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'Brasil precisa de marcos regulatórios para competir em soluções climáticas', diz Renata Piazzon

Em entrevista à EXAME, diretora do Instituto Arapyaú alerta para risco de o país desperdiçar vantagem técnica por impasses no Congresso

A advogada Renata Piazzon, que comanda o Arapyaú: "Filantropia não vai mover ponteiros sozinha, então precisamos realmente articular outras esferas, especialmente privada e política."

A advogada Renata Piazzon, que comanda o Arapyaú: "Filantropia não vai mover ponteiros sozinha, então precisamos realmente articular outras esferas, especialmente privada e política."

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 7 de julho de 2025 às 14h13.

Última atualização em 7 de julho de 2025 às 16h51.

A poucos meses da Conferência do Clima de Belém, a COP30, são muitas as evidências da posição contraditória em que se encontra o Brasil.

Se por um lado dispõe de um arsenal comprovado de soluções ambientais reconhecidas internacionalmente, por outro convive com uma crescente polarização política que isola o Ministério do Meio Ambiente e fragiliza a articulação institucional necessária para liderar as negociações globais.

Um contraste que ficou mais evidente na última semana de junho, quando dois eventos simultâneos ilustraram essa dicotomia nacional.

Enquanto os Institutos Arapyaú e Itaúsa lançavam um relatório mapeando 40 soluções climáticas escaláveis já implementadas no país, a ministra Marina Silva enfrentava uma nova rodada de ataques hostis na Câmara dos Deputados, como já havia acontecido no Senado em maio.

Em entrevista à EXAME, a advogada Renata Piazzon, que comanda o Arapyaú e se tornou referência em filantropia climática internacional, analisou as possibilidades depois de retornar de recentes encontros sobre clima.

Um universo de possibilidades

O relatório Soluções em Clima e Natureza do Brasil foi produzido a partir de três meses de trabalho com 70 especialistas, sistematizando iniciativas que abrangem os maiores setores emissores de gases de efeito estufa: agricultura, pecuária, florestas, energia e bioeconomia.

A partir de então,a metodologia classificou as soluções em três categorias, conforme potencial de escala e maturidade.

Entre as iniciativas consolidadas, destaca-se o mercado brasileiro de bioinsumos, que movimenta R$ 5 bilhões anuais com crescimento quatro vezes superior à média mundial.

O país também lidera globalmente no monitoramento florestal por satélite, tecnologia que fundamenta políticas públicas de controle do desmatamento na Amazônia Legal.

O Código Florestal, aprovado em 2012, mantém mais de 200 milhões de hectares em conservação — área equivalente à metade da Europa.

Na silvicultura, empresas brasileiras de papel e celulose estabeleceram-se como referência mundial, produzindo celulose com a menor pegada de carbono do setor.

Para Renata Piazzon, essa demonstração de capacidade técnica precisa ser traduzida em competitividade econômica. "Não existe dicotomia entre preservar o planeta e gerar valor econômico", defende.

"A natureza precisa ser competitiva, e criar mecanismos como créditos de carbono e biodiversidade e pagamentos por serviços ambientais é essencial para isso"

O relatório ainda identifica a bioeconomia brasileira como o setor de imenso potencial transformador, abrangendo desde commodities tradicionais como açaí e cacau até biotecnologia avançada, um mercado que transita da escala de milhões para trilhões de dólares.

O papel da filantropia estratégica

Paralelamente ao mapeamento governamental, o documento — e a atuação do Arapyaú — a filantropia brasileira vem redefinindo seu papel no ecossistema climático.

Organizações como o instituto, que já soma 17 anos de atuação, parecem ter transitado de um modelo assistencialista para uma abordagem de articulação sistêmica, incubando redes que posteriormente se seguem autônomas.

Um dos exemplos dessa estratégia é, de acordo com Renata, o projeto MapBiomas. Incubado institucionalmente pelo Arapyaú, tornou-se plataforma de monitoramento territorial com metodologia replicada para 20 países.

"A filantropia não vai mover ponteiros sozinha, então precisamos realmente articular outras esferas, especialmente privada e política", observa. "Por isso a gente vem incubando redes que se tornaram bastante transformadoras."

A abordagem territorial integrada conecta múltiplos setores dentro de regiões específicas, particularmente na Amazônia e Mata Atlântica.

O instituto também diversificou sua atuação para áreas aparentemente distantes da agenda ambiental tradicional, como o Brazil Creating Fashion for Tomorrow, projeto de moda sustentável com curadoria de Lilian Pacce.

"Agenda climática é o que a gente veste, come e celebra como cultura", observa a advogada. "Essa foi uma das experiências mais marcantes: ver como as boas histórias têm o poder de mover consciências e conectar com o dia a dia", relata,

Em contrapartida, as limitações orçamentárias ainda consistem em um obstáculo para escala.

