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Paulo Reis, diretor da Assobio: "Trabalhamos com ingredientes amazônicos e queremos gerar impacto positivo. Precisamos de um pouco de oxigênio para fazer tudo isso" (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 16 de novembro de 2025 às 12h38.
Belém — "Bioeconomia, biotecnologia, uma economia baseada na conexão com o conhecimento tradicional: nisso, podemos ser a grande fronteira do mundo." A afirmação é de Paulo Reis, empreendedor paraense e diretor da Associação dos Negócios da Sociobioeconomia da Amazônia (Assobio).
Para ele, enquanto o Brasil dificilmente vai atingir tecnologias ambientais melhores que o resto do mundo, a bioeconomia é o modelo econômico que finalmente faz sentido para a Amazônia. "Como somos um lugar de floresta muito diverso, não faz sentido ter uma economia de agricultura extensiva aqui. Nosso modo de produzir alimentos não é com monocultura, é com biodiversidade", defende.
De inovação diplomática a impasses políticos: o balanço da 1ª semana da COP30Criada em agosto de 2023, a Assobio nasceu da necessidade de organizar um setor que vinha crescendo de forma acelerada, mas ainda disperso. De cerca de 70 negócios mapeados em 2018-2019, a região hoje conta com quase 800 empresas de bioeconomia. A associação reúne 130 delas e já mostra resultados concretos: juntos, esses negócios — todos pequenos — movimentam R$ 52 milhões por ano diretamente para comunidades tradicionais e agricultores familiares, impactam 60 mil hectares e envolvem quase 70 mil pessoas.
Paulo, que também fundou a Manioca, empresa de alimentos com ingredientes amazônicos que completa dez anos em 2024, e a Amazonique, projeto focado em sucos com frutas típicas da região, começou sua trajetória como empreendedor em 2014, após se formar em Direito e perceber que aquele não era seu propósito. Hoje, além de tocar seus negócios, lidera uma das principais vozes da bioeconomia amazônica.
Nesta entrevista, ele detalha como a Assobio funciona na prática, os desafios de competitividade dos produtos amazônicos e as oportunidades que a COP30 pode trazer para o setor.
Como surgiu a Assobio e qual é o tamanho desse movimento hoje?
A Assobio foi criada formalmente em agosto de 2023, mas é resultado de um ecossistema de bioeconomia que vem se aquecendo desde 2018, 2019. Nesse período, várias organizações entenderam que gerar uma economia baseada na floresta em pé era uma estratégia importante no combate ao desmatamento e também uma oportunidade de desenvolvimento para quem vive na Amazônia.
Incubadoras, aceleradoras, programas de investimento e investidores apareceram, e junto com eles foram aparecendo cada vez mais empreendedores daquilo que passamos a chamar de bioeconomia. Em 2023, começamos a conversar entre alguns empreendedores e percebemos que seria positivo nos organizarmos de forma que ficasse claro que esse é um setor que agora existe formalmente.
Também para que pudéssemos interagir melhor com investidores, parceiros e governos, colocando com mais clareza quais eram as nossas demandas. Em alguns momentos percebíamos que havia soluções para problemas que nós não tínhamos, ou soluções diferentes do que esperaríamos.
E que, em alguns casos, poderíamos criar essas soluções nós mesmos, não necessariamente dependendo de algum parceiro, muitas vezes de fora da região amazônica.
Nascemos com 25 negócios como associados fundadores e hoje somos 130. Fazemos novas associações a cada seis meses. E já conseguimos mapear, com a Fundação Certi, quase 800 negócios de bioeconomia desse tipo na região. Esse é um universo que realmente cresceu: havia um mapeamento de cerca de 70 empresas há sete, oito anos. Isso mostra o quanto as pessoas vêm entendendo que isso é uma oportunidade, e o quanto essa oportunidade tende a crescer.
