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Agroindústria sustentável irá fabricar manteigas e óleos para formulação de cosméticos da Natura, especialmente da linha Ekos (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 26 de maio de 2025 às 08h00.
Última atualização em 26 de maio de 2025 às 22h28.
*De Ilha das Cinzas, no Pará
No coração da Amazônia, na região do arquipélago do Marajó, está a Ilha das Cinzas (PA), que faz parte do município de Gurupá. O acesso à localidade não é dos mais fáceis.
A cidade mais próxima, Santana (AP), está a cerca de quatro horas de barco, enquanto a sede municipal de Gurupá leva de 15 a 18 horas de viagem.
Nenhuma dessas dificuldades, contudo, impediu que ali, às margens do rio Amazonas, fosse instalada uma agroindústria, inaugurada na última sexta-feira, 23, que deve beneficiar 470 famílias extrativistas e aumentar em 60% sua renda.
Lá, serão produzidos óleos e manteigas a partir de ativos naturais da região, como Murumuru, Ucuúba e Patauá, destinados posteriormente para a formulação de cosméticos.
Liderada pela ATAIC, associação local que atua há 25 anos para impulsionar as cadeias de sociobiodiversidade no Pará e no Amapá, a iniciativa inédita se tornou possível também graças à parceria entre duas empresas brasileiras: a Natura e a WEG, com um investimento estimado em R$ 2 milhões.
Um valor irrisório frente ao tamanho do impacto e retorno esperados, e que se soma à expertise em projetos sustentáveis de ambas as organizações.
Mesmo recém-nascida, a agroindústria da Ilha das Cinzas já pode ser considerada uma vitrine de tecnologia socioambiental.
Isto porque, além de estar pioneiramente em uma área de várzea isolada em que o transporte é exclusivamente fluvial, a fábrica será abastecida 100% por energia solar e contará com o armazenamento em baterias - uma das grandes tendências da transição energética mundial.Outro diferencial do projeto é a presença de uma fossa biodigestora que garante o tratamento da água para abastecer a operação, uma tecnologia nacional da Embrapa e que também transforma resíduos orgânicos em biofertilizantes.
“É um dia histórico para a Ilha das Cinzas. Somos exemplo de energia e água limpa, com o mínimo de impacto possível. Não é só um modelo de indústria, mas de residência e bem-estar para centenas de famílias”, celebrou Francisco Malheiros, presidente da ATAIC, durante o lançamento do complexo.
Elas atuam em todo processo: desde a coleta das sementes (Murumuru, Ucuúba e Patauá) até a lavagem, separação do insumo e destinação final.
Mas a parceria com a Natura não é de hoje, começou em 2015. O que muda é que a partir de agora a matéria-prima não será mais destinada para o Ecoparque da Natura em Benevides no Pará e passa a ir direto para a agroindústria local, visando a transformação nos óleos e manteigas.
A mudança significa mais eficiência, redução de custos e um maior valor agregado ao produto que chega na mão da companhia de cosméticos com uma etapa já concluída.
Josi Malheiros, irmã de Francisco e cofundadora da ATAIC, se emociona e chora com a conquista há muito sonhada, e que se torna realidade na região em que nasceu e cresceu.
Josi Malheiros, cofundadora da ATAIC: "“Há 25 anos, minha missão era apenas sobreviver. Hoje, eu estou entregando algo para a sociedade." (Leandro Fonseca /Exame)
“Há 25 anos, minha missão era apenas sobreviver. Hoje, eu estou entregando algo para a sociedade. Muitas lideranças antigas com as quais aprendi não estão mais aqui, mas em espírito se orgulham”, contou Josi, que entrou para a associação aos 16 anos, pois na época precisavam de alguém que soubesse escrever.
Em entrevista à EXAME, ela destaca que a ATAIC nasceu com a missão de ser agente de promoção da qualidade de vida das famílias, com foco no desenvolvimento social e educativo.
"A educação transforma", afirma ela, que é formada em Gestão Ambiental pela Faculdade de Macapá (AP) e se tornou uma importante liderança na defesa da natureza e dos povos da região.
Se antes não havia domínio da parte econômica, com a chegada da agroindústria a comunidade passa a trabalhar com o fim da cadeia por meio de um laboratório de inovações tecnológicas, tendo a bioeconomia como centro.
“É o reflexo de um modelo de desenvolvimento sustentável considerando economia e geração de renda”, acrescentou Josi.
Há dois anos, a Natura deixou de usar o termo sustentabilidade e passou a incorporar a regeneração em sua estratégia ambiental e social.
A decisão veio do entendimento da companhia de que lidar com as necessidades do presente já não bastava diante da urgente crise climática. Era preciso avançar na regeneração e restauração dos ecossistemas e populações impactadas.
A instalação na Ilha das Cinzas é a 20º agroindústria da Natura na Amazônia, dentro de um plano descentralizado de industrialização e de impacto social, ambiental e humano.“É a realização de um sonho conjunto. E é simbólico porque sempre acreditamos muito no poder de parcerias e é a primeira vez que investimos com outra empresa para trazer a tecnologia”, disse à EXAME, Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura.
