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Evento discutiu possibilidades com o JCM, mecanismo japonês que financia a transição em países em desenvolvimento e utiliza as métricas ambientais para ambas as NDCs (AFP/AFP)
Repórter de ESG
Publicado em 15 de outubro de 2025 às 10h28.
Enquanto o mundo tenta há anos destrancar as negociações do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da criação de um mercado global de carbono, o Japão avança por um caminho próprio. O Joint Crediting Mechanism (JCM) — mecanismo japonês de cooperação que financia projetos de descarbonização em países parceiros — permite que as reduções de emissões sejam contabilizadas tanto pelo Japão quanto pelo país receptor, evitando dupla contagem.
A menos de dois meses da COP30 em Belém, o mecanismo ganhou novo fôlego no evento "Cooperação Internacional pelo Clima: Brasil e Japão", realizado na Japan House em São Paulo. O objetivo era celebrar os 130 anos da amizade Brasil-Japão pensando também nas possibilidades de integração climática e ambiental entre as nações. O ministro da Embaixada do Japão no Brasil, Tomoaki Ishigaki, que visitou a capital paraense no dia anterior ao encontro, foi direto. "A colaboração entre países é crítica para aumentar a atividade na batalha contra as mudanças climáticas. A COP30 pode favorecer esse intercâmbio de ideias e iniciativas nos âmbitos público e privado", disse.
COP30: acesse o canal da EXAME sobre a Conferência do Clima do ONU e saiba das novidades no seu celular!O JCM funciona como um atalho pragmático para ambos os lados. O Japão apoia financeiramente ou investe em projetos que promovem tecnologias avançadas de descarbonização nos países parceiros. Em troca, mede a redução das emissões de gases de efeito estufa para contabilizar em suas próprias metas climáticas, enquanto o país receptor também se beneficia dessas reduções para suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
"Temos cerca de cem casos, especialmente de usinas hidrelétricas verdes, entre outros vários projetos já iniciados", afirmou Keitaro Tsuji, diretor de JCM e de mercado internacional de carbono no Ministério do Meio Ambiente japonês. O Japão estabeleceu metas agressivas: reduzir 100 bilhões de toneladas de CO2 até 2030 e 200 bilhões até 2040. Para cumpri-las, o país criou um sistema de compliance interno que começa a operar no ano fiscal de 2026, envolvendo de 300 a 400 empresas que representam 60% das emissões nacionais.
A complementaridade entre os dois países é evidente, mas também expõe realidades distintas. Enquanto o Japão já tem um mercado maduro prestes a funcionar, o Brasil ainda está na fase de desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
Beatriz Soares, gerente de projetos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, traçou um cronograma realista durante o evento: a lei prevê um ano para regulamentação (definindo tetos, créditos aceitos e percentuais), chegando a 2026. Depois, mais um ano para preparar reguladores (2027) e dois anos coletando dados para entender os limites de emissões (até 2029).
"Se tudo der certo, talvez perto de 2030 o sistema esteja operando, mas nenhum mercado de carbono no mundo começa funcionando a pleno vapor", ponderou Beatriz. Ela destacou que haverá um período piloto, seguindo a experiência internacional. O desafio, segundo a representante do MMA, será o credenciamento das metodologias. "Acho que estabelecer esses critérios vai ser o ponto mais trabalhoso", explica.
Acesso negado para empresas, imprensa esvaziada: o que precisa ser resolvido a menos de 30 dias da COP30Há, porém, uma diferença fundamental entre os perfis de emissões entre os dois países. Francisco Paiva, diretor de descarbonização e findo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi enfático ao apontar que a indústria brasileira já emite menos que a maior parte do mundo graças à abundância de recursos naturais e energia renovável. "Do ponto de vista das emissões, o problema que temos para atacar é desmatamento, que responde a metade das nossas emissões", afirmou.
Essa característica brasileira — onde a principal fonte de emissões não é industrial — torna o país um parceiro interessante para o Japão, cuja economia é intensiva em indústria e que precisa compensar emissões com projetos florestais que não tem em seu território. É onde o JCM ganha sentido estratégico.
