ESG

Patrocínio:

espro_fa64bd

Parceiro institucional:

logo_pacto-global_100x50

Esta startup quer ser o ‘iFood das favelas’ e gerar renda em Heliópolis

Bruno Lauriano, fundador da Saalve, startup de entregas que nasceu na maior comunidade de São Paulo, contou à EXAME sobre a trajetória da aceleração da companhia

Startup acelera também a venda de produtos da comunidade para os bairros próximos, de fora de Heliópolis

Startup acelera também a venda de produtos da comunidade para os bairros próximos, de fora de Heliópolis

Letícia Ozório
Letícia Ozório

Repórter de ESG

Publicado em 22 de outubro de 2025 às 15h01.

Última atualização em 22 de outubro de 2025 às 15h26.

Conectar os mais de 200 mil moradores de Heliópolis com empreendedores locais e gerar empregos. Esse é o objetivo da Saalve, uma startup criada na comunidade que sonha em se tornar o "iFood das favelas".

O fundador da empresa, Bruno Lauriano, não planejava ser empreendedor. Trabalhando como comprador na área de construção civil, ele foi para a Nova Zelândia fazer um intercâmbio para aprimorar o inglês, uma exigência do trabalho. "Como não era bom no idioma, fui para a guerra para aprender", brinca. O que seriam quatro meses viraram dois anos de estudo e trabalho no exterior.

Foi durante essa experiência longe de casa que a ideia surgiu. "Prestes a voltar, deu vontade de empreender. Vi o que eu tinha em mãos e pensei na favela", conta. Lauriano é nascido e criado em Heliópolis, a maior comunidade de São Paulo, e conhecia bem os desafios que a região enfrentava. "Vi muitos problemas serem sanados ao longo dos anos, mas outros tantos ainda precisam ser resolvidos."

COP30: acesse o canal do WhatsApp da EXAME sobre a Conferência do Clima do ONU e saiba das novidades!

Um desses obstáculos estava na cara — ou melhor, nas portas de toda a comunidade: o comércio local crescia, mas de forma desorganizada. "Hoje não tem mais casa térrea em Heliópolis, o primeiro piso de todas as construções já é formado por comércios. Muitos informais, sem organização”, conta. Mesmo assim, a comunidade enfrenta uma grande dificuldade para serviços de delivery, transporte e até mesmo de localização entre as vias. “Não existe um negócio estruturado para isso", explica.

De volta ao Brasil, Lauriano começou a tirar a ideia do papel. Fez orçamentos com empresas de tecnologia para desenvolver o aplicativo — e foi aí que veio a primeira validação. Uma das empresas gostou tanto da proposta que sugeriu uma sociedade. "Eles entraram como parceiros, nós estabelecemos valores e eu entrei de cabeça. Essa parceria possibilitou iniciar o projeto", relembra.

Operação da Saalve, startup de entregas que cresce em Heliópolis levando produtos da comunidade para demais bairros de SP

O processo foi longo: um ano desenvolvendo a plataforma, outro de validação com os primeiros usuários. "Agora estamos no terceiro ano, aprendendo, voltando atrás, reduzindo. Conseguimos achar o caminho", diz. Esse caminho levou à Saalve como ela é hoje: um marketplace com categorias de mercadinho, farmácia e lojas especializadas — como as famosas lojas de bolos caseiros — focado nas comunidades.

A princípio, a operação se concentra em Heliópolis, mas Lauriano já pensa grande. "Vamos espalhar pela cidade de São Paulo toda, mas, antes de expandir, precisamos arredondar o processo."

O "iFood das favelas" que nasceu da necessidade

Por que apelidar a Saalve de "iFood das favelas"? A Saalve foi pensada para democratizar o acesso ao comércio digital dentro das comunidades. O modelo de negócio é mais acessível: a empresa cobra taxas menores dos comércios locais, que repassam essa economia para o consumidor final. Resultado? Produtos mais baratos que atraem tanto moradores quanto pessoas de fora da comunidade. "O maior pico de vendas é de fora da comunidade", revela Lauriano, destacando como a plataforma funciona como ponte para trazer o dinheiro externo para dentro.