Segundo a executiva, o projeto representa, na prática, mais um passo na jornada de transição energética justa com uma solução viável no bioma e que daqui para frente pode ser replicada em outras regiões do Brasil e no mundo.
Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura: "Projeto representa, na prática, mais um passo na jornada de transição energética justa com uma solução viável no bioma" (Leandro Fonseca /Exame)
Com o comprometimento de zerar suas emissões líquidas de carbono até o final da década, a empresa também aposta em uma aliança com seus parceiros.
Em março deste ano, o Ecoparque em Benevides (PA), lançou uma parceria com a Ecoprint para produzir até 7 milhões de cartuchos de sabonetes por mês e ajudar na descarbonização.
Hoje, a unidade fabril já responde por 94% deste produto das marcas Natura e Avon e o processo inclui o manejo sustentável dos óleos e manteigas vegetais fornecidos pelas comunidades da região.
Agora, com relação ao agroextrativismo na Amazônia, recurso utilizado pela companhia desde os anos 2000, a ideia é expandir o impacto com inovações e tecnologias como a implementada com a WEG.
Entre suas metas, estão ainda restaurar 3 milhões de hectares na região, usar apenas embalagens recicladas e garantir 95% da biodegradabilidade dos cosméticos.
Atualmente, são mais de 10 mil famílias beneficiadas, distribuídas em 44 comunidades fornecedoras de bioativos e ingredientes utilizados para a formulação de produtos.Um dos grandes diferenciais da nova agroindústria é a implementação de um sistema fotovoltaico “off grid” (fora da rede elétrica) e que utiliza painéis solares instalados pela W-Energy para gerar energia.
O excedente é armazenado em baterias de lítio fornecidas pela WEG, garantindo eletricidade mesmo no período noturno ou em dias de menor incidência solar. Com a tecnologia, é possível garantir a operação por oito horas.
Agroindústria é alimentada 100% por energia solar, por meio de um sistema de placas solares e baterias
Foto: Leandro Fonseca (Leandro Fonseca /Exame)
Diretor de sustentabilidade e relações institucionais da WEG, Daniel Godinho explicou à EXAME que a iniciativa une não apenas sustentabilidade pela geração renovável e limpa, mas também resiliência energética e maior produtividade.
“O papel das baterias é captar a energia natural do sol e nos momentos de necessidade disponibilizar para a operação crescer, gerar mais renda e desenvolvimento para a ATAIC”, destacou.
Daniel Godinho, diretor de sustentabilidade e relações institucionais da WEG: "Iniciativa une não apenas sustentabilidade pela geração renovável e limpa, mas também resiliência energética." (Leandro Fonseca /Exame)
O sistema fotovoltaico foi uma doação da companhia estimada em R$ 600 mil e que vai de encontro a sua meta de se tornar net zero até 2050 e reduzir as emissões do escopo 3. As baterias, uma das grandes tendências atuais da transição energética, tem 97% de reciclabilidade.
“A solução se mostra viável para sistemas isolados ou conectados com a rede elétrica. A tecnologia permite o armazenamento e em sistemas isolados elimina a dependência do diesel, trazendo maior produtividade, redução de custos e desenvolvimento econômico”, complementou Godinho.
Como em todo pioneirismo, o projeto também traz desafios e complexidades.
Por se tratar de uma área de várzea, em que a água pode avançar e alagar em partes do dia e só é possível chegar por transporte fluvial, foi necessária uma grande manobra logística para que os equipamentos chegassem de Santa Catarina, sede da WEG, até a Ilha das Cinzas.
A partir de agora, a empresa se compromete a acompanhar e monitorar o sistema de forma remota, mas também aplicou um treinamento para que os trabalhadores locais possam atuar emergencialmente, em casos de falhas ou adversidades.
“O Brasil e a Amazônia são uma floresta de oportunidades”, declarou o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) , Rodrigo Rollemberg, uma das autoridades presentes na inauguração da agroindústria.
"O que o país precisa em sua política industrial é justamente incentivo à cadeias de sociobiodiversidade, transição e descarbonização", completou Rollemberg.
Rodrigo Rollemberg, Secretário de economia verde do MDIC: "O que o país precisa em sua política industrial é justamente incentivo à cadeias de sociobiodiversidade, transição e descarbonização" (Leandro Fonseca /Exame)
O secretário ainda afirmou a intenção de multiplicar modelos com inclusão das comunidades, aproveitamento sustentável, tecnologias e promoção da riqueza através da biodiversidade.
A bioeconomia, modelo em que se aproveitam recursos biológicos para criar produtos e processos sustentáveis e inovadores, é um tema central rumo à economia de baixo carbono e peça-chave para combater as mudanças climáticas.
O modelo no bioma amazônico tem atraído mais investimentos e estudos apontam uma capacidade de incrementar as cadeias produtivas da floresta em R$ 170 bilhões até 2040 só em Belém do Pará, cidade sede da COP30 em novembro deste ano.
Ás vésperas do maior evento de clima do mundo, o Brasil se mostra um 'paraíso em soluções verdes'. Já no Pará, o potencial de produção da bioeconomia pode atingir 4,5% do PIB estadual até 2030.
* A equipe EXAME viajou a convite