A ideia de mecanismos bilaterais ou plurilaterais como alternativa ao impasse global ganhou força no debate sobre políticas climáticas. Candido Bracher, banqueiro e ex-presidente do Itaú Unibanco, defendeu a criação do que chamou de "clube de carbono" — uma coalizão de países com mercados mais maduros. A proposta seria reunir Brasil, Japão, Europa, Austrália, Canadá, entre outras nações e conglomerados, para desenvolver um mercado comum onde quem exporta para o bloco paga um imposto de carbono, mas dentro do grupo não há taxação. "A ideia é que a medida interesse outros países, nem que por constrangimento", explicou.
Caroline Prolo, da Fama Re.Capital, vê o momento como propício para esse tipo de arranjo. Ela reconhece que haverá dificuldades para conectar mercados jurisdicionais, mas avalia que o Artigo 6 do Acordo de Paris pode ajudar e que experiências como o JCM são positivas. "As cartas estão dadas, e já estamos mais perto que nunca", afirma.
'Já falamos muito de meta, é hora de focar na ação', diz presidente da SB COPBracher, no entanto, manifestou ceticismo quanto à capacidade da regulação de resolver o aquecimento global por si só. "Deixei de acreditar que a regulação vai resolver nossos problemas. Acho que tudo vai ser resolvido porque se tornará economicamente viável", disse, citando o barateamento das renováveis como um dos principais motores reais da transição. Sua sensação é que o mercado deve evoluir "primeiro gradualmente, depois subitamente", mesmo que por forças externas à sustentabilidade.
Caroline acredita em outro caminho. Ela aponta que, apesar da aparente fraqueza da vontade política, os dados indicam o contrário — há um movimento de aprofundamento da regulação climática no Brasil. A partir de 2027, companhias abertas precisarão apresentar relatos de sustentabilidade e divulgação de riscos climáticos, por determinação da CVM e do Banco Central. "Tem uma progressão na regulação: o problema é a velocidade com que isso ocorre", disse.
Na União Europeia, diretivas como a de desmatamento e o CBAM (mecanismo de ajuste de carbono na fronteira) seguem em curso. "Do ponto de vista regulatório, está acontecendo."Enquanto o SBCE ainda deve levar anos para operar plenamente, o Fundo Clima já movimenta volumes significativos com foco no desenvolvimento sustentável. Daniela Baccas, chefe do Departamento de Apoio à Sustentabilidade do BNDES, apresentou números concretos: o banco foi alçado como operador do fundo e, após o Tesouro começar emissões de títulos soberanos sustentáveis, a alavancagem foi de dez vezes o que havia sido operacionalizado antes. O orçamento do Fundo Clima chegou a R$ 10 bilhões em 2024, com potencial de mais R$ 11 bilhões este ano.
O fundo financia soluções de mitigação e adaptação, de biocombustíveis a desenvolvimento urbano resiliente e projetos de restauração ecológica. "Nenhuma solução deve ser afastada, o que tivermos disponível em orçamento será utilizado porque a questão é relevante", afirmou Daniela, lembrando que para o Brasil, país em desenvolvimento, a questão climática também tangencia o desenvolvimento industrial e a geração de empregos.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, que organizou o evento junto à Japan House, lembrou que o custo da inação já é visível, como o gasto do governo federal com o Rio Grande do Sul após as enchentes. Unterstell também afirmou que as possibilidades de desenvolvimento e criação entre Brasil e Japão fortalecem a preparação dos países para a COP30. "É muito positivo ver cooperações nascendo com sociedade civil. Espero que possamos discutir e evoluir mais nas próximas semanas mirando novas oportunidades", disse.
O evento ainda contou com casos práticos de aplicação. A Ajinomoto, companhia alimentícia, anunciou que até 2030 quer trabalhar na redução de emissões do gado e apresentará um plano sobre a recuperação de pastagens degradadas na COP30. A GOL, companhia aérea que transporta 30 milhões de passageiros por ano, trabalha com o governo no desenvolvimento de SAFs (combustível sustentável de aviação) e em mitigar o custo adicional desse projeto nos voos domésticos.
Shigueo Watanabe, pesquisador sênior do ClimaInfo e consultor da presidência brasileira da COP30, trouxe ainda o contraponto social necessário ao debate técnico-financeiro. "Países muito pobres não têm como fazer transição, e as populações que menos emitem são as mais atingidas pelas mudanças do clima", alertou. Para ele, é fundamental que se avance nas negociações e se assumam compromissos com essas populações. "Não dá para ficarmos parados."