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COP30, em Belém: os principais itens da agenda de negociação foram encaminhados para a segunda semana com textos de rascunho ou notas informais, mas sem consenso
Repórter de ESG
Publicado em 16 de novembro de 2025 às 08h01.
A primeira semana da COP30 em Belém encerrou com um saldo de avanços e inovações diplomáticas, mas como de praxe as decisões mais complexas ficarão para a reta final, que se inicia nos próximos dias.
"Há muito em jogo para permitir que as práticas travadas barrem o nosso progresso", disse o embaixador André Corrêa do Lago em plenária no final deste sábado, 15, reforçando que a presidência brasileira trabalhará para acelerar o processo de negociação e convocar um “mutirão” ao nível ministerial de chefes de delegação.
Segundo o diplomata, seguem sendo realizadas consultas em uma “nota para servir de base para conversas futuras” com os países-membros. O documento que compilará essas consultas ficará público no domingo, 16, afirmou Corrêa do Lago.
Com delegações de quase 200 países e participação massiva nos espaços abertos de Belém, a conferência do clima da ONU se consolida como uma das maiores já realizadas e a primeira a levar a Amazônia para o centro do debate climático e bater um recorde de participação indígena.
"As negociações entre representantes governamentais são apenas uma parte da COP", ponderou à EXAME Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e arquiteta do Acordo de Paris.
"A outra parte tem a ver com todas as evidências de que estamos progredindo: as soluções de empresas, governos subnacionais, provedores de tecnologia, tanto como stakeholders diferentes mostrando o que fizeram e o que continuarão a fazer", afirmou.
A visão da economista costa-riquenha contextualizam uma COP que iniciou teve mais desafios do que avanços concretos dentro das salas de negociação da área restrita conhecida como Blue Zone.
"Foi uma semana difícil do ponto de vista dos itens negociados. Eu gostaria de ter visto mais compromisso, mais convergência", avaliou à EXAME Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. "Infelizmente não foi esse o caso da agenda de adaptação, que não andou do jeito que a gente gostaria."
Mas ela mantém o otimismo cauteloso e ressaltou que do ponto de vista macro e político a semana também foi marcada por bons andamentos.
"Não acho que as coisas estão perdidas. Vai ser mais desafiador agora, porque não entregaram algo fácil, vai ter muita escultura ali. Mas estou positiva", complementou.
Unterstell também lembrou que em outras COPs usualmente no primeiro dia já houve uma decisão. Na COP29 em Baku, no Azerbaijão, foi a aprovação do mercado de carbono global.
"Mas está tudo bem, é normal ser assim. Não tem script que nos obriga a ter", disse.
Entre os temas em discussão nesta semana, o Objetivo Global de Adaptação (GGA) se tornou o ponto de maior tensão. A expectativa era definir até 100 indicadores para monitorar a adaptação climática nos países, mas as partes ainda divergem sobre sua utilização.
"O GGA nunca decepciona: sempre promete bastante conflito. E cumpre", comenta Gaia Hasse, consultora em política internacional climática da LACLIMA em briefing à imprensa.
A resistência vem principalmente de países menos desenvolvidos e africanos, que temem que os indicadores possam dificultar ainda mais seu acesso a recursos. No entanto, especialistas argumentam que o monitoramento é essencial justamente para demonstrar suas necessidades locais.
Para André Ferreti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, é muito importante para mostrar que alguns países estão com dificuldades para se adaptar justamente por falta de financiamento.
"Os indicadores são importantes não apenas para mostrar riscos, mas também para mostrar a necessidade de apoio. Indicadores baixos significam que eles precisam ser melhorados", explicou à EXAME.
A presidência brasileira da COP adotou uma estratégia considerada inovadora para evitar que temas controversos travassem o avanço da agenda.
Logo no início, quatro questões espinhosas foram retiradas das negociações formais e encaminhadas para consultas de alto nível em salas paralelas: mitigação, transparência, financiamento e medidas unilaterais de comércio.
"Em outras COPs, a adoção da agenda travou o trabalho por uma semana inteira", explicou Figueres. "Isso foi excelente e deu o tom."
À EXAME, André Castro Santos, diretor técnico da LACLIMA, destacou o caráter inovador das consultas iniciais antes de se chegar a qualquer consenso ou acordo final.
