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Análise: Por que o timing da exploração na Margem Equatorial a 20 dias da COP30 não é coincidência?

Entre a pressão dos petroestados no pré-COP e o vazio de alternativas ao petróleo, Brasil sacrifica credibilidade climática a 20 dias de Belém

Margem Equatorial: a Petrobras recebeu licença para perfurar a 160 km da costa paraense, em área de alta sensibilidade ambiental a poucos quilômetros da maior floresta tropical do planeta. (Lucas Ninno/Getty Images)

Margem Equatorial: a Petrobras recebeu licença para perfurar a 160 km da costa paraense, em área de alta sensibilidade ambiental a poucos quilômetros da maior floresta tropical do planeta. (Lucas Ninno/Getty Images)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 22 de outubro de 2025 às 06h56.

Última atualização em 22 de outubro de 2025 às 12h23.

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A aprovação da licença para a Petrobras perfurar na Foz do Amazonas, concedida pelo Ibama na segunda-feira, 20 de outubro, a cerca de 20 dias da abertura da COP30 em Belém, não é um acaso de calendário.

O timing da decisão, que autoriza exploração petrolífera a 160 quilômetros da costa e 500 quilômetros da foz do maior rio do mundo, tem razões políticas que vão além da pressão exercida pelo presidente Lula - e alguns ministros e a própria Petrobras - sobre o órgão ambiental ao longo de 2025.

Dois episódios recentes ajudam a entender por que o governo brasileiro escolheu esse momento para liberar um projeto que contradiz frontalmente seu discurso de liderança climática: a resistência explícita de países árabes quando a ministra Marina Silva defendeu a transição justa no pré-COP de Brasília, há uma semana, e a ausência de um plano concreto que indique como substituir, na prática, a dependência do petróleo.

O recado que veio de Brasília

Durante o último encontro preparatório para a COP30 realizado entre os dias 13 e 14 de outubro, Marina Silva apresentou a proposta brasileira de uma transição energética baseada em justiça social e climática.

Na ocasião, a ministra lembrou a COP28, em Dubai, que acordou pela primeira vez a transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis. E defendeu ainda o fim dos subsídios ineficientes a essa fonte de energia.

"A decisão representa um chamado para eliminar progressivamente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis. Hoje, esses subsídios variam de 1,5 a 7 trilhões de dólares, a depender da metodologia", afirmou a ministra durante a abertura da plenária sobre transição justa.

A reação dos representantes de nações petroleiras, especialmente da Arábia Saudita, foi imediata e dura.

O país, segundo maior produtor de petróleo do mundo e líder do grupo dos Estados árabes, criticou a abordagem do tema e declarou que o Balanço Global não diz respeito somente a esse tópico, mas é um "menu" que não deve singularizar ou discriminar apenas uma tecnologia.

Por fim, apesar da divergência, fontes afirmaram que, de maneira geral, esses países demonstraram disposição em negociar, o que foi visto como um bom sinal para a COP30.

Contudo, usando da estratégia de mapear os principais pontos sensíveis, a presidência da conferência amazônica de fato percebeu que o embate sobre combustíveis fósseis se destacou como um dos mais delicados.

Nos bastidores, diplomatas veteranos relataram, em conversas reservadas com EXAME, que a resistência foi interpretada por negociadores como um sinal de alerta.

Sem demonstrar que o Brasil também depende de recursos petrolíferos, a liderança da COP30 correria o risco de isolamento no bloco de nações produtoras.

"O recado foi claro: não dá para liderar uma transição energética global sem reconhecer que ela será longa e que inclui petróleo no meio do caminho", revelou um observador que acompanha as negociações climáticas há mais de uma década.

"A liberação da Margem Equatorial é, também, uma mensagem de que o Brasil não está na utopia verde, está na geopolítica energética", completou.

Bastidores: "Timing é péssimo, mas foi calculado"

Também nos bastidores empresariais, a leitura é unânime: o momento é péssimo do ponto de vista da imagem, mas foi calculado politicamente.

"A decisão saiu agora porque, paradoxalmente, é pior sair depois da COP. Seria como admitir que o Brasil escondeu suas intenções durante a conferência. Ao menos assim, o governo pode dizer que foi transparente", ponderou um diplomata que pediu anonimato por não estar autorizado a falar publicamente.

Outro observador veterano de COPs complementa: "O governo está numa sinuca de bico. Se não libera, perde apoio interno, enfrenta pressão da Petrobras e fica vulnerável à acusação de que está travando o desenvolvimento. Se libera, perde credibilidade externa. Escolheram perder credibilidade, porque a pressão interna era maior."

