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Ministério do Meio Ambiente divulga retração de 50% no desmatamento em 37 anos de monitoramento. (Rogério Cassimiro/MMA)
Editora ESG
Publicado em 30 de outubro de 2025 às 20h05.
A Amazônia Legal registrou 5.796 km² de área devastada entre agosto de 2024 e julho de 2025, marcando o terceiro menor índice desde o início da série histórica do Prodes em 1988.
Os dados divulgados nesta quinta-feira, 30, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam retração de 11% frente ao ciclo anterior, posicionando o país em patamar semelhante ao observado há uma década.
O Cerrado acompanha a tendência, com 7.235 km² destruídos no período, 11,5% abaixo do ano anterior. Trata-se do menor valor para o bioma em cinco anos e da segunda retração consecutiva, revertendo trajetória ascendente observada entre 2019 e 2023.
A Amazônia Legal constitui uma área de planejamento estabelecida em 1953, abrangendo nove estados - Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e municípios maranhenses a oeste do meridiano 44°. O território totaliza 5,2 milhões de km², equivalentes a 61% da superfície nacional.
A demarcação vai além de limites biológicos. Enquanto o bioma amazônico ocupa 4,2 milhões de km² no território brasileiro, a Amazônia Legal incorpora 1 milhão de km² adicional de Cerrado e porções de Pantanal.
Essa configuração reflete critérios socioeconômicos na formulação de políticas territoriais, reconhecendo que pressões sobre a floresta originam-se também de áreas de transição e fronteira agrícola.
O Sistema Prodes utiliza essas fronteiras como perímetro de monitoramento desde 1988, viabilizando série histórica de 37 anos. O Código Florestal estabelece reserva legal de 80% para propriedades em áreas florestais da região, contra 35% no Cerrado.
O Fundo Amazônia, que mobilizou US$ 1,3 bilhão desde 2008, direciona recursos exclusivamente a projetos dentro do perímetro estabelecido.
O resultado consolida quatro anos consecutivos de queda e representa trunfo para o Brasil na COP30, conferência climática da ONU programada para 10 a 21 de novembro em Belém.
Na coletiva de anúncio dos dados, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reconheceu que os números superaram até as expectativas governamentais, destacando redução de 50% na Amazônia em comparação com 2022.
O acumulado do governo atual aponta contração de 50% na Amazônia Legal e 34,9% no Cerrado desde 2023. Apenas os ciclos 2011-2012 (4,6 mil km²) e 2013-2014 (5 mil km²) apresentaram taxas inferiores ao atual.
No ano em que Belém sedia pela primeira vez conferência climática global em região de floresta tropical, o país comprometeu-se a zerar a destruição até 2030, meta central de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).
A supressão vegetal responde por aproximadamente 44% das emissões brutas nacionais, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, configurando-se como principal vetor de poluição atmosférica do país.
Os números reforçam a estratégia brasileira em torno do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), mecanismo financeiro que estabelece remuneração direta a países pela contenção da destruição florestal.
Lançado oficialmente em setembro durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, o instrumento diferencia-se de estruturas tradicionais ao adotar lógica de investimento vinculado a resultados mensuráveis, substituindo formato baseado exclusivamente em doações.
O Brasil comprometeu aporte inicial de US$ 1 bilhão ao fundo, sendo até o momento o único país com recursos confirmados. A expectativa governamental concentra-se em anúncios de novos investidores durante a COP30, quando o mecanismo deve iniciar operações.
A proposta prevê mobilizar US$ 125 bilhões em capital total, com pagamentos de US$ 4 por hectare de floresta preservado mediante verificação por monitoramento satelital. O modelo estabelece meta de manter desmatamento abaixo de 0,5% ao ano como critério de elegibilidade para remuneração.
As bacias da Amazônia, do Congo e de Bornéu-Mekong - que concentram 80% das florestas tropicais remanescentes do planeta - configuram áreas prioritárias. O funcionamento prevê distribuição anual de dividendos entre investidores e países que cumprirem metas de preservação, articulando retorno financeiro com conservação ambiental.
Marina Silva caracterizou o fundo como instrumento catalisador capaz de mobilizar capital em escala sem precedentes e fortalecer cooperação internacional.
A arquitetura de governança prevê representação equilibrada entre países investidores e detentores de florestas tropicais, com participação de sociedade civil e especialistas para avaliação contínua.
Uma parcela significativa dos recursos será direcionada a povos indígenas e comunidades locais, reconhecendo seu protagonismo na conservação florestal. O fundo já conta com apoio dos países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, após aprovação obtida em reunião realizada em Bogotá.
A demonstração de resultados concretos na contenção da destruição florestal evidenciada pelos dados do Prodes serve como argumento central para atração de capital institucional e governamental, mas a viabilidade operacional depende de adesão internacional significativa nas próximas semanas.
A composição da devastação sofreu alteração significativa. Em 2022, apenas 7% da área destruída resultou de degradação progressiva, classificação que engloba queimadas.
Em 2025, essa proporção alcançou 38%, enquanto o corte raso respondeu por 62%. A participação relativa da degradação progressiva cresceu 443%, contrastando com queda de 33% em área absoluta de corte raso.
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, observou que desconsiderado o impacto do fogo, teria sido registrada a menor taxa de corte raso da história.
