ESG

Patrocínio:

espro_fa64bd

Parceiro institucional:

logo_pacto-global_100x50

Como polo de moda sustentável transforma economia da região mais pobre do país

Costureiras do Marajó unem tradição ancestral e empreendedorismo para gerar renda em região onde 14 dos 17 municípios têm os piores IDHs do Brasil

Iuri Santos aprendeu a costurar desde criança fazendo roupas para seus bonecos. Hoje, ao lado da mãe Gleice, integra o Polo de Moda do Marajó. (Marcio Nagano / Amazônia Vox)

Iuri Santos aprendeu a costurar desde criança fazendo roupas para seus bonecos. Hoje, ao lado da mãe Gleice, integra o Polo de Moda do Marajó. (Marcio Nagano / Amazônia Vox)

Amazônia Vox
Amazônia Vox

Parceiro de conteúdo

Publicado em 22 de outubro de 2025 às 16h19.

Última atualização em 22 de outubro de 2025 às 16h31.

Por Rafael Sobral com edição de Luciene Kaxinawá

O Marajó enfrenta um desafio urgente: 14 de seus 17 municípios estão entre as piores colocações do país no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

Para reverter esse cenário, o arquipélago precisa de iniciativas que transformem a potência criativa e cultural do território em oportunidades concretas. Uma dessas ações vem sendo costurada, fio a fio, no município de Soure: o Polo de Moda do Marajó.

O projeto foi criado a partir de um acordo de cooperação entre o Sebrae/PA, o governo do estado, prefeituras locais e outros parceiros, como Senar e Senai. 

O objetivo é desenvolver a produção de moda artesanal local, utilizando referências culturais da arte marajoara, além de fomentar a visão empreendedora nos produtores locais.

De viral nas redes a oportunidade de negócio

Durante a Cúpula da Amazônia, evento ocorrido em agosto de 2023, em Belém (PA), reunindo os presidentes dos países que compõem a Amazônia Legal, o governador do Pará, Helder Barbalho, usou uma camisa com bordados marajoaras que fez sucesso e chamou a atenção para a beleza e preciosismo da peça, principalmente nas redes sociais.

Após a foto viralizar, o governo tentou comprar novas peças em grande quantidade para presentear os chefes de Estado participantes do evento. Foi então que surgiu o problema: não havia camisas suficientes para pronta entrega.

"Como assim não tinha camisa marajoara para vender no Marajó? O pessoal ficou realmente intrigado e essa foi uma das razões que motivaram a criação do polo", relembra Jamilly Rodrigues, coordenadora da unidade do Sebrae em Soure.

Dessa necessidade veio a ideia de articular um projeto que fomentasse, estruturasse e desse subsídios para as costureiras e costureiros fortalecerem seus negócios e levarem a moda marajoara adiante.

"Depois disso vieram cursos de corte e costura, grafismo marajoara e empreendedorismo. Já realizamos diversas mostras e desfiles, entregamos 30 máquinas de costura novas e mapeamos os produtores. Hoje temos mais de 70 costureiras e costureiros inscritos no polo, trabalhando não só com a camisa tradicional, mas também com biojoias e quimonos", explica Renata Rodrigues.

Das sacas de açúcar aos ateliês

A camisa marajoara tradicional é confeccionada, geralmente, de algodão, com manga comprida e o galão, um tipo de fita decorativa feita à parte e depois costurada à roupa trazendo detalhes geométricos.

A costureira de Soure, Rosilda Angelim, conta que a tradição das camisas começou com as esposas dos vaqueiros do Marajó, que, até a década de 1970, utilizavam sacas de açúcar, feitas de algodão, para produzir camisas de manga comprida para seus maridos enfrentarem o sol intenso dos campos marajoaras.

Com o tempo, elas passaram a decorar as camisas com galões (uma espécie de fitilho) para deixá-las mais bonitas. Os fazendeiros, vendo as peças cada vez mais elaboradas, se apropriaram do estilo e passaram a usar também. Assim, a camisa do vaqueiro marajoara permanece até hoje como símbolo dessa cultura.

Dona Cruz, costureira mais antiga em atividade: sala de casa divide espaço com uma chocadeira elétrica recheada de ovos caipiras, que ela costuma dar de cortesia para as visitas.

Em Soure, Maria da Cruz Silva Gurjão, a dona Cruz, é reconhecida como a costureira mais antiga em atividade e quem mantém vivo o legado da produção dessas tradicionais camisas.

Com 77 anos recém-completados, ela mostra uma energia firme ao dividir seu tempo entre os pedais das máquinas e o cuidado com seus animais: as galinhas que convivem em perfeita harmonia em seu pequeno quintal com a Pantera, seu pitbull de estimação.

A sala de sua casa também serve de ateliê de costura, onde as máquinas - a antiga e a nova recebida pelo projeto do polo de moda - dividem espaço com uma chocadeira elétrica, recheada de ovos caipiras, que ela costuma dar de cortesia para as visitas.

"Todas essas aí já estão encomendadas, não tenho nenhuma para vender nesse momento", completa dona Cruz, apontando para as cerca de cinco camisas penduradas em um varal na sala. Para produzir uma camisa, ela leva cerca de uma semana, considerando o bordado do galão, costura da nervura e fixação na roupa.

