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Da floresta ao cordão vermelho: o que a Amazônia me ensinou

Após 20 anos trabalhando na região amazônica sem contato com povos indígenas, um engenheiro florestal relata como foi receber honraria Paiter Suruí

Povo originário de Rondônia com 6 mil anos de história, os Paiter Suruí mantêm viva sua cultura através de quatro clãs.

Povo originário de Rondônia com 6 mil anos de história, os Paiter Suruí mantêm viva sua cultura através de quatro clãs.

Publicado em 12 de outubro de 2025 às 15h46.

Última atualização em 12 de outubro de 2025 às 22h49.

* Por Flavio Cremonesi

Somos pessoas comuns com histórias extraordinárias. A minha primeira viagem (a trabalho) para a Amazônia foi em 2005, em Belém (PA) e arredores. E, desde então, lá se vão 20 anos conectados com o Norte.

Dos 9 estados da Amazônia Legal, o único que ainda não estive é Roraima. Foram muitos deslocamentos intensos, desde navegar durante 30 dias no rio Solimões; cidades peculiares nos rincões do Brasil, como Afuá, na ilha de Marajó; rodovia BR 317, de Rio Branco (AC) para Boca do Acre (AM), até voos em aviões minúsculos (monomotores) sobre a floresta, com pouso em pistas de terra e por aí vai.

Nessas décadas, nunca tive relação direta com os nossos povos originários. O manejo florestal e a certificação Forest Stewardship Council (FSC) me moldaram e, claro, também o combate diário ao desmatamento ilegal, ainda muito frequente na região.

Assim, por toda a história acumulada, fui convidado para contribuir no conteúdo e na organização para um filme documentário da Amazônia na TV Arte, uma televisão pública franco-alemã. Tal filme vai ser lançado em novembro.

Confesso que encarei como uma 'terapia' estar no filme. A proposta foi evidenciar os sinais vitais da Amazônia, através do descaso das "pessoas brancas" (no financiamento e no mercado), na extração ilegal da matéria-prima (madeira tropical e ouro), dos incêndios florestais e das secas dos rios.

No Brasil é o ano da COP 30 e, mais significativo ainda, da primeira edição na Amazônia. Inclusive, carrego uma reflexão sobre os grandes eventos climáticos: estamos realmente comprometidos com a conservação socioambiental ou documentando a nossa extinção?

Detalhe: a regularização fundiária é essencial na relação direta com a floresta em pé. Sem ela, valida-se o desmatamento ilegal e a violência no campo. No filme, a grilagem de terra vai ser destacada também, especialmente pela operação Greenwashing, liderada pela Polícia Federal.

Mas não darei spoiler. Em novembro, embarcaremos no documentário. E por ora, vamos aos bastidores do filme.

Pousei em Cuiabá (MT) e iniciei a viagem sozinho para Rondônia. A companhia foi a rodovia BR 070 (Cuiabá - Cáceres) e BR 174 (do MT até Cacoal). Na divisa MT/RO, há uma placa "Portal da Amazônia". Muito poderosa e mágica essa expressão.

Já na cidade rondoniense, encostei num posto de gasolina no final do dia. E pensei: "vou pedir para o Almir Suruí e dormir na Terra Indígena", que fica a uns 40 km de Cacoal. Enviei uma mensagem e falamos ao telefone. Autorizado e com a localização no GPS do celular.

No caminho, quase na entrada da Terra Indígena, um pôr do sol daqueles que brilham os olhos. A potência do arrebol já anunciava o que aconteceria nas próximas horas.

Pausa no relato e voltemos alguns meses. Os parágrafos vão fazer total sentido na junção deles. Fiz 49 anos no dia 22 de julho. Nessa data, houve uma mudança na minha essência, com catarses e liberações fundamentais.

Foi tão profundo que, do signo solar Câncer, voltei a ser Leão (a astrologia fica para um outro texto). A mensagem é que foi muito forte essa mudança de ignição na condução da vida.

Voltemos para a Terra Indígena. Na casa do Almir Narayamoga Suruí, conhecido também como Líder Maior, conversamos sobre o filme documentário que gravaríamos nos próximos dias. Junto com sua filha Txai Suruí e Neidinha Suruí, mãe da Txai, eles seriam os protagonistas dessa película.

A noite adentrava numa conversa deliciosa, sincera e genuína na varanda da casa. Almir deu uma aula sobre ancestralidade e respeito da etnia Paiter Suruí, dos 4 clãs - Gameb, Gamir, Kabã e Makor -, da religião totalmente conectada com a natureza e sem aquela "fé" do dízimo das pessoas brancas, e de uma cultura que habita o território há 6 mil anos.

Emocionante! Fizemos então uma pausa na conversa para caminhar pela aldeia e passar na casa do seu irmão mais velho, o Agamenon Gamasakaka Suruí. Fomos até a maloca e os dois falavam na língua Tupi Mundé. Não entendia nada.

Retornamos à varanda. Almir entrou na casa e trouxe nas mãos o cordão vermelho Paiter Suruí. Observei em silêncio. Agamenon chegou. Foi então que senti: a rotação do planeta Terra pulsava no meu peito.

Recebi o cordão vermelho das mãos do irmão mais velho e meu novo amigo, Almir Suruí, teceu as palavras entre as nossas línguas. Fui batizado com um nome Paiter: Oypaséner, que significa líder herói. A maior honraria que uma pessoa pode receber das mãos e do espírito Paiter Suruí é o cordão vermelho.

Como falou Neidinha Suruí: as almas de vocês conectaram. Pois o líder maior não faz tal honraria aleatoriamente. Os povos da Amazônia me agraciaram nessas duas décadas de relação direta.

Ironia do destino: nunca havia me relacionado com uma etnia indígena e, num ano de mudança essencial, carregar na alma o cordão vermelho Paiter Suruí é poderoso! Esse momento vai seguir na minha mente para toda a minha vida.

Paiter significa Gente de Verdade. Somos gente de verdade. Espero por muito mais gente de verdade no mundo! E que nós possamos aprender de verdade e se inspirar em nossos povos originários.

Viva a etnia Paiter Suruí. E deixo uma pergunta: será que o Brasil nunca viu Pindorama?

* Flavio Levin Cremonesi é engenheiro florestal especializado em manejo florestal na Amazônia e recuperação de área degradada na Mata Atlântica. Também é apresentador do filme “Do Atlântico ao Pacífico” no canal off/Globosat.

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