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André Corrêa do Lago, presidente da COP30: embaixador conseguiu evitar colapso das negociações, mas às custas de um acordo contestado (Rogério Cassimiro/MMA)
Editora ESG
Publicado em 22 de novembro de 2025 às 18h41.
Marcada para meio-dia deste sábado, 22, a plenária de encerramento da COP30 começou com quase duas horas de atraso.
Pistas sobre as razões da demora logo ficariam claras: o que deveria ser uma sessão protocolar de aprovação descambou para o caos, com objeções formais, acusações de atropelo procedimental e uma suspensão forçada que expôs as fraturas do consenso construído com muito empenho pela gestão brasileira da conferência.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, tentou aprovar o acordo final após uma intensa maratona de negociações noturnas.
Seu martelo bateu rapidamente sobre uma série de pontos cruciais do chamado texto da "Decisão Mutirão", documento que sequer havia sido divulgado quando a plenária foi convocada.
Cada item do rascunho foi detalhado em sequência pelo diplomata, numa tentativa de aprovar o pacote de uma só vez. Contudo, ao abrir o microfone para as delegações, veio uma sucessão de objeções formais.
União Europeia, Colômbia, Panamá, Suíça, Chile e Uruguai recusaram-se a aceitar os textos, acusando a presidência brasileira de aprovar os documentos sem dar espaço para debate e sem reconhecer seus pedidos de manifestação.
Diante da pressão crescente, Corrêa do Lago foi forçado a suspender a sessão e entrar em consultas fechadas. A COP30 então parecia estar em impasse indefinido.
Apesar das turbulências e da insatisfação generalizada, o texto apresentado pela presidência brasileira conseguiu, ao menos no papel, produzir alguns avanços. O que, em tempos de polarização geopolítica crescente, já pode ser considerado uma vitória da cooperação multilateral.
Entre os compromissos incluídos no rascunho estava a decisão de triplicar o financiamento para adaptação climática até 2035. A meta de aproximadamente US$ 120 bilhões anuais, porém, foi adiada em cinco anos - atraso que países vulneráveis consideram inadmissível diante da urgência da crise climática.
A ausência mais gritante, contudo, permaneceu. Os combustíveis fósseis seguiam ausentes da decisão final, depois que petroestados liderados pela Arábia Saudita conseguiram bloquear qualquer linguagem sobre transição energética no texto formal.
O compromisso com um roteiro para abandonar petróleo, gás e carvão tampouco integrou o acordo oficial da ONU. Em resposta, o Brasil anunciou apoio a uma iniciativa paralela - fora do processo multilateral - baseada em plano defendido pela Colômbia e cerca de 90 outras nações.
Estratégia similar foi adotada para o desmatamento. Apesar de a COP30 ter sido deliberadamente sediada na Amazônia, medidas concretas sobre florestas ficaram de fora do texto principal.
O Brasil compensou lançando o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, outro mecanismo paralelo ao sistema da ONU, voltado a remunerar países que mantenham suas árvores em pé. E uma das grandes apostas de legado do país.
Por outro lado, um dos avanços celebrados pela sociedade civil foi a criação do Mecanismo de Transição Justa, acordo que estabelece diretrizes para garantir que a economia verde global não deixe trabalhadores, mulheres e povos indígenas para trás.
As tentativas de vincular financiamento direto ao mecanismo, porém, fracassaram. Quanto à lacuna entre as metas climáticas prometidas e o necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C, a resposta veio em formato diluído: um programa "acelerador" cujo relatório será apresentado apenas na COP31, no próximo ano - bem abaixo do que nações progressistas reivindicavam.
As reações mais calorosas da plenária não foram para o texto apresentado, mas para as promessas feitas por Corrêa do Lago sobre iniciativas paralelas.
O embaixador afirmou que levará adiante, durante o ano da presidência brasileira, dois planos voluntários fora do processo formal das Nações Unidas: um roteiro para travar e reverter o desmatamento e outro para promover a transição energética.
"Os jovens e a sociedade civil vão exigir que façamos mais para combater as mudanças climáticas. Tentarei não vos desapontar durante a minha presidência", declarou, sob muitos aplausos.
"Criarei dois planos: um para travar e reverter o desmatamento e outro para fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e equitativa."
A iniciativa voluntária, embora não vinculante, terá projeção global ampliada sob a presidência brasileira. Mas o fato de depender de adesão espontânea, e não de compromissos formais na UNFCCC, limita drasticamente seu poder de enforcement.
Quando delegados começaram a erguer suas bandeiras para pedir a palavra, Corrêa do Lago inicialmente tentou contornar as manifestações dizendo que as observações seriam incluídas no relatório final. Conforme a lista de objeções crescia, porém, a estratégia se tornou insustentável.
"Lamento não ter visto as bandeiras", admitiu o embaixador, diante da pressão crescente.
A insatisfação não se limitava à ausência dos combustíveis fósseis. Reclamações sobre adaptação também dominaram as manifestações. O tema que deveria ter sido a prioridade da "COP da Adaptação" acabou com metas adiadas e linguagem enfraquecida sobre obrigações financeiras.
A suspeita é que o financiamento para adaptação tenha sido usado como moeda de troca pela União Europeia para destravar seu posicionamento sobre combustíveis fósseis. O que explicaria tanto a ausência de linguagem sobre transição energética quanto o esvaziamento dos compromissos com adaptação.
A reação mais contundente veio da Colômbia, que ao longo de toda a COP30 pressionou por uma transição mais ambiciosa para longe dos combustíveis fósseis.