Um executivo de uma multinacional do setor de energia, que também falou sob condição de anonimato, foi mais direto:

"Todo mundo sabe que o Brasil vai explorar petróleo por décadas ainda. A questão é: vamos fazer isso enquanto fingimos que não vamos, ou vamos assumir e tentar fazer da melhor forma possível? O governo escolheu a segunda opção, mas o momento não poderia ser pior."

O padrão que se repete: o fracasso em Genebra

O embate em Brasília não foi um caso isolado. Dois meses antes, em agosto, as negociações para o Tratado Internacional do Plástico fracassaram em Genebra após impasse entre países que defendiam limites à produção global e nações petroleiras que resistiram a qualquer restrição.

Travou o jogo um impasse fundamental entre os países que defendiam limites à produção global de plásticos e aqueles, especialmente nações petroleiras, que resistiam a qualquer restrição.

Prevaleceu a pressão do segundo grupo, inviabilizando qualquer acordo e repetindo um padrão evidente: sempre que o debate global avança para limitar combustíveis fósseis, seja via plásticos, seja via transição energética, os petroestados organizam resistência coordenada.

O Brasil, que poderia ter exercido papel de mediador como futuro anfitrião da COP30, foi acusado por ambientalistas de ter se alinhado aos petroestados, gerando críticas internacionais sobre a genuinidade de seu compromisso com a transição.

O vácuo do planejamento estratégico

O segundo pilar que pode explicar a escolha do momento está na própria fragilidade da narrativa brasileira.

Questionado sobre como o país pretende, na prática, substituir receitas do petróleo e garantir segurança energética enquanto expande renováveis, o governo não apresentou até agora um roteiro convincente com metas intermediárias e fontes de financiamento definidas.

A lógica governamental seria já que a transição não tem data nem método claros, melhor garantir a exploração enquanto ela ainda for necessária – e lucrativa. O problema é que essa postura colide frontalmente com o discurso de liderança climática que o país quer exercer em Belém.

Pré-COP30, em Brasília: Arábia Saudita reage contrariamente após defesa do compromisso de Dubai pelo abandono gradual de combustíveis fósseis. (Rafa Neddermeyer/ COP30) (Rafa Neddermeyer/ COP30)

"Uma contradição brutal", diz Carlos Nobre

Para o climatologista Carlos Nobre, a decisão representa uma contradição brutal no discurso brasileiro às vésperas da cúpula de Belém.

"O Brasil está dizendo ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento e proteção ambiental, mas ao mesmo tempo autoriza exploração de combustível fóssil numa das regiões mais sensíveis do planeta, a poucos quilômetros da maior floresta tropical do mundo. Isso não é conciliação, é incoerência", afirmou Nobre em entrevista.

O cientista alerta que a perfuração na Margem Equatorial, mesmo que a produção demore de sete a dez anos para começar, já compromete a narrativa de Belém.

"A COP30 deveria ser o momento em que o Brasil mostra que é possível liderar pelo exemplo. Mas que exemplo estamos dando? Que a transição energética é conversa para inglês ver enquanto a gente fura poço no mar?"

Nobre reconhece que a transição não será imediata, mas questiona a necessidade de abrir uma nova fronteira petrolífera justamente agora.

"Temos reservas, temos o pré-sal em operação. Por que precisamos explorar uma área de altíssimo risco ambiental, com correntes fortíssimas e biodiversidade pouco estudada, justo quando deveríamos estar mostrando que conseguimos fazer diferente?"

As melhorias técnicas que não convencem

O Ibama e a Petrobras defendem que o projeto atual é substancialmente diferente daquele negado em 2023.

Por meio de nota, o Ibama informou que a emissão da licença ocorreu após rigoroso processo de licenciamento ambiental iniciado em 2014, inicialmente sob responsabilidade da empresa BP Energy e assumido pela Petrobras em dezembro de 2020.

O procedimento envolveu a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), três audiências públicas e 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios do Pará e do Amapá.

Também foram feitas vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional (APO) que mobilizou mais de 400 profissionais da Petrobras e do Ibama.

Após a negativa de 2023, segundo o órgão ambiental, foi iniciada uma intensa discussão com a Petrobras que permitiu aprimoramento substancial do projeto, especialmente em relação à estrutura de resposta a emergências.

Entre os avanços, destaca-se a construção e operacionalização de um novo Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) de grande porte em Oiapoque (AP), que se soma ao já existente em Belém (PA), além da inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de fauna oleada e quatro embarcações nearshore.

O Ibama afirmou que as exigências adicionais foram fundamentais para a viabilização ambiental do empreendimento, considerando as características ambientais excepcionais da região. Durante a atividade de perfuração, será realizado novo exercício simulado de resposta a emergência, com foco nas estratégias de atendimento à fauna.

