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View from Sugarloaf Mountain, Pao de Acucar, to Rio de Janeiro, Brazil, here the parts Flamengo, Santa Teresa and Centro and the beach Praia do Flamengo. (Photo by: Bildagentur-online/Universal Images Group via Getty Images) (Bildagentur-online/Universal Images Group/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 11 de julho de 2025 às 17h29.
Última atualização em 11 de julho de 2025 às 17h42.
Pela primeira vez, o Censo levantou dados sobre moradores em Unidades de Conservação (UCs), os territórios criados para proteção ambiental no Brasil. Nessa sexta-feira, 11, o IBGE divulgou que 11.809.398 pessoas, ou 5,8% da população total, moram em 1.138 parques, florestas, reservas e áreas ambientais. Quase todas vivem em locais onde a lei permite domicílios, mas há 131 mil pessoas em UCs onde não deveria ser permitido.
Entre as 2.365 Unidades de Conservação do sistema nacional, existem parques, florestas e áreas ambientais onde é permitida a residência e outras em que, pela lei, não há permissão, apesar de exceções pontuais, como povos tradicionais que já ocupavam a região antes da criação do parque, por exemplo. O primeiro grupo é formado pelas 1.504 unidades de uso sustentável. Já o segundo é chamado de unidades de proteção integral, e somam 861.
Dos 11,8 milhões de moradores de UCs, 98,7% estão nas chamadas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que são a categoria mais permissiva do sistema, onde há possibilidade de residências. A própria legislação prevê a APA como uma área extensa e muitas vezes constituída por parcelas urbanas. O objetivo é regular a ocupação da cidade, colocando regras para construções próximas às florestas.
A Unidade de Conservação mais habitada do Brasil é a APA do Planalto Central, no Distrito Federal, onde moram 601 mil pessoas. Os limites dessa APA, por exemplo, incluem boa parte da cidade de Brasília, com algumas exceções, como as Asas Norte e Sul.
Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, explica que o número alto de moradores em APAs é algo esperado.
— É a categoria que mais permite coisas, a menos restritiva. Mais do que uma unidade de conservação que protege biodiversidade em si, ela é muito mais uma figura de zoneamento — explica ela, que frisa os benefícios de uma APA. — Quando bem planejadas e manejadas, as APAs podem trazer resultados muito importantes para proteção ambiental e para qualidade de vida humana. Protege nascentes, zonas mais frágeis. É melhor com a APA do que sem a APA, mesmo tendo tanta gente dentro.
A população residente de UCs está espalhada em 1.138 unidades, quase a metade do sistema, e 1.375 municípios. Os estados com mais moradores nesses territórios são São Paulo (2.438 milhões), Maranhão (1.555 milhões), Bahia (1.354 milhões), Rio de Janeiro (1.118 milhões) e Distrito Federal (1.103 milhões).
Em termos de identificação étnico-racial, há um aumento da porcentagem de população preta, parda, indígena e quilombola entre os moradores de UCs, na comparação com o resto do país. Enquanto a população branca brasileira é de 43%, nas Unidades de Conservação a proporção cai para 35,8%. Os pardos são maioria nas UCs (51%), com 6 milhões de habitantes, seguido por branco (35,8%), e pretos (11,9%).
O maior aumento percentual é o da população quilombola, que sobe de 0,66% na média nacional para 2,39% considerando apenas as residências em UCs. São 282.258 pessoas quilombolas que moram nesses territórios, o que significa 21,22% dessa população no Brasil.
— Temos sobreposições de Unidades de Conservação com territórios reivindicados por povos quilombolas. É uma relação bem intensa desse grupo populacional específico — explica Marta Antunes, responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.
Há presença relevante também de indígenas em Unidades de Conservação: são 132 mil moradores, ou 7,8% da população indígena total do Brasil. Mas, apesar dos passivos, a demarcação de Terras Indígenas é um instrumento mais avançado do que a titulação de terras quilombolas no Brasil, explicam os técnicos do IBGE, o que explica essa discrepância.
Outro fator relevante é o papel de indígenas e quilombolas como guardiões das florestas. Assim, em muitos casos eles residem em territórios de relevância ambiental, o que justifica a criação de uma Unidade de Conservação naquela região.
— Os povos tradicionais, em geral, desenvolvem formas sustentáveis de relacionamento com os ambientes que vivem. Muitos deles foram os responsáveis por garantir que os ecossistemas chegassem de forma preservada para nós. Assim, abrigam elementos da fauna e da flora que são relevantes para conservação, então se criam Unidades de Conservação nesses locais — explica Fernando Damasco, gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, que destaca que a situação pode até gerar conflitos fundiários.— Daí surgem conflitos entre política ambiental e política de regularização fundiária.
Se nas APAs e Reservas Sustentáveis a habitação é permitida, a mesma previsão não se aplica às Unidades de Conservação de Proteção Integral. Ainda assim, existem 131 mil pessoas morando nesses locais.
Os pesquisadores do IBGE explicam que não é possível afirmar que todos esses moradores estão em situação ilegal, pois existem casos de autorizações específicas. Nos Parques Nacionais do Monte Pascoal e do Pico da Neblina, por exemplo, respectivamente a 6ª e a 7ª UC de proteção integral com maiores populações, há permissão para a presença de tribos indígenas que já viviam naquelas regiões. O Parque do Pico da Neblina foi criado dentro do Território Yanomami, e o Parque do Monte Pascoal é sobreposto à Terra Indígena Barra Velha, habitada pelo povo Pataxó.
