No Canadá, crescem os aplicativos e sites que auxiliam o consumidor a identificar produtos nacionais (Reprodução X)
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Publicado em 15 de abril de 2025 às 10h18.
As recentes políticas comerciais do governo de Donald Trump voltaram a gerar reações em cadeia fora dos Estados Unidos. Após o anúncio de tarifas generalizadas sobre importações – apelidadas de “tarifas do Dia da Libertação” –, consumidores e empresas de diversos países iniciaram movimentos de boicote contra produtos americanos. Mesmo com a posterior suspensão parcial dessas medidas, o impacto político e emocional foi suficiente para que o protesto se espalhasse, sobretudo em nações historicamente alinhadas aos Estados Unidos.
Na Europa, campanhas com o mote "compre local" ganharam força, tanto nas redes sociais quanto nas prateleiras de grandes varejistas. Iniciativas como o grupo francês Boycott USA: Achetez Français et Européen! (Boicote os EUA: compre produtos franceses e europeus!, em tradução livre) e os fóruns suecos que somam mais de 180 mil membros incentivam consumidores a priorizarem marcas nacionais e a identificarem, inclusive com cartazes e etiquetas, os produtos estadunidenses a serem evitados.
Na Dinamarca, a maior rede de supermercados do país começou a marcar com uma estrela preta os produtos europeus, ajudando os clientes a diferenciar facilmente as opções disponíveis. Na Alemanha, a rejeição é mais silenciosa, porém expressiva: segundo o instituto de pesquisa Cuvey, 64% dos alemães afirmam estar evitando produtos dos EUA.
No Canadá, além das medidas governamentais contra as sobretaxas americanas – como o fim de um contrato bilionário com a Starlink, de Elon Musk –, crescem os aplicativos e sites que auxiliam o consumidor a identificar produtos nacionais. Plataformas como Made in CA, Buy Beaver e Maple Scan refletem o movimento crescente de valorização do que é produzido localmente. A mobilização vem sendo impulsionada por um sentimento renovado de patriotismo e pela insatisfação com as políticas protecionistas de Washington.
O impacto político também é visível. O clima anti-Trump no Canadá tem favorecido o Partido Liberal, hoje liderado por Mark Carney, que passou a aparecer à frente nas pesquisas eleitorais após uma onda de rejeição popular à interferência americana na economia canadense. Governos locais também entraram no jogo, com províncias como Ontário e Colúmbia Britânica anunciando o boicote a bebidas alcoólicas importadas dos EUA, como bourbon e vinhos californianos.
Além de consumidores e governos, empresas globais se mostram cada vez mais sensíveis às repercussões do boicote. A japonesa Suntory Holdings, dona do uísque Jim Beam, por exemplo, já revisou seu planejamento estratégico para 2025 considerando que a aceitação de produtos americanos pode cair fortemente fora dos EUA – tanto pelas tarifas quanto pela rejeição emocional. Segundo o CEO Takeshi Niinami, a empresa está se adaptando a um cenário onde ser associado aos EUA pode prejudicar a imagem de suas marcas.
A Tesla é um dos maiores símbolos do desgaste causado pelas novas tensões comerciais. A montadora, que tem como CEO Elon Musk – atual conselheiro de Trump e doador-chave de sua campanha –, sofreu queda de 40% em sua valorização na bolsa. As vendas despencaram mesmo em mercados tradicionalmente receptivos, como a Noruega, onde os carros elétricos dominam. Musk chegou a se posicionar contra as tarifas, defendendo uma zona de livre-comércio entre Europa e América do Norte.
O episódio tem despertado memórias de campanhas similares no passado, como o caso das “freedom fries” em 2003, quando a França se opôs à invasão do Iraque. O cenário mostra como políticas protecionistas, mesmo que temporárias, podem gerar efeitos duradouros nas relações comerciais e na percepção pública.