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'Círio foi ensaio': negócios amazônicos estão otimistas com vitrine de bioeconomia na COP30

Do Ver-o-Peso às feiras de Belém, EXAME conversou com empreendedores que apostam na conferência do clima para levar produtos da floresta ao mercado global e expandir suas vendas

Da Estação das Docas ao Ver-o-Peso: cartões postais de Belém abrigam empreendedores da bioeconomia amazônica (Getty Images)

Da Estação das Docas ao Ver-o-Peso: cartões postais de Belém abrigam empreendedores da bioeconomia amazônica (Getty Images)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 15 de outubro de 2025 às 06h00.

*De Belém do Pará 

Açaí, maniçoba, ervas, artesanato e outras dezenas de produtos originados a partir de bioinsumos da floresta fazem parte da cultura de Belém e estão presentes no cotidiano dos paraenses.

Seja nas festividades que reúnem milhões como o Círio de Nazaré, onde a maniçoba vira almoço de domingo e o açaí e a farinha estão sempre presentes na mesa, cada um carrega muitas histórias e diferentes origens.

Por trás, estão centenas de empreendedores amazônicos que trabalham diariamente no mercado tradicional da cidade, o Ver-o-Peso, em feiras como no recém-inaugurado Mercado do Brás, ou em exposições temporárias e eventos.

O Círio serviu como "um ensaio geral" do que está por vir: À EXAME, negócios locais dizem estar otimistas com a COP30 e a enxergam como uma grande oportunidade de mostrar ao mundo que é possível gerar economia mantendo a floresta em pé.

A bioeconomia no bioma amazônico, grande aposta da presidência brasileira da COP, traz um potencial bilionário e pode destravar R$ 45 bilhões ao PIB brasileiro, segundo estudo do WRI.

"Sempre falamos de Amazônia, mas nunca sobre quem sustenta a floresta", diz Dina Carmona, fundadora do movimento Mulheres Fortes do Norte, criado para dar protagonismo feminino às amazônidas.

"Há uma economia criativa em curso. Tiramos vários insumos da floresta, fazemos biojoias, chocolates deliciosos a partir do cacau, mas ao mesmo tempo pouco se ouve os empreendedores", destacou.

Para Dina, a COP30 precisa ser, antes de tudo, um momento de escuta.

"É importante ouvir quem está girando este modelo econômico sustentável. Nós que somos da floresta, temos consciência da importância de mantê-la de pé. É sobre transformação social", afirmou.

Além de capacitações, mentorias e curadoria em eventos, o Mulheres Fortes do Norte ajuda a escoar produtos que muitas vezes ficam sem visibilidade e consequentemente aumentar as vendas.

Jaci Garcia é uma dessas mulheres que transformam a floresta em economia. Idealizadora do coletivo Manos e Manas Marajuaras e do projeto Joias do Marajó, ela transforma sementes, ostras e gravetos em acessórios e biojoias que celebram a identidade cultural da região.

"Conseguimos colocar um pouco de nós nas nossas peças e quem compra também está levando um pouco de nós", conta.

O que começou como um projeto pensado para mulheres virou um grande coletivo. Para ela, a COP30 é "uma oportunidade maravilhosa de mostrar ao mundo" o trabalho feito na região. "Quem estiver com os olhos na Amazônia e no Pará estará nos conhecendo", destacou.

Tradição e cultura no Ver-o-Peso

No icônico Ver-o-Peso, mercado histórico de Belém e cartão postal turístico da cidade, as obras em curso para a COP30 convivem com a rotina secular dos feirantes e suas expectativas para o evento climático que colocará a capital paraense no centro das atenções globais. 

Manoel Ubiraci, de 94 anos, é o feirante mais velho do mercado e já trabalha há 87 anos vendendo camisetas temáticas e de times de futebol. À EXAME, conta que viu Belém se transformar muitas vezes, mas nunca tinha passado um Círio tão "fraco" como o deste ano.

"Primeira vez que isso acontece", lamentou, se referindo às obras do governo que o deixaram em uma feira provisória e "desorganizada".

Manoel ubiraci, 94 anos, feirante do Ver-o-Peso

As obras no Complexo do Ver-o-Peso incluem uma revitalização, com reformas nos boxes, novas coberturas e iluminação, e um sistema de saneamento e esgotamento sanitário.

Segundo Manoel, a promessa era que a nova área onde ficaria sua banca estaria pronta até o Círio, mas isto não aconteceu e ele assim como outros cerca de 80 feirantes estão temporariamente em um local "de passagem" do mercado e sem muita visibilidade. 