Tradição de mãe para filha e filho

Foi vendo a mãe costurar para fora que Rosilda Angelim lembra de seus primeiros contatos com uma máquina de costura. "Lembro que ficava ali do lado dela, brincando com os retalhos de roupa. Aquele mundo era uma coisa meio mágica", diz.

Sua primeira máquina de costura veio aos nove anos de idade: uma caixa de tomate com um espinho de tucumã fazendo as vezes de agulha. "Eu ficava furando a caixa com o espinho, para fingir que era o barulho da agulha, eu gostava daquele barulho", relembra Rosilda.

Dona da marca Cañybó - termo apontado como uma das possíveis origens da palavra quilombola e que, para ela, significa "em busca de algo melhor" -, Rosilda nasceu no quilombo do Bairro Alto, em Salvaterra, onde passou os primeiros anos de vida. Aos cinco anos, mudou-se com a família para Soure, em busca de educação

Após anos trabalhando na área da educação, ficou sem emprego. Realizou então um curso de serigrafia e passou a criar suas primeiras peças de vestuário, que vendia para os amigos. Depois vieram as confecções de uniformes escolares até chegar às peças que carregam nas estampas e no propósito a valorização da cultura marajoara.

Ela conta que, no início, havia certa resistência de seu público em usar roupas com grafismos ou qualquer outra referência à cultura marajoara. Hoje ocorre justamente o contrário, uma procura cada vez maior por peças que tragam esses elementos.

A costureira Rosilda Angelim: "Trabalhar com moda marajoara, pesquisar e criar peças que carregam toda essa tradição é a minha alma. É a memória da gente, é parte de quem somos." (Marcio Nagano / Amazônia Vox)

A moda também é herança que passa de mãe para filho na família de Gleice Santos. Ao lado do filho Iuri, ela descobriu novas possibilidades a partir da valorização e customização de peças em crochê e outras técnicas, especialmente dos grafismos marajoaras em suas peças.

"Sempre trabalhei com crochê tradicional. Depois de entrar no polo e aprender sobre a arte marajoara, tive a ideia de incorporar os grafismos ancestrais nas minhas peças de crochê. Deu certo, mudou minha vida. Hoje meu filho também faz parte do projeto e seguimos mostrando que é possível ter renda a partir da nossa arte", comenta Gleice.

O filho de Gleice, Iuri, segue os passos da mãe e conta que desde cedo já arriscava as primeiras costuras. "Lembro que eu fazia as roupas dos meus bonecos desde novinho", conta.

"Depois continuei acompanhando e ajudando a minha mãe. Dentro das capacitações que a gente teve, pude desenvolver mais minhas habilidades e aperfeiçoar um olhar mais forte para essa área e entender que temos que nos apropriar da nossa identidade marajoara, para não vir alguém de fora e se apropriar do nosso lugar", completa Iuri.

Grafismos conectam passado, presente e futuro

Se hoje há um grande movimento de fortalecimento e valorização da arte marajoara, muito se deve aos achados arqueológicos dos povos originários que habitaram o território há centenas de anos. Graças a essas descobertas, sobretudo das cerâmicas, foi possível entender um pouco melhor como viviam os indígenas que ocuparam a região em fases distintas.

Desses achados, como vasos, vasilhas, cacos e outros resquícios, foram extraídos os famosos grafismos marajoaras, legado que se mantém vivo por meio da arte e do trabalho como o das costureiras e dos artesãos ceramistas que carregam no ofício essa sabedoria ancestral.

Uma dessas iniciativas é o Ateliê Arte Mangue Marajó, um coletivo de 22 artistas e ceramistas que há mais de 20 anos atua na formação, salvaguarda e difusão da cerâmica e da cultura marajoara.

Cilene Andrade e Ronaldo Guedes, fundadores do Ateliê Arte Mangue-Marajó, coletivo de 22 artistas e ceramistas. (Marcio Nagano / Amazônia Vox)

"O trabalho que desenvolvemos no ateliê já gerou impactos muito grandes. Vai desde a formação de jovens ceramistas até a retomada da cerâmica e dos grafismos, e a discussão sobre a importância de conhecer e se reconhecer nessa história de ocupação humana no Marajó. É entender que está tudo conectado", explica Cilene Andrade, ceramista e fundadora do Arte Mangue Marajó.

Já para o artista Ronaldo Guedes, marido de Cilene e também fundador do ateliê, é preciso enxergar esse legado como uma vocação natural da região, para fazer com que esse cenário ganhe força e contribua positivamente para a região e as pessoas que vivem no território.

"Pisamos em um território de muita ancestralidade, com ocupação humana datada em mais de 3.400 anos. Quando pensamos a Amazônia e suas alternativas econômicas, a produção da cerâmica pode ser um modelo a ser seguido, pois traz saberes, respeito com a natureza e essa memória coletiva que nos conecta à nossa história", explica Guedes.

Acompanhe tudo sobre:ModaEconomia CircularParáEmpreendedorismo

Mais de ESG

Esta startup quer ser o ‘iFood das favelas’ e gerar renda em Heliópolis

Análise: Por que o timing da exploração na Margem Equatorial a 20 dias da COP30 não é coincidência?

A corrida da reciclagem: como gigantes de embalagens transformam resíduo em negócio

Banco Mundial é confirmado como administrador do Fundo Florestas Tropicais