Por outro lado, há casos de irregularidades, inclusive com participação do crime organizado. Nos últimos anos, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio realizaram operações contra loteamentos ilegais no Parque Estadual da Costa do Sol, a 5ª UC de proteção integral mais habitada do Brasil. Há cerca de seis anos, investigações e reportagens vêm mostrando o crescimento de construções irregulares, erguidos por quadrilhas da milícia e do tráfico de drogas, nesse território que fica na Região dos Lagos.
As unidades com as maiores populações têm ocupações que se estabeleceram antes ou após a criação oficial dos parques. As principais explicações são os loteamentos irregulares, as autorizações pontuais de uso, via Títulos Precários ou Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), e conflitos fundiários antigos não solucionados. Quatro das cinco UCs de proteção integral mais populosas ficam no Rio.
Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, admite que “cada caso é um caso”, mas afirma que a presença humana dentro das Unidades de Proteção Integral é uma “questão séria, que precisa ser encarada de frente e resolvida”.
— O que se tem que olhar é quando, como e por que essas pessoas foram parar lá dentro, e o que não foi feito. Um parque não nasce simplesmente com milhares de pessoas lá dentro. Em algum momento essas pessoas chegaram lá. Por que que não foram retiradas antes ou por que o parque não foi devidamente implementado a ponto de não ter essas pessoas? — cobra Angela, que lembra que muitas unidades já foram desmatadas ao longo do tempo. — E aí não basta fazer termos de compromisso para validar a presença humana. Ou você tem unidades de conservação que funcionam como tais, ou a gente muda e transforma em uma APA. Mas não dá para fingir que é um parque com tanta gente morando e fazer de conta que está tudo bem.
A diretora explica que há casos mais graves, em especial no Sudeste, onde problemas de segurança pública se misturam aos crimes ambientais, o que torna mais difícil a gestão das unidades e a possibilidade de remoção de casas.
— É lógico que cada caso é um caso e você tem que avaliar. Em alguns lugares tem um volume tão grande de gente que é quase impossível lidar com isso a essa altura do campeonato — afirma a diretora, que reforça os danos ambientais nesses contextos.— Unidades de conservação de proteção integral existem para proteger a biodiversidade. Mas aquilo que é direito de todos, da sociedade brasileira, está sendo colocado em xeque por conta da presença de pessoas nessas áreas. Você está deixando de proteger áreas de nascentes, de espécies ameaçadas e espécies endêmicas
No Parque Estadual do Bacanga (MA), onde há a maior presença humana, com 31 mil moradores, a ocupação surgiu antes da criação do parque, ainda nos anos 70. Desde então, famílias, a maioria de baixa renda, receberam títulos precários de uso.
No Parque Natural Municipal da Serra do Mendanha (RJ) também há ocupações anteriores ao parque, que é de 2006, como favelas da década de 60. Nas últimas décadas, houve conflitos fundiários entre moradores e a prefeitura do Rio.
Em 2020, uma operação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Ministério Público do Rio identificou quatro condomínios ilegais sendo erguidos na área do Parque do Mendanha. As construções, no bairro de Campo Grande, eram, segundo a investigação, empreendimentos da milícia. Através de imagens de satélite, foi possível observar desmatamento para as obras de casas e de ruas internas.
No Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Lagoa Turfeira (RJ), as zonas de várzea eram ocupadas por pescadores antes da criação da unidade, em 1996, e, por isso, receberam autorizações de moradia, como comunidades tradicionais. Mas já houve denúncias de edificações irregulares desde então.
No Refúgio de Vida Silvestre Estadual do Médio Paraíba (RJ), os moradores também viviam antes da criação da unidade, de 1984, em assentamentos rurais e quilombolas. O Quilombo do Suruí é uma das comunidades famosas da região. Por isso, famílias receberam autorizações provisórias de permanência, via TAC.
Damasco destacou as diferentes hipóteses para explicar as ocupações humanas nesses territórios. Sem uma análise aprofundada de caso a caso, ele afirmou que não é possível decretar o que é ilegal ou não.
— Podem ter pessoas em processo de desapropriação, ou moradores que sequer foram notificados. Também há povos tradicionais que já existiam antes da criação da Unidade de Conservação. É um grupo heterogêneo, mas importante indicar o quantitativo de população, desde quem precisa ser retirado a quem tem direito de permanência— explica Damasco, que fala da preocupação com as situações de pressão ambiental em especial no Rio. — Há ocupações urbanas pressionando áreas de proteção, muitas vezes com loteamentos irregulares.
Em abril, O GLOBO mostrou que uma permissão para que indígenas morassem dentro de uma Reserva Biológica, um dos tipos de UC mais restritivos do sistema, criou um racha entre o governo federal e ambientalistas. Em fevereiro, o ICMBio e a Funai oficializaram um Termo de Compromisso (TC) com regras que permitem à comunidade Guarani Mbya continuar vivendo dentro da Reserva Biológica Bom Jesus, no Paraná.
Mas, como se trata de uma Unidade de Conservação (UC) onde atividades humanas são proibidas, 68 entidades assinaram um manifesto contra a medida. Segundo o Censo, existiam 26 moradores na Reserva, em 2022, sendo 15 indígenas.
Dessa população, 78,71% vivem em situação urbana e 21,29% em situação rural. No geral, as moradias são mais precárias que a média nacional: 40% dos residentes de UCs convivem com alguma forma de precariedade, seja no abastecimento de água, destinação do esgoto ou coleta de lixo. Entre os residentes de UC em área rural, o índice vai para 86,8%. No Brasil, considerando todos os domicílios, o percentual é de 27,28%.
Já 856.495 pessoas, ou 7,31% da população de UCs, lidam com precariedades simultâneas de abastecimento de água, destinação de lixo e esgotamento sanitário. Essa proporção é maior quando comparada com a população total do país.