"Quando o usuário pega a Saalve, vê que está mais barato e pensa: será que chega mesmo? Aí faz um teste, compra só um refrigerante, porque se perder dinheiro, não perde muito. Quando o produto chega e o cliente vê que pagou bem baratinho, compra de novo", explica Lauriano sobre a estratégia para conquistar a confiança do consumidor.

Desafios que vão além da tecnologia

Criar um "iFood para comunidades” parece simples no papel, mas a realidade se mostrou bem diferente. O primeiro grande obstáculo foi cultural: os comerciantes locais não estavam acostumados a lidar com tecnologia e vender por plataformas digitais. "É tudo pelo WhatsApp, e olhe lá", brinca Lauriano.

A solução foi literal: pegar na mão. Ele trabalhou lado a lado com os empreendedores, ensinando como funciona o aplicativo, onde chegam os pedidos, como cadastrar um produto. Mas é justamente esse contato próximo que gera a maior recompensa. "Ver a dona Maria da loja de bolos, que só vendia porta a porta, recebendo a primeira venda de fora da favela — para mim, isso é uma injeção de ânimo", conta. "É o comprador que não teria esse público se não fosse a plataforma. Isso traz investimento de fora para dentro. O usuário da comunidade compra, mas, para mim, comprar de fora é a cereja do bolo."

Essa dinâmica cria um ciclo virtuoso. "A Saalve não é alguém de fora, um cara rico ou uma plataforma qualquer — é nosso. A Saalve cresceu com esses comércios", explica.

O segundo desafio foi a logística de entregas. Lauriano pensou que seria mais fácil operar o aplicativo a partir de entregadores locais — já que muitos moradores da comunidade trabalham em aplicativos de delivery fora de Heliópolis. Afinal, quem não gostaria de ganhar sua renda perto de casa, na sua zona de conforto?

Na prática, porém, foi complicado. "A comunidade tem um problema de endereço. Uma rua tem cinco endereços iguais. Mesmo quem conhece, se confunde", explica. O entregador perdia muito tempo tentando achar o local certo. "Ele acha o número 45, só que é um predinho. Aí tem de ir falar com a loja para falar com o cliente". Após várias mudanças de estratégia e aprendizado, a operação foi se ajustando.

Saalve: startup já conectou mais de 1,8 mil clientes a comércios de Heliópolis

Mais que delivery: um ecossistema de inclusão produtiva

O diferencial da Saalve foi se expandindo naturalmente. O que começou como uma plataforma de delivery evoluiu para um ecossistema completo geração de renda. Hoje, o aplicativo também funciona como plataforma de eventos, desde distribuição de cestas básicas até ingressos para shows, jogos de futebol e exames de mamografia.

Na tela principal do aplicativo, aparece um evento — pode ser um show, um jogo, um exame de saúde. "A pessoa clica, se cadastra, gera um QR Code que funciona como ingresso para entrar e participar no dia do evento. Já impactamos milhares de pessoas só com isso", celebra Lauriano. Uma parceria com a Central Única de Favelas (Cufa) para distribuição de cestas básicas na comunidade de Heliópolis exemplifica bem essa transformação. Antes, as senhas eram em papel e exigiam uma operação complexa. Com a Saalve, o processo mudou completamente. "O usuário faz o cadastro em qualquer lugar; não precisa sair do trabalho mais cedo para pegar senhas”, conta.

As parcerias estratégicas continuaram se multiplicando. A colaboração com o Zoológico de São Paulo começou de forma orgânica. “Surgiu a proposta de vendermos ingressos dentro do aplicativo da Saalve", conta. Mas o projeto vai além da venda: todo mês, 200 crianças da comunidade que nunca foram ao zoológico ganham ingressos gratuitos. "A Saalve deixa de ser um produto específico para ser um ecossistema: palestras, produtos, visitas... tudo o que está acontecendo na comunidade de forma acessível", resume o fundador.

