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Al Gore: "Brasil tem melhor chance de liderar clima que qualquer nação"

Com críticas à 'esquizofrenia' ambiental dos EUA, ativista aposta no país como liderança natural pela capacidade de mediação global e matriz limpa brasileiras

Al Gore: "Qualquer nação que tente sediar uma COP hoje enfrenta grandes desafios, mas acho que o Brasil tem melhor chance de sucesso que praticamente qualquer outro país." (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Al Gore: "Qualquer nação que tente sediar uma COP hoje enfrenta grandes desafios, mas acho que o Brasil tem melhor chance de sucesso que praticamente qualquer outro país." (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 17 de agosto de 2025 às 07h00.

Última atualização em 17 de agosto de 2025 às 11h10.

Al Gore parece ter redirecionando sua estratégia de ativismo climático. Nas últimas décadas, o norte-americano construiu uma trajetória única, tendo sido vice-presidente dos Estados Unidos por oito anos no governo Clinton, e premiado com o Nobel da Paz em 2007  por seu trabalho na divulgação dos impactos da mudança climática no mundo.

A partir de então, se transformou em uma das vozes globais mais influentes na defesa do meio ambiente.

Aos 76 anos, o cofundador da Generation Investment Management, do Climate TRACE (iniciativa que usa inteligência artificial para medir gases de efeito estufa lançada durante a COP28) e do Climate Reality Project - organização sem fins lucrativos que já treinou dezenas de milhares de ativistas em mais de 100 países -, está no Brasil.

Desde que chegou ao país há alguns dias, a agenda incluiu encontros com antigas conexões como a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, um bate-papo em evento no BNDES com o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, e um painel com André Corrêa do Lago, presidente da COP30. Além de, claro, reuniões com a alta cúpula da COP30.

Na sexta-feira, 15, o ambientalista deu início a um treinamento gratuito para cerca de mil ativistas ambientais no Rio de Janeiro. A iniciativa que vai até este domingo, 17, é parte do trabalho realizado pelo Climate Reality Project, e visa educar e mobilizar lideranças.

Durante a abertura das atividades, o norte-americano recebeu um pequeno grupo de jornalistas convidados para uma entrevista exclusiva, incluindo EXAME.

"O Brasil tem melhor chance de sucesso que praticamente qualquer outra nação porque pode falar tanto pelas economias desenvolvidas quanto em desenvolvimento", declarou mais cedo, em uma apresentação para recepcionar os participantes de seu treinamento.

Para além da simpatia expressa pelo país, onde ficou célebre também por entregar à seleção brasileira a taça da Copa do Mundo de 94, suas palavras revelam para que sentido foi reorientada sua forma de atuação, após vivenciar tantos momentos decisivos da diplomacia climática.

Al Gore exerce hoje uma missão maior: influenciar efetivamente o necessário multilateralismo, que demanda atuar além das fronteiras americanas.

O fracasso anunciado de Genebra

Na mesma manhã de sexta-feira em que o ambientalista abria seu evento no Rio, encerravam-se em Genebra, na Suíça, as negociações para o Tratado Internacional do Plástico.

Travou o jogo, um impasse fundamental entre os países que defendiam limites à produção global de plásticos e aqueles (especialmente nações petroleiras) que resistiam a qualquer restrição. Prevaleceu, então, a pressão do segundo grupo, inviabilizando qualquer acordo.

O ativista não apenas repercutiu o melancólico desfecho das reuniões suíças, como enfatizou os alertas que há décadas vem fazendo sobre as táticas de obstrução desses atores. Durante a entrevista, diagnosticou:

"A indústria de combustíveis fósseis se tornou uma hegemonia global com poder político para ditar o que o mundo pode ou não pode fazer. É insano permitir que poluidores escrevam as regras"

Desde os anos 1970, quando ainda era estudante, o ambientalista se tornou um dos primeiros políticos em seu país a reconhecer a gravidade da crise.

Em 1992, liderou a delegação do Senado dos EUA na histórica Cúpula da Terra do Rio, onde nasceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC).

Diante do cenário que percebe atualmente, o caminho, acredita, seria "construir vontade política suficiente para derrubar essa força hegemônica" do setor.

"É por isso que foco tanto tempo e esforço em construir movimentos populares para reassegurar a capacidade da humanidade de reclamar o controle de nosso destino", completou.

A busca por uma nova liderança global

Embora acredite que o ativismo popular de base seja fundamental neste contexto, justamente o foco de seu treinamento no Rio de Janeiro, o veterano político reconhece que a influência dos Estados Unidos no cenário internacional se tornou parte do problema.

O país que historicamente liderou acordos climáticos globais, agora representa uma fonte de instabilidade crônica, com a postura do presidente Donald Trump (pelo qual Gore se desculpou tanto na programação, quanto na entrevista) se convertendo em um catalizador de reações contra a cooperação climática global.

