Brasília acabam colocando normas que os beneficiam. A primeira proposta do CCiF [Centro de Cidadania Fiscal], fundado por Bernard Appy [secretário extraordinário da Reforma Tributária na Fazenda], era perfeita, com uma alíquota só. Agora, com todos esses penduricalhos, é muito pior do que a proposta inicial”, acredita.

De acordo com o economista, na proposta inicial, a reforma tributária poderia gerar um crescimento adicional da economia de 12% a 20% em 15 anos e estimular o desenvolvimento para agronegócio, indústria e serviços. Mas a versão aprovada tem excesso de isenções, alíquotas reduzidas e regimes especiais, que serão regulamentados por leis complementares até 240 dias após a promulgação da PEC.

“Tem muito trabalho a fazer. O Appy está com força de trabalho, com técnicos já trabalhando nas leis complementares, mas há uma incerteza gigantesca pela frente”, pontua.

Na avaliação de Gonçalez, apenas duas exceções são necessárias e deveriam ter regimes especiais: o setor financeiro, que não deveria pagar IVA sobre spread bancário, e a construção civil. Para o restante, segundo ele, não havia necessidade de regras específicas.

Veja também: Lira diz que a reforma tributária será promulgada neste ano: 'Para sair desse manicômio tributário'

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Entre os setores com alíquotas reduzidas em até 60% estão:

  • serviços de saúde, educação e transporte público de passageiros;
  • setor de eventos e produções artísticas, culturais e atividades desportivas;
  • vendas de medicamentos e produtos agropecuários;
  • produtos da cesta básica estendida;
  • equipamentos para pessoas com deficiência;
  • produções jornalísticas e audiovisuais.

As leis complementares terão de criar regimes específicos de tributação para:

  • combustíveis e lubrificantes;
  • serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos;
  • sociedades cooperativas;
  • serviços de hotelaria, parques de diversão e temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes;
  • aviação regional;
  • serviços de saneamento e de concessão de rodovias, serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo;
  • operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
  • operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica;
  • bens e serviços que promovam a economia circular e a sustentabilidade no uso de recursos naturais.

Setores como a indústria ficaram felizes com a aprovação da reforma tributária no Senado, mas fizeram ressalvas. Para Cláudio Gonçalez, não há razão para isso. “Quem fica com o custo final é o consumidor. Os outros na cadeia vão passando para frente. Então essa história de que a indústria vai pagar mais, não é isso. Ela pode ser o maior recolhedor, e não pagador. Alguns bens e serviços vão ter mais impostos, outros menos, mas isso é o que se quer. A reforma não pode ser neutra”, justifica.

Os investimentos serão impactados positivamente pela reforma: “O investimento vai ficar mais barato, porque o investimento não é tributado, é 100% isento”.

Alíquotas

Com a reforma, os impostos não serão cumulativos, e a tributação vai acontecer no destino. Ainda não é possível assegurar qual será a alíquota, mas a base de incidência será a mesma para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A CBS terá alíquota única, que será fixada pelo Congresso Nacional. O Senado vai fixar a alíquota de referência para o IBS, mas estados, municípios e o Distrito Federal poderão fixar as alíquotas próprias, desde que sejam únicas e aplicáveis a todos os bens e serviços.

“Os estados poderão reduzir ou aumentar o IBS na hora que quiserem, porque o imposto é cobrado no destino. Se o governador quiser ser bonzinho com a população para ganhar eleição, vai abaixar o imposto, porém vai perder arrecadação e não vai atrair empresas. Se precisar fazer receita, vai aumentar o imposto”, exemplifica.

De acordo com a análise de Gonçalez, o Brasil é uma das economias que menos tributa renda e lucro. O valor representa 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Ao mesmo tempo, é um dos países que mais tributa operações de produção e consumo. Os impostos indiretos chegam a 15% do PIB.

Os tributos atuais são expressos “por dentro”. O novo IVA será “por fora”, ou seja, o percentual é determinado sobre o preço antes do tributo. O Ministério da Fazenda trabalha com a ideia de uma alíquota de 27,5%. O economista explica: “No Brasil, a alíquota é calculada ‘por dentro’, ou seja, o percentual que o imposto representa sobre o preço final de venda. Se for expressa pelo critério atual, a alíquota de 27,5% corresponderia a 21,6%, o que, provavelmente, é inferior à soma das alíquotas atuais”.

Fundos

O texto da reforma cria dois fundos: o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais. A ideia deste último é compensar as pessoas jurídicas beneficiárias de isenções e incentivos fiscais associados ao ICMS. Ele tem data para terminar: 2032. “É o fundo de compensação do fim da guerra fiscal para os estados que vão perder a capacidade de atrair empresas”, ressalta.

A União vai destinar ao fundo:

  • em 2025, R$ 8 bilhões;
  • em 2026, R$ 16 bilhões;
  • em 2027, R$ 24 bilhões;
  • em 2028 e 2029, R$ 32 bilhões;
  • em 2030, R$ 24 bilhões;
  • em 2031, R$ 16 bilhões;
  • em 2032, R$ 8 bilhões.

Já o FNDR corresponde a cerca de 0,6% do PIB. “Ele vai ser eterno, começa com valores mais baixos e vai chegar, em 2043, a R$ 60 bilhões. A justificativa é reduzir as desigualdades regionais. Na verdade, isso era a ‘cenoura’ que deram para conseguir o apoio dos governadores à reforma”, diz o economista.

Os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) serão usados para distribuir 70% dos recursos do FNDR. O restante será distribuído com base no número de habitantes. A expectativa é que estados e o Distrito Federal priorizem a aplicação do montante em projetos que preservem o meio ambiente.

“Nós poderíamos ter um sistema tributário muito mais avançado, que contribuísse mais com o crescimento econômico, mas não é o que aconteceu. É melhor que o atual? Muito provavelmente, sim”, avalia Gonçalez.

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