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Ilona Szabó, presidente do Igarapé: "O crime ambiental não existia na agenda de ação da COP, batalhamos muito para que entrasse e não podia ficar de fora, ponto" (Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 8 de novembro de 2025 às 08h00.
Última atualização em 8 de novembro de 2025 às 09h08.
"Se a gente não jogar luz à questão da segurança do crime organizado, isso é um verdadeiro empecilho para o desenvolvimento do Brasil", disse à EXAME Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, e alerta: o não combate trava investimentos bilionários em economia verde.
Os números comprovam: mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa nacionais vêm do crime ambiental impulsionado por atividades ilícitas como desmatamento, extração clandestina de ouro e madeira e grilagem de terras.
Pela primeira vez, a pauta entra na agenda de ação da COP30, revelou a presidente em primeira mão à EXAME.
O Igarapé articulou com o governo federal um plano de aceleração que reúne IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, INPE, Polícia Federal e Itamaraty para sistematizar e internacionalizar as ações brasileiras de combate ao crime ambiental.
"Isso não existia, batalhamos muito para que entrasse -- não podia ficar de fora e ponto. Ignorar o tema custa caro ao país", destacou Ilona.
Como maior ambição, o instituto agora mira um mapa do caminho global para desmatamento zero nas negociações oficiais em Belém.
"Isso foi incluído como algo voluntário na COP de Glasgow, ganhou uma menção consensual no Egito mas ainda não há um mapa do caminho formal", explicou Ilona. A presidente lembrou que o Brasil é um dos poucos países que incorpora o desmatamento zero em sua meta climática ou Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).
"Muitos outros países não têm nem a capacidade de mensurar essa perda florestal", frisou. Portanto, ela acredita que há uma legitimidade única para liderar essa agenda.
A proposta é transformar o compromisso voluntário assumido em Glasgow em um roteiro com metas, prazos e mecanismos de monitoramento que todos os países signatários precisariam seguir — similar ao que aconteceu com o Acordo de Paris para reduzir as emissões e limitar a temperatura a 1.5ºC de aquecimento.
Em relação às expectativas para a grande conferência climática, Ilona reconhece que o momento político global é desafiador, mas vê espaço para a presidência brasileira avançar onde há consenso e diz já estar "feliz" com a inclusão do crime ambiental na agenda.
"Estamos torcendo para que seja possível ter uma menção também na Cúpula de Líderes, mas eu quero mais. Eu quero que vá para negociação. Isso de fato é um legado possível", destacou.
Para a presidente, há um contexto de ambição difícil: o conjunto de quase 70 NDCs já entregues coloca o mundo em uma posição bastante distante da meta de 1,5°C.
"Nessa emergência, se não é uma coisa ou outra, vamos empurrar tudo. Precisamos e vamos avançar onde tem consenso", complementou.
Para enfrentar o crime ambiental, o Igarapé lançou ás vésperas da COP a "plataforma gratuita KITE", que analisa riscos territoriais em todos os municípios brasileiros para orientar investimentos em bioeconomia, restauração florestal e projetos de economia verde.
"A pergunta que queremos responder é: como transformar esses ecossistemas de economias ilícitas, de crimes ambientais em ecossistemas de empreendimentos sustentáveis?", refletiu Ilona.
A ferramenta cruza seis camadas de dados — clima e natureza, uso da terra, tecido social, contexto econômico, governança institucional e segurança — para mapear oportunidades e riscos em cada localidade.
"Nenhum município vai ser perfeito. Dependendo de quais são as condições que o projeto precisa para ser bem-sucedido, será possível olhar cada camada e fazer tomadas de decisão muito mais certeiras", explicou a executiva.
O diferencial da KITE em relação a outras plataformas de risco é justamente incluir a dimensão da segurança e do crime organizado na análise.
"É sobre olhar para todas essas categorias de natureza, regulação fundiária, questão social e econômica e trazê-las juntas com uma visão de institucionalidade e segurança", contou Ilona.
A proposta não é afastar investimentos, mas orientá-los. Isto porque, segundo a presidente, ter um alto risco não significa que o local tem baixa oportunidade.
A apresentação oficial será no dia 13 de novembro, em um evento conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), parceiro na iniciativa batizada de "De-Risking"."Um município muito desmatado que quer se regularizar, pode restaurar. A questão é ajudar para que cada empreendedor e investidor identifique e faça sua análise de qual nível de risco quer tomar", ressaltou.
O trabalho do Igarapé com crime ambiental começou em 2017, quando a organização passou a estudar o impacto da insegurança na aceleração das mudanças climáticas no âmbito do Conselho de Segurança da ONU.
Ao investigar o que estava destruindo a floresta amazônica, o Instituto descobriu uma dinâmica diferente dos crimes transnacionais tradicionais, como tráfico de drogas e armas.
"É bem diferente porque essas economias são potencialmente também legais. O ouro, a madeira, a terra, não são ativos ilegais", explica Ilona. Logo, o problema está em como esses produtos e o dinheiro são lavados em mercados formais.
O Igarapé passou então a atuar com instituições públicas para que compreendessem "como essas economias, não só o dinheiro, mas os produtos eram lavados".
"O crime é um ecossistema de cooperação. Se não tivermos empreendedores, investidores e gestores públicos também alinhados na causa, não conseguimos enfrentar o problema", disse a presidente.
O Brasil registrou 41.203 crimes ambientais em 2023 e 2024, segundo relatório da Rede de Observatórios de Segurança.
No último ano, mais de 1,7 milhão de hectares da Amazônia foram desmatados na região, grande parte impulsionada por atividades ilícitas como extração ilegal de madeira, garimpo e grilagem de terras. Além disso, foram registrados 393 casos de violência contra defensores ambientais no país, com comunidades indígenas e afrodescendentes sendo desproporcionalmente afetadas.
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Ainda assim, o tema ficou ausente das negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e do Global Stocktake.
Só a partir da COP28, em Dubai, entrou timidamente na agenda climática global, impulsionado por sociedade civil e organismos internacionais. Em 2024, passou a ser tratado na Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC) por meio de resolução liderada por Brasil, Peru e França.
Agora, o Igarapé comemora a entrada formal na agenda de ação da COP30 e aposta em um "ganha-ganha" para todos: o Brasil, os empreendedores, as comunidades locais e as metas climáticas globais.