Sua esperança é que as obras fiquem prontas até a COP30 e as vendas melhorem.

O mesmo aconteceu com Francisco Barbosa, vendedor de camisas de time de futebol há 35 anos na feira e que já está há 60 dias no local provisório. "As obras estão atrasadas. Este espaço fica escondido e nos prejudicou na maior celebração do ano", reclama. Ainda assim, mantém a expectativa de que tudo melhore com a conferência.

Paula Cristina da Silva representa quatro gerações de feirantes no mercado. Ela aprendeu o ofício com a mãe, que tem 40 anos na feira, a avó, e a bisavó que morreu com quase 100 anos. Em sua banca, vende ervas medicinais, energéticas e espirituais – perfumes, cheiros, banhos, tudo feito manualmente em sua casa.

Paula Cristina da Silva e sua mãe, na banca de ervas do Ver-o-Peso

"Vendo muito para o povo paraense. Não sei como será para quem vier de fora, mas espero mostrar e expandir nosso trabalho ancestral na COP30", disse Paula.

Entre os seus produtos mais vendidos estão copaíba, andiroba, pomadas e óleos de massagem com ativos naturais da região.

No mesmo Ver-o-Peso, está o Salomão Alcântara, há 15 anos vendendo a tradicional maniçoba. No Círio, teve motivos para comemorar. "Aumentamos o dobro ou até o triplo da venda da maniva", contou.

O prato, feito com folhas de mandioca cozidas por dias, é o almoço tradicional de domingo dos paraenses e o alimento oficial de festividades – como a feijoada para o resto do Brasil.

Durante a procissão católica, algumas pessoas chegam a levar 10 a 20 kg. "Esperamos pessoas de todo Brasil", destacou. Para ele, a COP30 representa a chance de apresentar esse alimento típico da cultura paraense para visitantes de diferentes países.

Salomão Alcântara, feirante que vende maniçoba no Ver-o-Peso

Há também a história de Mahau, nome artístico de um artesão que há cinco anos vende seus artesanatos  no local e encontrou lá mais do que um ponto comercial. "O mercado todo me acolheu", diz.

Ele faz suas artes em cuia em um ateliê, sempre respeitando a ancestralidade, e aproveitou o Círio para expor também no Varanda de Nazaré, evento idealizado pela cantora e ativista Fafá de Belém.

Mahau, feirante de artesanato do Ver-o-Peso

O novo mercado do Brás

Enquanto o Ver-o-Peso ainda passa por obras, o mercado do Brás foi recentemente reformado e inaugurado, se tornando um dos principais legados da COP30 a partir de um investimento de R$ 150 milhões.

A proposta é reunir um centro gastronômico, turístico e cultural, em um espaço de 50 mil m².  Além de uma gama de restaurantes e bares, abriga atividades culturais e outras exposições. 

Em uma de suas áreas, está uma feira de artesanato e produtos alimentícios da região.

Fernando Duarte, feirante há 20 anos que vende farinhas – acompanhamento essencial da maniçoba e do açaí –, mudou para o novo mercado há dois meses após ficar temporariamente em uma "loja de móveis".

Fernando Duarte, da feirinha do Mercado do Brás

"O movimento está bom. No Círio, a santa passou perto e bombou", comemora. "Se deus quiser, vamos ficar fixos aqui, as expectativas são altas", disse.

O mesmo sentimento de otimismo é compartilhado por Jesus Araújo, que trabalha com açaí no mesmo mercado há quase 30 anos – um negócio que passou de pai para filho. Só nos três dias do Círio, vendeu 60 litros e diz "querer mais" na COP.

Jesus Araújo, vendedor de açaí do mercado do Brás

Gastronomia como "diplomacia"

Para Saulo Jennings, renomado chef paraense fundador de restaurantes como Casa do Saulo e Casa das Onze Janelas, a gastronomia do Pará vive seu momento de maior visibilidade.

Recentemente nomeado Embaixador Gastronômico da ONU Turismo, ele foi convidado a assinar o cardápio da COP30 e recebeu o selo "Aqui tem bioeconomia" por seu compromisso em utilizar 100% dos seus insumos vindos da floresta.

"A gastronomia do Pará é muito única. Com a diversidade de produtos e ingredientes, a representatividade é muito grande, seja geograficamente, religiosamente, turisticamente e agora também diplomaticamente na COP", disse à EXAME.

Para Saulo, a culinária é "muito plana" – no sentido de que alcança todas as camadas da economia.

"Começa nos produtores locais às pessoas que produzem artesanalmente, até a agricultura familiar, comércio, indústria. Todo mundo ganha", frisou.