Paulo Reis e Joanna Martins, cofundadores da foodtech Manioca (Divulgação/Divulgação)
Como funciona na prática o trabalho da associação com esses 130 negócios?
A Assobio é formada por empreendedores: eu sou empreendedor, as outras diretoras são empreendedoras, nosso conselho é de empreendedores. Então fizemos de fato uma organização que conhece as dores do dia a dia. Mas, claro, estamos o tempo todo perto de outros tipos de parceiros para colaborar.
Temos duas formas de trabalhar. A primeira é tentando trazer apoio, suporte, projetos e parcerias que gerem benefícios para os associados, de modo que possamos ter mais competitividade.
Somos pequenos, trabalhamos com ingredientes amazônicos e ainda queremos gerar impacto positivo. Precisamos de um pouco de oxigênio para fazer tudo isso, que é realmente muito difícil.
Temos, por exemplo, parceria com companhias aéreas, e alguns dos maiores varejistas da América Latina, como Mercado Livre. Nos tornamos parceiros também de bancos, como o Banco do Brasil, e com o governo do estado do Pará e o governo federal. O objetivo é trazer algum aumento de capacidade aos empreendedores, seja desconto de frete, facilidade para viajar e participar de feiras, programas de incentivo ao turismo conectado à bioeconomia, ou iniciativas de comercialização, distribuição e principalmente marketing da bioeconomia. Essa é uma frente nossa: como ajudar os negócios associados a ganharem mais fôlego e terem mais oportunidades.
A segunda é sobre quais temas a gente participa, lidera ou se envolve nas discussões que são importantes não só para nós, mas para a região como um todo. Um exemplo é a tributação. A grande maioria das cadeias relevantes no Brasil são incentivadas, para não dizer todas. E entendemos que se a bioeconomia precisa crescer, nesse cenário ela vai precisar ser incentivada também, senão fica muito desvantajoso. Para dar um exemplo: no estado do Pará, a carne chega a ter 1% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), enquanto a bioeconomia chega a ter 19%.
Então, naturalmente, se queremos mudar nosso cenário de uso do meio ambiente, precisamos estimular também essa cadeia de bioeconomia que pode trazer uma nova abordagem para uso da floresta.
Vocês já conseguem mensurar o impacto econômico e ambiental desses 130 negócios?
Essa é uma coisa que discutimos muito. A escala da bioeconomia é uma pergunta que fazemos constantemente. Defendemos que existe uma escala possível que vem dos pequenos e médios negócios. Se você parar para pensar, é um pouco dessa escala que tem, por exemplo, a rede de restaurantes no Brasil, ou a própria economia informal.
Na Assobio, começamos a reunir dados para entender se faz sentido isso que defendemos. Esses 130 negócios associados, que são todos pequenos, geram por ano R$ 52 milhões para comunidades tradicionais e agricultores familiares fornecedores dessas matérias-primas amazônicas. Estamos querendo muito refinar esse número, mas de qualquer forma não deixa de ser importante. Chegamos a 60 mil hectares de áreas impactadas por essa economia verde que utilizamos. E são quase 70 mil pessoas também impactadas.
Queremos demonstrar que talvez essa escala que tanto nos cobram ela já exista.
Ela precisa crescer ainda mais, mas é uma escala baseada na diversidade e não no tamanho de algumas poucas alternativas, nem de algumas poucas cadeias. Como são muitos negócios, vários setores, segmentos e cadeias, estamos falando de centenas de ingredientes diferentes que combinam com essa diversidade enorme. Não estamos falando só de açaí, cacau e borracha, que são produtos obviamente incríveis, mas não representam a diversidade da Amazônia como um todo.