"É um mecanismo que nunca existiu no processo das COPs. A sociedade civil também pode participar. Funciona como uma negociação, mas quem preside é sempre um chefe da presidência brasileira." Para o especialista, a semana começou muito bem com a agenda adotada em tempo recorde.
"Os temas mais difíceis foram colocados em espaços diferentes para que não bloqueassem outros itens", contou.
A estratégia brasileira de colocar alguns pontos-chave em grupos de trabalho paralelos e também com forte foco na agenda de ação é visto com bons olhos também por Ferreti, veterano de mais de 20 COPs.
"A diplomacia brasileira tem essa habilidade, e esperamos que até o final da conferência isso se traduza em resultados mais efetivos e concretos", disse.
Outro tema central, o financiamento climático, também seguiu para a segunda semana sem definições.
A meta de alcançar US$ 1,3 trilhão para apoiar países em desenvolvimento permanece em discussão, com os países atualmente se comprometendo com cerca de US$ 500 bilhões.
"O importante é desenhar este caminho nesta COP, uma vez desenhado não tem volta", afirmou à EXAME o cientista Paulo Artaxo, membro do Conselho de Ciência sobre o Clima. "O US$ 1,3 trilhão não é um número mágico, se chegar a 1,1 tri não é um fracasso."
Já no tema de transição justa, Beatriz Matos, da Plataforma Cipó, relatou que o início das negociações foi produtivo em torno dos arranjos institucionais para facilitar a implementação no Sul Global. "O consenso foi que os outros dois temas ficassem para depois", explicou.
As discussões sobre medidas unilaterais de comércio, porém, geraram tensão e os especialistas disseram que os países em desenvolvimento falaram sobre o aprofundamento de pobreza, desigualdades, restrições comerciais.
"Sobre transição justa, estão conseguindo construir algumas pontes, estamos no caminho", complementou Unterstell, do Instituto Talanoa.
Entre os avanços concretos, está o Fundo para Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) que já conta com aproximadamente US$ 6 bilhões prometidos. A expectativa do governo brasileiro é atingir US$ 25 bilhões em recursos públicos e US$ 100 bilhões com recursos privados ao longo de um ano e meio.
"Esse é um marco muito importante, o lançamento e o aporte de recursos nessa primeira semana", celebrou Ferretti. Segundo o especialista, é inovador pois não se trata de filantropia e remunera quem preserva e ajuda para a resiliência climática global.
Um dos aspectos mais marcantes desta COP é sua conexão visceral com a Amazônia. "Um legado que já temos é toda essa contribuição para a população regional e local de vários insumos para essas discussões climáticas, para que eles se empoderem e tenham participação mais efetiva", disse Ferreti.
A Green Zone robusta, a Cúpula dos Povos, a Free Zone e dezenas de eventos espalhados por Belém criaram uma atmosfera de engajamento que vai além das salas de negociação.
"São obras e estruturas que foram construídas e que devem permanecer como legado", acrescentou o especialista.
Praticamente todos os principais itens da agenda de negociação foram encaminhados para a segunda semana com textos de rascunho ou notas informais, mas sem consenso: Objetivo Global de Adaptação, Planos Nacionais de Adaptação, Fundo de Adaptação, Balanço Global, Programa de Trabalho de Mitigação, Transição Justa e Perdas e Danos.
Segundo Túlio de Andrade, diretor estratégico da COP30, essa conferência é diferente por se tratar da primeira vez que o Acordo de Paris e o ciclo de políticas já foram estabelecidos.
"Esta é a COP que passamos da regulamentação para implementação. A resposta para as lacunas que temos é um conjunto que vai das negociações para a agenda de ação", disse Andrade.
Com a chegada dos ministros e chefes de Estado, as negociações devem ganhar contornos mais políticos.
Perguntado na noite de sábado, 15, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viria novamente à COP30 na próxima semana, o embaixador André Corrêa do Lago se limitou a dizer que "seria ótimo", sem confirmar sua vinda.
Christiana Figueres avalia que a segunda semana deve ser mais emocionante: "Nesta altura da COP, os negociadores estão trabalhando em suas áreas, tentando descobrir onde está o terreno comum".
O balanço final é de otimismo cauteloso. Como resume André Castro Santos, da LACLIMA: "Há sempre momentos difíceis antes de chegarmos a um acordo, mas acreditamos na diplomacia brasileira e na flexibilidade dos países. Vamos esperar o desfecho."