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'O desafio é usar a IA para o bem', diz executivo que passou por empresa de Steve Jobs

Com vasta carreira no Vale do Silício, investidor fundou empresas pioneiras como a KL Felicitas Foundation e a Tonic e concedeu entrevista exclusiva à EXAME em sua passagem pelo Brasil

Charly Kleissner: "A riqueza privada vem com uma enorme responsabilidade. Não só para nós mesmos, mas o mais importante, para o planeta, a natureza e a sociedade" (Divulgação)

Charly Kleissner: "A riqueza privada vem com uma enorme responsabilidade. Não só para nós mesmos, mas o mais importante, para o planeta, a natureza e a sociedade" (Divulgação)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 13 de março de 2025 às 17h59.

Última atualização em 14 de março de 2025 às 09h41.

Com uma carreira de décadas no Vale do Silício, passando por empresas como a Next, fundada por Steve Jobs, e com um histórico de liderança em startups de tecnologia e inteligência artificial, Charly Kleissner decidiu mudar seu foco para atuar com mais propósito: o investimento de impacto.

A decisão aconteceu no início dos anos 2000, quando Charly já havia acumulado uma 'bela fortuna'. "Entendi que a riqueza privada vem com uma enorme responsabilidade. Não só para nós mesmos, mas o mais importante, para o planeta, a natureza e a sociedade", disse em entrevista exclusiva à EXAME.

Movido por essa ideia e pela visão crítica sobre os sistemas econômicos e financeiros, ele fundou a KL Felicitas Foundation, fundação pioneira em investimentos de impacto.

Mais tarde, em 2015, também esteve à frente da Tonic, rede global sem fins lucrativos que conecta investidores com projetos verdes, e a Twist, empresa que visa alavancar transformações sistêmicas econômicas, sociais e ambientais e fornece apoio a empreendedores.

Todas, com uma mesma missão: ir além dos retornos financeiros e buscar soluções que impactem positivamente a sociedade e o planeta. 

Atualmente, estes investimentos já representam mais de um terço do total de ativos no mundo e podem chegar a US$ 53 trilhões (cerca de R$ 273 trilhões) em 2025, segundo a Bloomberg Intelligence.

"Hoje meu papel tem sido empurrar o lado mais profundo do impacto. Trabalho com mudanças de mentalidade e consciência, criando redes e colaborando com iniciativas que visam transformar os sistemas", contou Charly.

Natural da Áustria, ele passa maior parte do tempo nos Estados Unidos, mas também vai recorrentemente à Europa, onde tem investido em iniciativas como bancos de impacto e tokenização de recursos naturais.

Em conversa durante passagem breve pelo Brasil para participar do evento Impacta Mais, Charly compartilha sua visão sobre a evolução do investimento de impacto, os desafios, as oportunidades do Brasil e como a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, pode ser uma aliada no desenvolvimento de um futuro mais justo e sustentável.  

Para o executivo, o Brasil tem uma oportunidade única, especialmente em ano de Conferência de Mudanças Climáticas (COP30): "o país pode provar que é possível alinhar crescimento econômico com responsabilidade ambiental e social, atrair cada vez mais recursos e criar um novo modelo para o desenvolvimento sustentável", disse.

Confira a entrevista

1. Você fundou a Tonic e outras iniciativas voltadas para o impacto. Como essas organizações ajudam a moldar este ecossistema global? 

É uma pergunta muito boa e importante. Porque o ecossistema de impacto precisa ser fortalecido de todos os lados: na oferta de capital, na demanda, e no lado intermediário. E a Tonic, que co-fundamos, surgiu porque não havia nenhuma organização global ou rede para nós investidores de impacto privado colaborarmos, co-investirmos e aprendermos uns com os outros.

Desde o começo, a rede nasceu com uma missão internacional. Primeiro, com foco na Europa e América do Norte, e depois expandindo para a Ásia, Oriente Médio e África. Na América do Sul, infelizmente, não fomos tão ativos. Eu gostaria de ter mais membros no Brasil, mas mesmo assim desempenhamos um papel significativo. Atualmente, temos cerca de 550 membros na rede, que são famílias ou indivíduos de alta renda.

2. O que impulsionou o crescimento significativo do investimento de impacto nos últimos anos?

Penso que a maioria das pessoas, principalmente as instituições, estavam muito focadas nos retornos de mercado e isso se tornou um ponto de partida para atrair investimentos para o ESG (meio ambiente, social e governança). A percepção era de que isto poderia reduzir o risco financeiro e ainda manter os ganhos. No entanto, à medida que fomos mais fundo, o impacto social e ambiental profundo se tornou mais difícil de manter, o que exigiu uma colaboração mais ampla entre diferentes tipos de capital.

3. Qual é o papel da tecnologia e da inteligência artificial (IA) neste cenário?

A inteligência artificial, em sua versão atual, está influenciando praticamente tudo. Isso significa que cada indústria será impactada de uma maneira ou outra. A IA estará a serviço de tornar a indústria mais lucrativa financeiramente. O desafio é que precisamos usá-la para o bem, com o objetivo de fazer a humanidade assumir sua responsabilidade de cuidar do planeta.

Um dos problemas fundamentais com estes algoritmos é que estes são treinados com um conjunto de dados predominantemente do norte global, o que acaba refletindo os preconceitos da região. Precisamos incluir mais o sul global, as comunidades indígenas, para que a IA produza um reflexo mais amplo da consciência humana e ajude a transformar os sistemas econômicos de forma mais justa e sustentável. Caso contrário, a tecnologia pode agravar desigualdades.

4. O Brasil pode se tornar um hub relevante para investimentos de impacto? O que falta para avançarmos? 

O Brasil tem uma enorme oportunidade, é muito rico em recursos naturais e biodiversidade, o que oferece muitas portas abertas para investimentos sustentáveis. Porém, o capital privado, especialmente o que vem de famílias e indivíduos de alta renda, precisa assumir mais responsabilidade.

Se as famílias reconhecidas no país investirem com impacto, isso pode liberar mais capital para a área e criar exemplos de sucesso que, por sua vez, atrairiam mais investimentos.

5. O que a COP30 pode significar para o Brasil em termos de atrair investimentos sustentáveis?

Como o país anfitrião da COP30, o Brasil pode mostrar liderança, especialmente diante das incertezas e realinhamentos geopolíticos, e se destacar ao demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade.

Além disso, pode provar que é possível alinhar crescimento econômico com responsabilidade ambiental e social. Isso pode atrair investimentos e criar um novo modelo para o desenvolvimento sustentável no país.

6. Você acredita que estamos vivendo numa 'bolha' neste setor? Como garantir que esse crescimento seja sustentável?

Acredito que o setor de impacto profundo não está em uma bolha. O ESG, por outro lado, teve uma bolha, que estourou. Agora, é importante que as pessoas que realmente se importam com o impacto positivo se diferenciem das que estão apenas usando a sigla como uma medida de mitigação de risco.

O impacto profundo trata das causas sistêmicas dos problemas, e esse é o tipo de investimento que devemos buscar. Para garantir que isso seja sustentável, precisamos de mais capital fluindo para essa área e mais pessoas envolvidas em criar mudanças reais.

7. E quais os reflexos de Trump?

Após a mudança na administração dos EUA, houve uma resistência significativa, especialmente com a retirada de apoio de iniciativas internacionais e a redução do foco em questões como diversidade e ESG.

No entanto, acredito que isso pode acabar acelerando o movimento de impacto, pois muitos vão perceber que é ainda mais importante continuar com esses investimentos. O Brasil, por exemplo, pode se destacar ao mostrar um caminho para os outros países.

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