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Dines Msampha, do Malawi: "Nunca tinha visto mulheres engenheiras solares. E nunca pensei que uma mulher como eu poderia ser uma delas". (VSO International/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 10 de maio de 2025 às 14h46.
Última atualização em 10 de maio de 2025 às 16h02.
Em comunidades rurais da África, onde a eletricidade ainda é um privilégio para poucos, um grupo de mulheres tem liderado uma transformação social e econômica sem precedentes.
Conhecidas como "Solar Mamas", estas engenheiras solares sem educação formal estão iluminando vilas e aldeias, enquanto rompem barreiras culturais profundamente enraizadas em suas sociedades.
Dines Msampha, 42 anos, mãe solteira do Malawi, onde cerca de 86% da população não tem acesso à eletricidade, é uma delas.
Abandonada pelo marido quando seu último filho ainda era um bebê, viu sua renda mensal mais que dobrar após ser treinada como Solar Mama.Em um depoimento no site do programa, Dines relatou que, quando criança, sonhava em ser médica ou contadora, mas as limitações financeiras impediram sua educação formal.
"Eu nunca tinha saído do Malawi antes. A distância mais longa que já tinha viajado era cerca de 190 km de Lilongwe", contou, sobre sua trajetória após ser selecionada.
"Fiquei animada para fazer o curso porque nunca tinha visto mulheres engenheiras solares. E entusiasmada em pensar que uma mulher como eu poderia ser engenheira"
O impacto em sua vida foi imediato. Além de receber, à época, um salário mensal de 10 mil kwacha (aproximadamente R$ 65) pela manutenção dos sistemas solares que instalou na comunidade, ela pôde expandir seu negócio de fabricação de donuts - trabalhando após o pôr do sol graças à iluminação solar.
A nova situação econômica permitiu ainda, que ela pagasse as mensalidades escolares de seus dois filhos mais velhos, algo inimaginável antes do programa.
O programa Solar Mama nasceu na Índia em meados de 1997, proposto pelo ativista social e educador Bunker Roy. Desde então, expandiu-se para 93 países, incluindo o próprio Malawi, Quênia, Tanzânia e outros países africanos.
O processo de seleção é rigoroso e focado em mulheres que normalmente seriam excluídas de oportunidades educacionais e profissionais.
As candidatas geralmente têm 35 anos ou mais, e são avaliadas pela liderança natural em suas comunidades e demonstrem forte comprometimento com o desenvolvimento local, ainda que possuam baixo nível de educação formal.
A partir de então, elas recebem um treinamento que pode durar de três a seis meses, dependendo da localidade.
Em Zanzibar, por exemplo, as participantes passam por três meses de formação intensiva na unidade do Barefoot College em Kinyasini, com hospedagem incluída. No caso de Dines e outras mulheres do Malawi, a capacitação ocorreu na Índia, na sede do Barefoot College.
Durante o curso, as mulheres aprendem a construir placas de circuíto, fazer fiação elétrica de lâmpadas solares, montar lanternas solares e realizar manutenção de sistemas solares domésticos.
Tudo feito manualmente, para ser possível nas comunidades humildes para o qual elas retornam ao fim do treinamento.
Após completarem o programa, as Solar Mamas recebem kits solares dos governos locais ou organizações como a Voluntary Service Overseas (VSO).
Em Zanzibar, cada engenheira recebe 25 kits para instalação em residências de suas aldeias, incluindo suas próprias casas. E depois, cobram uma taxa mensal de manutenção (aproximadamente R$13 em Zanzibar) por cinco anos, criando assim um fluxo de renda sustentável.
Os resultados do programa revelam um alcance significativo e mensurável, para além da mobilidade social que proporciona para as famílias.
No Malawi e outros países africanos, as Solar Mamas já instalaram sistemas solares em centenas de residências rurais, transformando toda a realidade energética dessas comunidades.
Em Zanzibar, desde 2015, o Barefoot College treinou 65 mulheres em engenharia solar, que por sua vez conectaram 1.858 casas em 29 aldeias à energia elétrica, conforme relatórios de impacto.
Foi por meio de uma atuação colaborativa que o programa se expandiu por variados territórios africanos. Em Madagascar, nasceu da cooperação entre o WWF Madagascar e o Barefoot College International.
Iniciada em 2012, a parceria tinha duplo objetivo: enfrentar a grave crise de acesso à energia no país, preservando porém os frágeis ecossistemas, particularmente na paisagem de Manambolo Tsiribihina, que abriga os maiores manguezais intactos do oeste da ilha.
Foi assim que em Ambakivao, Madagascar, quatro mulheres conhecidas localmente como "avós solares" — Remeza, Kingeline, Yollande e Hanitra — trouxeram tecnologia solar para uma comunidade que, como tantas outras, dependia de lampiões a petróleo, com seus custosos impactos na saúde e no ambiente.