O impulso do Vai Tec

O crescimento da Saalve ganhou força decisiva com o apoio do programa Vai Tec, da Agência São Paulo de Desenvolvimento (Ade Sampa), criado para acelerar startups de base tecnológica com impacto social. O programa trouxe novas visões. "Mostraram caminhos que eram bons e outros que era melhor repensar: ideias, equipes, palestras. Tudo que foi feito nos impulsionou a mudar de estratégia, e com isso, logicamente, ganhamos tempo", explica.

Além das mentorias, o aporte financeiro de R$ 50 mil fornecido pela Vai Tec foi essencial para testar ideias que precisavam de investimento, errar rápido e consertar. "São três aplicativos integrados: entregador, comprador e administrativo do comércio. É uma operação grande e complicada. Óbvio que vai dar errado de primeira. A questão é errar e consertar rápido, e o investimento proporcionou isso."

O plano milionário de MC Hariel para mudar o funk de dentro da favela

Outro ganho importante foi a visibilidade. O programa conta com rodas de networking que dão mais visão para outros empreendedores sobre os desafios e oportunidades da startup. Renan Marino Vieira, presidente da Ade Sampa, destaca que a Saalve representa exatamente o tipo de negócio que o programa busca apoiar. "É um negócio com base tecnológica que gera escala social, vem de comunidade e leva impacto positivo para ela. Não tem nada mais bacana que isso. Valorizamos muito", afirma.

A Ade Sampa, fundada em 2014, é o braço executor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo voltado para microempreendedores, MEIs, pequenas empresas e startups. Com um portfólio que vai desde a porta de entrada para quem quer empreender até a aceleração, a agência realiza mais de 50 mil atendimentos mensais.

O aporte de R$ 50 mil é voltado para negócios que não receberiam esse apoio do setor privado, democratizando o acesso a recursos para negócios que não existiriam sem esse apoio, conta explica o presidente. Vieira explica ainda que as mentorias individualizadas oferecidas durante o programa de aceleração dão suporte, tiram as dúvidas do empreendedor e impõem desafios para quem busca a evolução. "É fundamental porque quem inicia a jornada empreendedora se sente sozinho e tem dúvidas de qual caminho seguir.” O acompanhamento dura seis meses, com analistas da Ade Sampa participando de todas as mentorias e workshops.

Impacto mensurável: startups de impacto positivo

Essa conquista orgânica tem raízes profundas: o sentimento de pertencimento. "Quem está na Saalve desde o começo vê essa filosofia. Não vê Lauriano como o cara da Saalve, me vê como amigo, vizinho. Eles querem que a Saalve se dê bem", explica o fundador. "Eles veem a correria, o propósito. E eu falo ‘Vocês têm que se dar bem porque, automaticamente, a Saalve se dá bem também’. É um fortalecimento."

Renan, da Ade Sampa, cita outros exemplos de impacto do Vai Tec. Na primeira edição da Expo Favela, feira de negócios, das dez empresas finalistas, quatro eram do estado de São Paulo e duas da cidade — todas aceleradas pela Ade Sampa. "Todas saíram com maturidade muito superior do que as demais", orgulha-se. Entre os casos de sucesso estão o Todos Por Uma, aplicativo que combate a violência doméstica conectando vítimas com redes de apoio; o Parças, que capacita egressos da Fundação Casa e os conecta com o mercado de trabalho; e o One Code, de São Miguel Paulista, que oferece aulas de programação e inglês para moradores da região.

A missão da Saalve hoje vai além do próprio negócio. "Quero mostrar um case que deu certo e incentivar outros negócios, motivar outras pessoas a pensarem em soluções para problemas que existem", afirma Lauriano. "Esse ecossistema que já existe na Saalve, mas expandir — motivar jovens a serem porta de entrada para empresas melhorarem a vida em Heliópolis.”

Acompanhe tudo sobre:FavelasStartupsImpacto socialDelivery

Mais de ESG

Análise: Por que o timing da exploração na Margem Equatorial a 20 dias da COP30 não é coincidência?

A corrida da reciclagem: como gigantes de embalagens transformam resíduo em negócio

Banco Mundial é confirmado como administrador do Fundo Florestas Tropicais

Armazenamento de energia: conheça um potencial aliado na transição energética do Brasil