Segundo o chef, aconteceu uma transformação nos últimos anos.

"Antes, a nossa gastronomia se resumia a estar dentro das casas, mas hoje ela está na mesa de bons restaurantes. Ela sai de algo mais tímido e interno e chega a um nível de turismo e destino, além de ser diplomática", contou.

O ensaio geral do Círio de Nazaré

O Círio de Nazaré serviu como termômetro para a COP30. Na Feira de Artesanato organizada pelo Sebrae, mais de 50 mil pessoas circularam e movimentaram R$ 3,2 milhões em negócios, segundo levantamento concedido em primeira mão à EXAME.

Já na conferência do clima, são esperados cerca de 70 mil participantes que devem girar a economia local. 

Há mais de dois anos, o Sebrae no Pará tem trabalhado na preparação dos pequenos negócios para a COP30.

"É uma oportunidade única de mostrar, para quem é de fora da Amazônia, o valor da nossa cultura e tudo o que a floresta pode oferecer de forma sustentável pelas mãos dos empreendedores", afirmou Rubens Magno, diretor-superintendente do Sebrae no Pará.

O trabalho está focado em quatro eixos prioritários: Economia Criativa, Mobilidade, Alimentos e Bebidas e Hospitalidade.

Além das capacitações, o Sebrae tem levado micro e pequenos negócios para feiras e eventos fora do Pará – tanto no Brasil como no exterior.

"Nosso objetivo com essas capacitações é deixar um legado de conhecimento, práticas e experiências que os tornem mais fortes, competitivos, resilientes e perenes", complementou Magno.

Recentemente, o Sebrae também lançou um hub na Ilha do Combu para fomentar a bioeconomia da região. 

Ecossistema de 2.700 startups na Amazônia Legal

A Amazônia Legal, que engloba nove estados, concentra mais de 2.700 startups, principalmente nos setores de bioeconomia, agro e alimentos.

Só em Belém, são cerca de 800 empresas mapeadas. O desafio é grande: 80% delas ainda precisam estruturar o negócio para gerar receita.

O cenário reforça a importância de capacitações e iniciativas como o Parque de Bioeconomia, inaugurado na última terça-feira, 7, no novo complexo Porto Futuro em Belém, com a missão de ser um hub de conexão entre inovação e saberes tradicionais enquanto atua na fabricação de produtos em escala.

É nesse contexto que surge também a Associação dos Negócios de Sociobioeconomia da Amazônia (ASSOBIO), fundada em 2023 e que hoje reúne mais de 130 pequenos e médios empreendimentos.

A organização já gera mais de 1 mil empregos diretos, impacta 70 mil pessoas e movimenta R$ 52 milhões por ano.

"Com a COP30 se aproximando, o mundo olha para a região. Aqui, o visitante pode conhecer nossa biodiversidade de forma prática, valorizando os produtores e incentivando o consumo consciente", destacou Paulo Reis, presidente da ASSOBIO.

A vitrine da bioeconomia

Uma das apostas da ASSOBIO para aproximar consumidores dos produtos da floresta são máquinas automáticas que vendem itens feitos com ingredientes como açaí, jambu, cumaru e puxuri.

A primeira foi instalada no restaurante Amazônia na Cuia, no Porto Futuro, um dos principais pontos gastronômicos de Belém.

"Estou muito feliz em poder mostrar um pouco mais da bioeconomia amazônica para todos que vierem ao restaurante. Tudo o que fazemos vem da terra, da floresta, dos nossos produtores. E agora, com essa parceria, conseguimos fomentar ainda mais essa cadeia sustentável", destacou Rafael Barros, CEO do Amazônia na Cuia.

Até a COP30, outras cinco máquinas estarão instaladas em pontos estratégicos da capital.

A ASSOBIO também vai lançar a "Vitrine ASSOBIO", um espaço itinerante de exposição e comercialização de produtos como gin de jambu, molhos de tucupi, granolas de tapioca, cosméticos naturais e biojoias.

Outro destaque é o projeto "Rota da Bioeconomia", que levará visitantes a conhecer de perto 11 empreendimentos – dez na Região Metropolitana de Belém e um na sede da ASSOBIO, no novo parque de bioeconomia.

Mesmo em meio a obras ainda em curso e alguns desafios logísticos e de infraestrutura, os negócios amazônicos estão otimistas. Dina Camano reforça que é esta "cultura viva" que Belém se prepara para apresentar ao mundo.

"Nós somos cultura, ancestralidade, pertencimento. Falar de Amazônia onde a força somos nós", concluiu.

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