Marina Silva contextualizou o fenômeno ao afirmar que a criminalidade estabelece aliança perversa com mudanças climáticas, utilizando condições ambientais adversas como ferramenta para destruir a floresta.
A transformação reflete intensificação de eventos climáticos extremos - secas prolongadas que tornam a vegetação mais vulnerável ao fogo - combinada com uso intencional de queimadas como estratégia.
O fenômeno representa desafio adicional às políticas de comando e controle, indicando que enquanto ações fiscalizatórias tradicionais demonstram efetividade contra supressão por corte raso, a contenção de incêndios demanda instrumentos complementares de prevenção e resposta rápida.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente executou 9.540 ações fiscalizatórias na Amazônia Legal, resultando em R$ 2,58 bilhões em multas e 5,1 mil km² de áreas embargadas.
No Cerrado, foram realizadas 2.330 operações com R$ 607 milhões em penalidades. A estratégia conhecida como embargão (operações em larga escala contra irregularidades em propriedades privadas) gerou reações do setor agropecuário, mas foi considerada fundamental para contenção da destruição.
O montante de penalidades elevou-se de R$ 4,9 bilhões entre 2020-2023 para R$ 8 bilhões entre 2023-2025, crescimento de 63%. O aumento reflete tanto intensificação das operações quanto retomada da capacidade institucional do Ibama após período de fragilização durante gestão anterior.
A efetividade das ações, contudo, depende de cobrança judicial - menos de 5% das multas ambientais são efetivamente pagas, segundo estimativas do Tribunal de Contas da União, evidenciando gargalo estrutural na aplicação da legislação ambiental.
Mato Grosso configurou-se como único estado da Amazônia Legal com elevação, registrando crescimento de 25%.
O resultado reflete pressões específicas na fronteira agrícola do norte estadual, particularmente em Colniza, Aripuanã e Apuí. O Pará manteve maior área absoluta devastada, embora com redução de 12,4%. Tocantins liderou as retrações proporcionais, com queda de 62,5%.
No Cerrado, 77,9% da destruição concentrou-se no Matopiba, fronteira agrícola que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, responsável pela principal expansão do agronegócio brasileiro nas últimas duas décadas.
Piauí apresentou crescimento de 33,1% na área suprimida, seguido por Bahia com 9,3%. Tocantins e Maranhão registraram quedas de 26,2% e 19,3%, respectivamente.
O padrão evidencia dinâmicas distintas entre biomas. Na Amazônia Legal, a supressão associa-se majoritariamente a atividades ilegais, como grilagem, extração madeireira clandestina e expansão irregular de pastagens.
No Cerrado, predomina conversão autorizada para expansão agropecuária, com percentual significativo ocorrendo dentro de marcos legais estaduais que permitem supressão de até 65% da vegetação nativa em propriedades privadas, contrastando com exigências federais mais restritivas.
A moratória da soja, acordo setorial estabelecido em 2006 que impede comercialização de grãos provenientes de áreas recém-desmatadas na Amazônia, enfrenta pressões para flexibilização.
Estudos da organização Trase indicam que o instrumento reduziu 80% da supressão associada à cultura entre 2008 e 2016, período de maior efetividade do mecanismo.
Sua eventual extinção representaria risco significativo de retrocesso nos indicadores florestais. A questão torna-se especialmente relevante diante da crescente demanda por rastreabilidade nas cadeias de suprimento.
Regulações europeias em implementação exigem garantias de que commodities importadas não contribuíram para supressão vegetal, criando pressão adicional sobre exportadores brasileiros e tensionando o debate sobre flexibilização de compromissos voluntários existentes.
Marina Silva defendeu políticas econômicas para consolidação dos avanços, argumentando que manter floresta em pé já representa vantagem pela preservação de recursos hídricos e regulação climática, fatores essenciais inclusive para agricultura.
A ministra destacou, contudo, que ganhos objetivos e diretos podem ser ampliados mediante políticas públicas de desenvolvimento sustentável.
O governo estrutura três eixos principais de incentivos. O Programa de Pagamento por Serviços Ambientais prevê R$ 2,4 bilhões para remunerar propriedades que mantêm cobertura vegetal, com valores de R$ 200 a R$ 500 por hectare anualmente.
O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa estabelece meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, mobilizando investimentos estimados em R$ 56 bilhões. O Programa Floresta+ oferece transferências diretas combinadas com crédito rural facilitado para atividades sustentáveis.
A consolidação dos resultados depende da construção de viabilidade econômica para manutenção da floresta, superando lógica histórica de valorização territorial baseada em supressão vegetal.
Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia indicam que sistemas agroflorestais e manejo sustentável podem gerar entre R$ 3 mil e R$ 8 mil por hectare anualmente, valores competitivos com pecuária extensiva que produz R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil por hectare na região.
A transição para modelos produtivos sustentáveis exige, contudo, investimentos iniciais significativos, assistência técnica especializada e acesso a mercados diferenciados - fatores que configuram gargalos estruturais para adoção em escala.
A superação desses obstáculos constitui desafio central para que os avanços recentes na contenção da destruição florestal não representem vitória temporária, mas inflexão permanente na trajetória de uso do solo brasileiro.