Precisamos desenvolver no Brasil e na bioeconomia essa maneira de construir um mercado e uma economia baseada na diversidade. E temos mostrado que a escala dos pequenos negócios tem esse potencial. Claro que vai haver grandes negócios, acho tudo bem que haja, acho ótimo. Eles têm papel importantíssimo. Tenho certeza que alguns negócios da Assobio se tornarão grandes, querem ser grandes, e não há problema com isso. Mas não acho que esse é o modelo da Amazônia. Para o empreendedor, querer ser gigante, tudo bem, faz parte do mundo que vivemos.
Mas não acho que a Amazônia deve querer depender dos gigantes. Isso como modelo é importante pensar.
Por que é tão urgente desenvolver uma economia que protege a floresta?
Seja pela economia ou por um milagre, precisamos parar o desmatamento e recuperar áreas desmatadas imediatamente. Isso tem tudo a ver, primeiro, com o estoque de carbono que a Amazônia representa, que é gigantesco. Há estudos que falam que são 10 anos de emissões do mundo, do planeta. Segundo, o fluxo de águas. A Amazônia coloca 20 bilhões de toneladas por dia de água na atmosfera, fora o que os rios amazônicos também colocam nos oceanos. É muito importante esse fluxo de água, por exemplo, para produção de energia e de alimentos no Brasil. Se somos uma potência de produção de alimentos e temos uma matriz energética das mais limpas do mundo, é exatamente por causa da Amazônia.
O desmatamento é a principal fonte de emissões do Brasil hoje. Se você juntar com o uso do solo, chegamos a mais de 70% das nossas emissões. É um ponto fora da curva, a maioria dos países é por causa de energia.
De outra forma, a biodiversidade não só pode nos trazer soluções, como curas para uma série de coisas, alimentos das mais diferentes formas, como também pode nos trazer problemas sérios, como próximas pandemias. Há uma série de estudos identificando a possibilidade de vírus e outros organismos que podem afetar todos nós se seguirmos esse desmatamento, desrespeitando e degradando a biodiversidade.
E do outro lado, a bioeconomia, de fato, é, no meu ponto de vista, a primeira vez que temos uma economia que realmente pode crescer e ter total conexão com o modo de vida da região e com a geografia da região. Como somos um lugar de floresta muito diverso, não faz muito sentido ter uma economia de agricultura extensiva aqui. Nosso modo de produzir alimentos não é com monocultura, é com diversidade. Então essa é uma economia incompatível com nossa região.
Também criamos cidades na Amazônia onde vivem praticamente 80% das pessoas que não conseguiram absorver a floresta na sua economia, na sua cotidianidade.
Então, tirando nossa gastronomia, que é maravilhosa e tem tudo a ver com a bioeconomia, não conseguimos dar outros passos na sofisticação maior de serviços, de produtos. Não conseguimos exportar como deveríamos.
A nossa economia da floresta, essa bioeconomia, acho que finalmente vai ser um modelo econômico que combina com a região. E isso pode trazer benefícios e diferenciais de competitividade sérios. Ou seja, podemos fazer melhor que ninguém. Não sei se o Brasil pode fazer restauração melhor que ninguém, não sei se pode fazer mudança de matriz energética melhor que ninguém. Certamente não vamos fazer tecnologia da informação muito melhor que o resto do mundo. Mas bioeconomia, biotecnologia, uma economia baseada na conexão com o conhecimento tradicional, com povos tradicionais: nisso a gente pode ser a grande fronteira do mundo.
Primeira COP na Amazônia pode ser oportunidade para destravar a bioeconomia na região (Leandro Fonseca /Exame)
Um dos desafios é que muitos produtos amazônicos chegam ao mercado com preços mais altos. Como a Assobio está trabalhando essa questão da competitividade?
A pergunta certa não é por que esses produtos são tão caros, mas por que outros são tão baratos. Quem está pagando o custo dos outros? Quem paga o custo de uma monocultura para você ter um produto tão barato? Mas nossa realidade no Brasil é que somos um país de renda baixa, um país pobre. Não vamos poder esperar o Brasil mudar seu perfil, nem esperar a monocultura desaparecer para trabalhar bem a bioeconomia.