"Sempre usávamos lâmpadas cheias de petróleo, cuja fumaça adoecia nossas crianças e poluía o ar", relatou Hanitra ao WWF. "Com essa tecnologia solar, humanos se sentem bem, e a natureza também."
No arquipélago de Zanzibar, na Tanzânia, a história se repetiu com suas próprias nuances locais. Com apenas metade dos quase dois milhões de habitantes tendo acesso à eletricidade, o programa treinou 65 mulheres desde 2015, que conectaram 1.858 casas em 29 aldeias à energia solar.
A organização Barefoot College Zanzibar se estabeleceu como um centro regional que também treina mulheres do Malawi e da Somalilândia.
O sucesso dos projetos piloto de Solar Mamas tem atraído a atenção governamental, impulsionando políticas públicas em escala nacional.
Em Madagascar, chamou a atenção do Ministério de Energia e da pasta responsável pela população, que juntos lançaram o Programa Nacional do Barefoot College. A meta? Capacitar 744 engenheiras solares até 2030, beneficiando 630.000 domicílios em todo o país.
Desde 2019, um centro de treinamento operado pelo Barefoot local foi estabelecido em Tsiafajavona. E já formou mais de 90 engenheiras solares de 29 aldeias, proporcionando acesso à eletricidade para mais de 2.000 residências.
Em Madagascar, o currículo ainda foi ampliado. Para além da engenharia solar, incluiu capacitação em inclusão financeira, empreendedorismo e habilidades para a vida através do programa Enriche do Barefoot College.
Duas das primeiras formadas, as Solar Mamas Yollande e Hanitra, agora atuam como instrutoras principais no centro de treinamento de Tsiafajavona, supervisionando regularmente a formação de novas turmas.
Um modelo de capacitação entre pares, onde ex-alunas se tornam educadoras, garantindo a sustentabilidade do programa e fortalecendo o senso de propriedade local da iniciativa.
Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Tecnológica de Chalmers, na Suécia, demonstraram que o programa promove transformações nas normas sociais. Conforme apontaram em uma das análises:
"Em comunidades onde as mulheres tradicionalmente são vistas apenas como cuidadoras, as Solar Mamas são vistas como profissionais respeitadas e um modelo para as gerações mais jovens"
Os estudos explicam que as mulheres passam a ser consideradas "por suas capacidades como indivíduos conhecedores e competentes", quebrando estigmas e rompendo com barreiras sociais, ao mostrar que pessoas sem educação formal podem se tornar especialistas.
O impacto econômico nas comunidades também é relevante. No Malawi, Elinati Pattison, 48 anos, pôde dobrar a renda como costureira pela possibilidade de trabalhar após o pôr do sol. Enquanto Lines Nguluwe, outra moradora local, iniciou um negócio de carregamento de celulares em sua casa, além de fabricar donuts antes do amanhecer.
Graças ao Solar Mama, os filhos de Dines Msampha puderam frequentas a escola e fazer os deveres após o por do sol, graças à iluminação solar. (VSO International/Divulgação)
No Quênia, após receber treinamento, a Huruma Asili Women's Group, cooperativa feminina local reconhecida pelas iniciativas para adaptação às mudanças climáticas, submeteu ao Agriculture Sector Development Support Programme, uma proposta para um secador solar modificado.
O equipamento, que utiliza energia solar passiva para criar um ambiente controlado que mantém temperaturas ideais e proteção contra elementos nocivos externos.
Permite assim, a desidratação de frutas e vegetais independentemente das oscilações climáticas - o que permitiu ao grupo vender maiores quantidades de frutas e vegetais secos nos mercados locais.
Apesar do sucesso, o programa enfrenta agora desafios significativos, sobretudo em países como o Malawi e Zanzibar, onde somente cerca de 10% da população tem acesso à eletricidade e a necessidade de expansão é urgente.
Embora o modelo tenha se tornado sutentável, replicável e escalável, a disponibilidade de componentes solares, o financiamento contínuo e a garantia de que os sistemas instalados permaneçam funcionais a longo prazo são preocupações constantes.
O fato de o financiamento ser proporcionado sobretudo por doações e subsídios governamentais cria ciclos de incerteza que comprometem o planejamento a longo prazo. Outro ponto crítico é a infraestrutura precária em regiões remotas.
A logística de transporte, armazenamento de componentes e manutenção de equipamentos solares é severamente comprometida pelas redes viárias deficientes e ausência de cadeias de suprimentos confiáveis, especialmente durante períodos de condições climáticas extremas que têm se intensificado com as mudanças climáticas.