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O Brasil na vanguarda do mundo

Trump cita Brasil como exemplo positivo, e é verdade

Cadastramento eleitoral por meio da biometria abrange hoje todos os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal e alcança 85,75% do eleitorado apto (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)

Cadastramento eleitoral por meio da biometria abrange hoje todos os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal e alcança 85,75% do eleitorado apto (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)

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Publicado em 23 de junho de 2025 às 20h05.

*Por André Ramos Tavares

 

Em Da democracia na América, obra amplamente festejada e atualíssima, Alexis de Tocqueville foi capaz de captar os pilares de um sistema muito próprio que se tornaria farol para o mundo e uma grande inovação para a Europa monárquica de então — e ainda aristocrática, sem Constituição suprema. Se fosse em tempos atuais, a visita de Tocqueville aos Estados Unidos para observar e comparar as engrenagens profundas da democracia teria o mesmo tom de assombro — mas por outros motivos.

Como adverte o constitucionalista italiano Gustavo Zagrebelsky, democracia não é apenas uma questão de regras formais, mas também de condições materiais. Vale, porém, aqui, a reflexão sobre instrumentos e instituições de grande envergadura para a democracia. 

Comecemos por abril de 2025, momento em que Donald Trump publicou, com suposto viés de autoanálise, a ordem executiva Preserving and Protecting the Integrity of American Elections. Nela, o Brasil é citado como um exemplo positivo de “segurança nas eleições”, pela utilização da biometria para identificação segura dos eleitores no dia da votação. Para Trump, “os Estados Unidos atualmente falham”.

Realmente, o cadastramento eleitoral por meio da biometria abrange hoje todos os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal e alcança 85,75% do eleitorado apto. Com esse instrumento, os padrões únicos da biometria humana asseguram a identidade verdadeira de quem está votando. Mas esse não é o único exemplo de inovação e sucesso nas eleições brasileiras em prol da democracia.

Em primeiro lugar, um diferencial que também nos distanciou do modelo norte-americano foi a adoção, desde cedo, de uma Justiça Eleitoral, capaz de supervisionar as eleições com independência e profissionalismo. Mais ainda, como explica o ministro Dias Toffoli, a Justiça Eleitoral brasileira é única, “possui a peculiaridade de não só organizar, mas também normatizar, fiscalizar e julgar”. Aliás, a inovação jurídica na América Latina sempre foi elevada. Na Costa Rica, por exemplo, o Tribunal Supremo de Eleições se posiciona como um quarto Poder.

Em segundo lugar, as eleições brasileiras se destacam pelos seus números e, apesar disso, por operarem com tranquilidade no dia da votação. Nas eleições de 2024, tivemos aproximadamente meio milhão de pedidos de registros de candidaturas e mais de 155 milhões de eleitores aptos a votar — uma democracia pujante.

Em terceiro lugar, nosso pleito merece destaque pela vanguarda no uso da já consagrada urna eletrônica da Justiça Eleitoral brasileira. Em 2024, foram utilizadas mais de 571 mil urnas eletrônicas para receber o voto de cada um dos eleitores brasileiros.

Em quarto lugar, ressalto a capacidade institucional para manter um ambiente eleitoral livre de excessos em uma sociedade plataformizada. Desde a campanha de Barack Obama, em 2008, considerada como o primeiro grande caso eleitoral de uso intensivo das redes, houve grandes transformações mundiais. Como resposta aos novos tempos e desafios que foram surgindo, não bastava existir uma justiça eleitoral. Ela avançou e se atualizou rapidamente, para identificar um novo agente contrademocrático: o infrator informacional. O uso do poder de destruição pela desinformação não pode jamais ser minimizado em eleições que se pretendem livres. E a Justiça tornou prioritário proteger a integridade do processo eleitoral como um todo. E foi além: estabeleceu prazos compatíveis com o tempo digital, como as ordens de remoção em uma hora e a multa por hora de descumprimento. E vedou o uso de qualquer deep fake.

Porém, emergem diferenças ainda mais relevantes em relação ao modelo de democracia dos EUA. No Brasil, o voto do cidadão é obrigatório, e é esse voto individual que importa, não o de um colégio de (super)eleitores. Aqui, o cidadão não vota em um (novo) eleitor que, por sua vez, é quem vai efetivamente escolher o presidente. Lembremos as eleições de 2000 nos EUA, das quais resultou a vitória, amplamente questionada, de George W. Bush. Seu opositor Al Gore ganhou nos votos populares, mas Bush obteve a maioria dos colégios eleitorais. Mesma situação em 2016, pois Trump foi eleito com quase três milhões de votos a menos do que Hillary Clinton. 

Mais um ponto relevantíssimo: nos EUA, alguns estados-membros adotam o sistema winner-take-all, no qual o candidato mais votado obtém a totalidade dos votos do estado, sendo “revertidos”, na prática, os votos populares contrários ao candidato.

Outro ponto diz respeito aos mecanismos de apuração. O Brasil está na vanguarda na segurança e celeridade. Voltemos ao mesmo exemplo da eleição de Bush: os votos do colégio de eleitores da Flórida poderiam mudar o resultado final para Al Gore, pois lá o vencedor leva todos os votos. Com uma margem de diferença pequena (1.784 votos) na Flórida, naquela época governada pelo irmão do candidato, Jeb Bush, a legislação impunha recontagem automática, que foi realizada e revelou uma diferença de apenas impressionantes 327 votos. Exigiu-se, então, nova recontagem em quatro distritos, que, por determinação legal, teriam de entregar os resultados até sete dias após a eleição, mas o prazo não foi cumprido por três deles — e o pleito terminou assim mesmo. A demora desse processo de recontagem foi também responsável pela manutenção de um resultado oficial em prol de Bush. 

Por fim, há mais um ponto importantíssimo, embora seja muito raramente considerado: no encontro de 1994, a Comissão de Veneza reconheceu, a partir da história do Tribunal Constitucional da Alemanha, que tribunais fortes são essenciais para a construção democrática. A figura de um tribunal constitucional, tal como atua nosso Supremo Tribunal Federal (STF), tornava-se uma verdadeira marca a identificar constituições fortemente democráticas. 

Ao final, a luta não é exatamente pela vanguarda, mas pela democracia. 

*Ministro do TSE (de 2022 a 2025)

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