A Petrobras, por sua vez, espera obter excelentes resultados desta pesquisa e comprovar a existência de petróleo na porção brasileira desta nova fronteira energética global, segundo afirmou Magda Chambriard, presidente da estatal.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente reforçou que o licenciamento é competência legal do Ibama, que avalia a viabilidade técnica do empreendimento.

O MMA esclareceu que não cabe ao órgão licenciador analisar aspectos de oportunidade e conveniência para explorar ou não petróleo - decisão que é de competência do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

"Como a ministra Marina Silva tem reiterado ao longo dos últimos dois anos, sempre que é instada a se pronunciar sobre processos de licenciamento que despertam o legítimo interesse da sociedade civil, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, comunidade científica, investidores e diferentes setores do governo, cabe legalmente ao Ibama avaliar a viabilidade técnica do referido empreendimento", afirmou o ministério em nota.

O MMA seguiu reafirmando que qualquer processo envolvendo áreas de elevado risco, como a Foz do Amazonas, deve obedecer aos mais rigorosos critérios técnicos, científicos e ambientais, garantindo o respeito ao meio ambiente, aos povos e comunidades da região e às riquezas socioambientais.

Contradições que persistem

Apesar das garantias oficiais, técnicos do próprio Ibama mantiveram até fevereiro a recomendação de negar a licença. Um parecer assinado por 29 especialistas do órgão, visto pela AFP, destacava o risco de "perda massiva de biodiversidade em um ecossistema marinho altamente sensível".

Em setembro, mesmo sem que a Petrobras conseguisse demonstrar de forma confiável sua capacidade de contenção de vazamentos, a avaliação ambiental pré-operacional foi aprovada.

Em 2011, a Petrobras tentou perfurar em região próxima à que recebeu a licença agora e houve um incidente com a sonda, provocado por fortes correntes do mar nessa região – um alerta sobre as condições desafiadoras da área que permanece atual.

A reação das organizações ambientais foi imediata. O Observatório do Clima anunciou que entrará na Justiça junto com outras seis entidades da sociedade civil, questionando aspectos técnicos e jurídicos do licenciamento.

"A aprovação sabota a COP e vai contra o papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no palco internacional", declarou o Observatório do Clima. "A decisão é desastrosa de uma perspectiva ambiental, climática e de sociobiodiversidade."

Marcio Astrini, diretor-executivo da organização, foi mais incisivo ao questionar o momento escolhido: "Por que agora? Acho que é uma espécie de sabotagem mesmo. A COP está sofrendo dentro do governo uma série de pressões contrárias. O governo está reticente na agenda em geral."

A pressão política no processo foi explícita. Lula chegou a dizer publicamente no início do ano que o Ibama agia "como se estivesse contra o governo".

A interferência política no processo de licenciamento, negada oficialmente, ficou explícita em maio, quando Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, anulou pareceres técnicos contrários e autorizou o teste de resposta a vazamentos – considerado a última etapa antes da concessão da licença.

O que está em jogo em Belém

O prazo do contrato da sonda que será usada pela Petrobras terminava esta semana e o equipamento seria devolvido. Com a licença concedida na segunda-feira, a estatal renovará o contrato e iniciará imediatamente a perfuração, que deve durar cinco meses.

A expectativa é saber se há petróleo no poço até março. Mesmo que haja descoberta, a produção demoraria entre sete e dez anos para começar, segundo afirmou Magda Chambriard, presidente da Petrobrás.

Mas o estrago político é imediato. A COP30, que poderia representar a consagração do Brasil como potência climática, chega a Belém sob a sombra de uma decisão que expõe as contradições do projeto ambiental brasileiro - e há muito mais desafios em outras esferas e agendas.

Confrontada com essas contradições após o pré-COP de Brasília, a ministra Marina Silva reconheceu:

"As grandes contradições, elas estão postas não só no Brasil, mas no mundo inteiro. De fato, nós temos ainda uma limitação de fontes renováveis para suprir a necessidade de toda a demanda de energia sobretudo nos setores econômicos, mas isso tem que ser superado."

A questão é: será possível superar essas contradições enquanto se perfura a Margem Equatorial? E mais: será possível liderar uma conferência climática global carregando essa ambiguidade?

Os próximos 20 dias dirão se o Brasil consegue transformar o discurso de "transição justa" em algo crível, ou se a primeira COP na Amazônia será lembrada não pelos avanços climáticos, mas pela dissonância entre retórica e realidade.

O petróleo que pode estar no fundo do mar equatorial já começou a vazar, não como óleo, mas como dúvida sobre a seriedade da liderança climática brasileira.

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