Na filantropia global, lembra a diretora do Arapyaú, apenas 2% dos recursos direcionam-se para clima – cerca de US$ 9 bilhões, dos quais apenas US$ 100 milhões chegam ao Brasil.

Impasses político-institucionais

A efervescência técnica contrasta com a fragilização política do Ministério do Meio Ambiente, justamente quando o país precisaria capitalizar plenamente suas condições para assumir liderança nas discussões climáticas globais.

Na última semana, durante uma sabatina de 7 horas, deputados bolsonaristas como Evair Vieira de Melo (PP-ES) e Rodolfo Nogueira (PL-MS) adotaram tom bastante agressivo com a ministra, questionando não apenas políticas específicas, mas a competência e legitimidade da ministra.

"Estamos vivendo um desmonte de políticas ambientais e com o nosso ministério bastante isolado. De certa forma o que aconteceu com a Marina [Silva], reincidentemente  e sem posicionamento contundente do governo, mostra um descompasso de agendas com a nossa mais enfraquecida", define Renata.

A polarização pode afetar diretamente a capacidade brasileira de liderar negociações na COP30.

Afinal, países observadores têm avaliado não apenas a retórica governamental, mas a estabilidade institucional e a capacidade de implementação de compromissos assumidos.

Há caminhos para maior articulação?

Reconhecendo os riscos dessa fragmentação política, o Arapyaú articulou-se com outras organizações filantrópicas para estruturar a Meridiana, lançada há poucos meses.

"A missão desta nova organização é basicamente dialogar com o centro-direita no Congresso Nacional, na agenda climática", explicou a advogada.

Em resumo, numa abordagem suprapartidária a Meridiana busca criar pontes onde tradicionalmente existem trincheiras.

"Já estamos apoiando algumas organizações que fazem esse advocacy maior com o governo", detalha Renata.

Paralelamente às discussões políticas, empresas dos setores mais afetados pela regulamentação ambiental articulam iniciativas próprias de sustentabilidade.

Movimentos de rastreabilidade, agricultura regenerativa e sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta ganham tração no setor privado, independentemente dos impasses em Brasília.

No entanto, a ausência de marcos regulatórios consistentes limita a competitividade de modelos sustentáveis.

Para Renata Piazzon, o fato de a regulamentação de mercados de carbono, biodiversidade e serviços ambientais permanecer travada no Congresso cria uma desvantagem competitiva para práticas regenerativas.

Sem esse marco regulatório, investidores interessados exclusivamente em retorno financeiro mantêm preferência por projetos tradicionais.

Um contexto internacional desfavorável

"Acredito que duas pautas atropelaram a agenda climática: inteligência artificial e guerras", analisa a diretora do Arapyaú sobre as pressões orçamentárias globais e os aspectos que empurraram as questões ambientais para trás na lista de prioridades.

O desafio financeiro é substancial: elevar recursos de US$ 300 bilhões para US$ 1,3 trilhão anuais, conforme acordado na COP29, em Baku.

Com cofres públicos insuficientes globalmente, atrair capital privado torna-se indispensável — mas exige superar resistências ideológicas e estabelecer marcos regulatórios previsíveis.

Adicionalmente, há algumas semanas, André Corrêa do Lago, presidente da COP30, alertou em entrevista à EXAME como o negacionismo econômico tem sido um entrave para a transição energética e a mobilização de capital.

Segundo o diplomata, persiste a falsa percepção de que investimentos verdes são economicamente prejudiciais, quando na realidade "os países que investiram nessas áreas criaram emprego, melhoraram a economia" — citando exemplos da China, Europa e Estados Unidos.

Cooperação como caminho

Em novembro próximo, o Instituto Arapyaú deve lançar um segundo relatório em parceria com o The Earthshot Prize, premiação global criada pelo príncipe William para identificar e apoiar 50 soluções inovadoras para os problemas climáticos até 2030.

A cooperação britânica, que ilustra um dos caminhos promissores para as necessárias articulações em múltiplas frentes que o Brasil precisa fomentar para conquistar relevância, foi estabelecida justamente de uma reunião com o próprio William, realizada durante a London Climate Week, na última semana de junho.

"Foi o príncipe quem provocou que fizéssemos um segundo relatório em parceria", conta Renata sobre o encontro.

"A publicação seguirá os cinco eixos do prêmio, mostrando as soluções que o Brasil já tem, numa perspectiva de legado. Isso consolida o país como provedor de soluções, e não só como um território de potencial em clima e natureza", completa.

Paralelamente, o Arapyaú estrutura agora aprofundar casos concretos das empresas já mapeadas no report lançado em junho, transformando-os em estudos detalhados para apresentação na COP30.

Agora resta ao Brasil conseguir traduzir seu portfólio técnico em parcerias diplomáticas concretas. Para então chegar a Belém não apenas como anfitrião, mas como protagonista comprovado de alternativas para a descarbonização global.

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