"É lamentável que os Estados Unidos tenham tido uma abordagem esquizofrênica em relação à crise [do clima], alternando entre presidentes democratas e republicanos", observou, referindo-se ao padrão que testemunhou: Trump retirando os EUA do Acordo de Paris em seu primeiro mandato, Biden os recolocando, e Trump anunciando novamente a retirada assim que assumiu neste ano.

Com os EUA se afastando dos compromissos ambientais globais, EXAME perguntou qual seria, então, o país capaz de assumir esse papel para evitar o agravamento da crise?

"Eu não diria exatamente que os Estados Unidos estão desistindo. Diria que estamos infelizmente experimentando uma liderança ruim que só vai durar mais alguns anos", ponderou o ex vice-presidente. "Muitos governos subnacionais, estaduais e municipais continuarão a buscar ação climática, assim como muitas empresas americanas". 

Não há, porém, uma resposta pronta. De acordo com ele, sob o comando de Ursula von der Leyen, a União Europeia alcançou um grau de unidade que considera impressionante, surgindo como força de advocacy ambiental. Mas há limitações.

Já sobre a China, foi categórico: "Apesar das muitas conquistas impressionantes, não acredito que o mundo seguiria [a China], porque não é um país livre, não compartilha os valores que a maior parte do mundo aspiraria ter".

Seria o Brasil uma possibilidade para ocupar a lacuna? O ativista sugere que sim, embora mantenha  certa esperança de que não demore para que os Estados Unidos retomem seu compromisso histórico com a liderança global, começando com a mudança no controle do Congresso no próximo ano.

"O Brasil tem uma reivindicação à liderança porque historicamente trouxe norte e sul juntos, economias desenvolvidas e em desenvolvimento, e é amplamente respeitado ao redor do mundo", justificou. 

A COP que pode mudar tudo

Gore estará de volta ao Brasil em novembro, na COP30 de Belém, onde afirma inclusive já ter acomodação - numa referência bem humorada à crise que a organização do evento enfrenta em função da especulação hoteleira na capital paraense.

Porém, está entre os muitos especialistas que defendem uma reformulação profunda do modelo das Conferências das Partes (COPs).

E as críticas não são recentes nem pela percepção de um desgaste que poderia ser natural ao longo dessas três décadas desde que o modelo foi instituído. "Pedi várias reformas no processo da COP", revelou.

O sistema atual, relembra o ativista, nasceu de uma manobra calculada. Quando em 1992 houve uma tentativa de se estabelecer as Regras de Procedimento, a Arábia Saudita ergueu a primeira barreira impedindo a aprovação das normas que organizariam futuras negociações.

A herança deste movimento se perpetuou de forma devastadora. Sem essa estrutura, o consenso se tornou a regra.

"Fizeram isso propositalmente. Havia um famoso lobista da indústria do carvão dos EUA chamado Don Perlman. Ele e a Arábia Saudita essencialmente manipularam o processo para dar aos petroestados um veto sobre qualquer ação", explicou. 

O resultado, completou, foi ter as últimas três COPs (em Sharm El-Sheikh, Dubai e Baku) sediadas por nações sob regimes ditatoriais. Duas delas, em petroestados.

"Levou 28 COPs para que o termo 'combustível fóssil' fosse sequer mencionado. Quando na verdade, a crise climática é uma crise de combustíveis fósseis."

Não obstante as questões logísticas brasileiras, o ambientalista mantém agora um otimismo especial em relação à COP30.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, e a diretora-executiva do Center for Earth Ethics, Karennna Gore, durante evento do Climate Reality Project, no Rio de Janeiro. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

"Qualquer nação que tente sediar uma COP hoje enfrenta grandes desafios, mas acho que o Brasil tem melhor chance de sucesso que praticamente qualquer outro país", justificou.

Seus elogios se estendem ao governo brasileiro, sobretudo ao presidente Lula, cuja equipe diplomática considera excelente, e à ministra Marina Silva, a quem chama de 'uma heroína mundial'.

E adiciona: "O Brasil é o único país do G20 que obtém 90% de sua eletricidade de fontes renováveis. De muitas maneiras, [o Brasil] é o que outros países gostariam de ser quando crescessem".

De vice-presidente a Nobel da Paz

Aos 76 anos, a influência de Al Gore extrapola a esfera das discussões climáticas. Escritor, empresário e ambientalista nascido em 1948, no estado norte-americano do Tennessee, se consolidou na política como deputado e senador antes de chegar à cadeira de vice-presidência dos Estados Unidos.

Foi eleito quatro vezes consecutivas para a Câmara dos Representantes dos EUA, de 1976 a 1982. Chegou ao Senado em 1984, sendo reeleito em 1990. A passagem para o alto escalão do governo norte-americano se deu em 1993, quando se tornou o 45º vice-presidente do país durante a gestão de Bill Clinton.

Ao deixar o cargo público, tornou-se uma das principais vozes internacionais em prol da preservação do meio ambiente e recebeu em 2007 o Prêmio Nobel da Paz ao lado do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Gore é ainda autor dos livros "Uma verdade inconveniente", que originou o documentário homônimo vencedor de dois Oscars em 2007, "O ataque à razão", "A Terra em balanço" e outros best-sellers.

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