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Alessandra Munduruku: "Terei liberdade novamente quando ver o meu povo livre, com autonomia." (Felipe Martins/Divulgação)
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Publicado em 7 de junho de 2025 às 16h03.
Última atualização em 7 de junho de 2025 às 16h05.
Belém - A pintura no teto do Theatro da Paz, na capital paraense, registra uma cena que não passa despercebida a olhos atentos.
Entre as figuras pintadas pelo italiano Domenico de Angelis, vemos a imagem de um homem que, diante de uma tela num cavalete, parece pintar algo com ajuda de seres angelicais — e brancos.
Na cena, nota-se apenas um personagem com traços indígenas que, sentado de modo apático, não interage com o pintor e seu cavalete. Parece posar ou estar alheio à cena.
O cenário poderia ser encarado como uma representação aos pensamentos da elite belenense da época, com aspirações europeias.
A visão de uma Amazônia como uma tela em branco, que deveria ser planejada, criada, por visões eurocentristas.
O Theatro, que foi fundado em 1878 e é inspirado no teatro Scala, de Milão, é um dos símbolos vivos da era de ouro da borracha, no século 19.
Para a sociedade local da época, era importante que a cidade tivesse um local para receber óperas e outros espetáculos líricos.
Os pisos de madeiras nobres, os lustres grandiosos e as surpreendentes cadeiras de palhinha na plateia, fizeram deste edifício o primeiro teatro da região amazônica.
Em 2025, portanto 147 anos depois de sua fundação, o Theatro dá palco pela primeira vez a uma edição do TEDx Amazônia. Um evento em que o mote é, justamente, o “Resgate – um convite para um futuro melhor”.
A expectativa é que o evento reúna mais de 30 convidados que atuam na região: são pesquisadores, artistas e lideranças locais que compartilharão suas vivências em ideias em palestras curtas e impactantes, no formato já consagrados dos TEDx.
O momento não poderia ser mais oportuno. A cidade está às vésperas de receber a COP30, principal conferência climática do mundo. E discutir o futuro do planeta com as vozes daqueles que habitam na Amazônia é uma urgência que não pode mais ser adiada.
Na abertura do evento, a líder indígena Alessandra Munduruku lembrou a infância brincando livremente entre os rios e a floresta. E de como o desenvolvimento urbano chegou na região, cerceando seus espaços e dos demais moradores da tribo.
A palha, os peixes e a água, ítens antes abundantes, passaram a ser escassos e contaminados com resquício do garimpo.
Levadas por essas circunstâncias, mulheres que tradicionalmente não lutavam pelo que almejavam ou necessitavam, passaram a atuar neste sentido.
Adentravam assim por um caminho aberto por Alessandra, que conversou com o cacique e reuniu outras como ela.
Juntas, essas mulheres compreenderam que a luta pela preservação do meio ambiente e demarcação de terras abrange todas as etnias indígenas do mundo.
A intenção coletiva descrita na emocionante apresentação de Alessandra Munduruku é, antes de tudo, resgatar as possibilidades que sua comunidade já vivenciou um dia.
“Eu perdi a liberdade de andar com meus filhos para onde eu quisesse. Mas terei liberdade novamente quando ver o meu povo livre, com autonomia. Quando deixei o território, percebi que precisava comprar água, banana, coisas que eu nunca me preocupei antes. O capitalismo chegou e nos impôs seu sistema".
Passaram pelo palco do TEDx Amazônia também, Hortensia Caballero Arias, antropóloga venezuelana que atua junto aos Yanomamis; e Joice Ferreira, ecóloga e pesquisadora da Embrapa em Belém — que frisou a importância da preservação das áreas verdes já existentes.
Outra participação relevante foi a de Michel Pinho, historiador belenense que busca ampliar o acesso ao conhecimento e fortalecer a identidade local, aproximando a história do cotidiano das pessoas. Suas aulas públicas na cidade já reuniram centenas de pessoas.
No encerramento da primeira noite, um show da Amazônia Jazz Band apresentou os ritmos e algumas vozes musicais da região, tomando o Theatro da Paz como um espaço de celebração da cultura local.
O contraste entre o passado do ciclo da borracha e o futuro ameaçado pelas mudanças climáticas expõe uma Belém em processo de transformação.
E a presença dos amazônidas nos espaços de debate, sinaliza uma necessária mudança de paradigma: são eles que devem assumir o protagonismo agora, com seus saberes ancestrais sendo considerados com a mesma relevência que as pesquisas e inovação para a preservação do bioma.