O país formalizou múltiplas objeções, incluindo uma considerada "potencialmente explosiva" ao Programa de Trabalho de Mitigação. A delegação colombiana manifestou frustração com o fato de que linguagem previamente acordada por consenso estava agora sendo vetada.
"Queríamos avançar com base na ciência com os povos indígenas, com os camponeses e com os pequenos agricultores, mas sentimos que não podemos", declarou o representante do país.
A Colômbia condicionou sua aprovação à inclusão de linguagem sobre combustíveis fósseis na decisão do MWP, afirmando que seria "inevitável fazer objeção" caso o texto permanecesse como apresentado. "Deveria ter sido a COP da Adaptação, mas o desfecho está longe", afirmou a representante da delegação colombiana.
Outros países latino-americanos também se manifestaram com críticas severas. O Chile reclamou que os procedimentos acordados na Convenção para guiar as negociações não foram cumpridos e pediu registro formal em ata.
O Panamá foi ainda mais incisivo: classificou o processo como "extremamente desapontador" e "não transparente", afirmou ter sido ignorado durante as negociações e declarou que o resultado do GGA (Global Goal on Adaptation) "nos levará para trás, não para frente".
O país rejeitou especificamente o parágrafo 8, que, segundo a delegação panamenha, não gera obrigações financeiras concretas. O Uruguai reforçou as críticas do Panamá, enquanto a Suíça e a União Europeia somaram-se ao coro de objeções.
Plenária da COP30: delegados ergueram bandeiras para protestar contra aprovação sem debate, mas textos foram mantidos sem alterações (Rogério Cassimiro/MMA)
Pouco menos de uma hora após a interrupção, a presidência da COP30 retomou a plenária. André Corrêa do Lago anunciou que, após "extensas consultas", as decisões aprovadas no início da noite foram adotadas.
A decisão foi de manter os textos como estavam, mesmo diante das contestações - o que marca um desfecho incomum para uma COP e expõe as limitações da diplomacia climática brasileira e do modelo de consenso.
"Lamento profundamente não ter sido informada dos pedidos das Partes para que eu tomasse a palavra", disse Corrêa do Lago, reiterou no mea culpa público. "Como muitos de vocês, não tenho dormido e provavelmente isso não ajudou - além da minha idade avançada."
Simon Stiell, Secretário Executivo da ONU para as Mudanças Climáticas, divulgou mais tarde uma declaração por escrito refletindo sobre o resultado das negociações com tom otimista, contrastando com as críticas de diversos países ao processo.
"Sabíamos que esta COP ocorreria em meio a águas políticas turbulentas. A negação, a divisão e a geopolítica desferiram duros golpes na cooperação internacional este ano", escreveu Stiell.
O secretário reconheceu as dificuldades: "Não estou dizendo que estamos vencendo a luta climática, mas inegavelmente ainda estamos nela e estamos reagindo."
"Mas, amigos, a COP30 mostrou que a cooperação climática está viva e forte, mantendo a humanidade na luta por um planeta habitável, com a firme determinação de manter o limite de 1,5°C ao nosso alcance."
Numa clara referência aos Estados Unidos - depois de o presidente Trump ter retirado o país do Acordo de Paris e não ter enviado uma delegação à cúpula - Stiell destacou a resiliência do multilateralismo climático:
"Este ano, muita atenção se concentrou no recuo de um país. Mas, em meio às fortes turbulências políticas, 194 países se mantiveram firmes em solidariedade - inabaláveis em seu apoio à cooperação climática. 194 países, representando bilhões de pessoas, declararam em uma só voz que 'o Acordo de Paris está funcionando' e se comprometeram a fazê-lo avançar ainda mais e mais rapidamente.", declarou.
O secretário executivo enfatizou ainda: "Pela primeira vez, 194 nações disseram em uníssono: '...a transição global para baixas emissões de gases de efeito estufa e resiliência climática é irreversível e a tendência do futuro.' Este é um sinal político e de mercado que não pode ser ignorado."
A COP30 evitou o colapso das negociações, mas fez apenas pequenos progressos rumo a um mundo livre da queima de combustíveis fósseis que liberam gases de efeito estufa.
O Brasil conseguiu conduzir a conferência até um desfecho - evitando o cenário catastrófico de uma COP sem acordo. Mas o fez às custas de manter textos contestados, ignorar procedimentos e relegar temas cruciais como combustíveis fósseis e desmatamento a iniciativas voluntárias fora do sistema da ONU.
É justo dizer que o desfecho de Belém não é excepcional. Reflete um padrão que vem se consolidando nas cúpulas climáticas recentes, com acordos celebrados por uns, contestados por outros, e a sensação persistente de que a urgência da crise climática segue descompassada do ritmo das decisões multilaterais.
Formalmente, a conferência produziu um acordo e manteve viva a cooperação multilateral. Na prática, porém, objeções formais de países latino-americanos e europeus comprometem sua legitimidade.
A presidência brasileira apostou em iniciativas paralelas para compensar as lacunas do acordo formal - uma estratégia que pode ampliar o alcance de certas agendas, mas que também fragmenta o multilateralismo climático e enfraquece o peso político das decisões tomadas no âmbito da UNFCCC.
Resta saber se as promessas de Corrêa do Lago de liderar planos voluntários sobre desmatamento e transição energética ao longo de 2026 serão suficientes para compensar o que ficou de fora do acordo de Belém.
E se a legitimidade contestada deste desfecho comprometerá a capacidade do Brasil de mobilizar apoio para suas iniciativas nos próximos meses.