Há algumas questões que precisamos tratar. De fato, hoje os produtos são mais caros. Mas não são todos. Não são todos os tipos de produtos. Se eu imaginar uma camisa feita com fibras amazônicas, ela não é muito mais cara do que muitas marcas que vendem por aí. Se penso em sorvetes amazônicos, também não são mais caros. Farinhas amazônicas também.
Acho que precisamos levar o mercado mais em consideração. O setor de empreendedorismo da Amazônia ainda começa muito pelo propósito e deixa para pensar no mercado só lá na frente. Estamos tratando o mercado como aquela dieta que ficamos procrastinando. Então precisamos urgentemente dessa disciplina de olhar o mercado. E acho que há alternativas.
Há produtos amazônicos que têm competitividade maior - dá para falar do cacau, por exemplo, de muitas frutas que não precisam ter custos caros. E há produtos amazônicos que precisamos comunicar melhor, porque aquele produto vale mais. Às vezes não é que seja mais caro, vale mais. Ninguém pergunta por que uma BMW é mais cara que um carro popular. As pessoas sabem que vale mais.
Precisamos também melhorar a forma de comunicar qual é o valor de um produto amazônico. Às vezes esse valor não está só aqui na floresta. Às vezes você está pagando por um produto que é melhor para você.
Temos produtos impressionantes - óleos para cosméticos, fibras e cores para moda, fashion, design, comidas para a indústria de alimentos, a indústria de peixe. É contraintuitivo que num país com tantas espécies incríveis exportemos praticamente só tilápias, que chega a 98% da produção que exportamos. Deveríamos exportar os peixes amazônicos, que geram muito menos impacto ambiental do que nossa imensa produção.
Vai levar um tempo para as pessoas comprarem uma bolsa amazônica por US$ 5 mil. Talvez leve um tempo também para valorizarem o cosmético amazônico assim como valorizam o cosmético sul-coreano ou francês. Então precisamos compreender e jogar um pouco o jogo do mercado mais rapidamente.
Como a COP30 pode fortalecer a bioeconomia e os negócios associados à Assobio?
Em nossa pesquisa, chamada "O que o Brasil pensa da Amazônia", uma das coisas que mais nos chama atenção é a ignorância profunda do Brasil e do mundo sobre a região. Mas ao mesmo tempo aparece que a Amazônia é um orgulho nacional.
Tenho convicção de que uma COP30 trazendo 170 países para cá, e também muitos brasileiros, vai sensibilizar muito, vai gerar uma espécie de onda. Para quem nasceu e cresceu em Belém como eu, é muito curioso isso. Estamos vendo que Belém está na moda, as pessoas querem vir para cá, virou assunto. As pessoas estão perguntando 'quando você vem para Belém', 'quando vai a Belém', se já foi em tal lugar.
Isso, sem dúvida nenhuma, botando no bolo do turismo e da cultura, é talvez o maior marketing que poderíamos ter. Porque as pessoas vão voltar para casa querendo manter essa conexão com os produtos, da mesma forma como quando você vai para algum lugar do Sul do Brasil e muda sua forma de tomar um vinho brasileiro.
É uma coisa que sempre faltou: o Brasil não teve acesso a informação sobre a Amazônia. E a COP está fazendo um caminhão de informação chegar.
Não tenho dúvida que a COP traz um holofote gigante, muita mídia. Tenho muita certeza que isso vai impactar no consumo, vai impactar na vida das pessoas aqui.
É importante dizer também que não precisamos vender um produto para São Paulo para que determinada cadeia de bioeconomia prospere. Pode vender aqui, baseado no turismo. Pensa como isso acontece na França, em Nova York, no Peru, em Medellín. Tenho muita convicção de que essa vinda de pessoas para cá vai gerar uma conexão que vai se transformar em consumo e até em apoio político para a bioeconomia e para a Amazônia.