Patrocínio:
Parceiro institucional:
O Rio Grande do Sul, alagado em 2024: estudo aponta que níveis das águas poderão subir um metro acima da proteção atual, mas obras preventivas ainda estão na fase de planejamento. (Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (SEDAC)/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 1 de maio de 2025 às 20h17.
Um estudo recente da Agência Nacional de Águas (ANA) revelou que catástrofes climáticas semelhantes à que devastou o Rio Grande do Sul em 2024 devem se tornar cinco vezes mais frequentes nos próximos anos.
Divulgada cerca de um ano após o maior desastre climático já registrado no estado, a pesquisa "As enchentes no Rio Grande do Sul: lições, desafios e caminhos para um futuro resiliente" apresenta dados e projeções sobre o comportamento futuro das cheias na região.
A primeira, não surpreendente, porém alarmante constatação, diz respeito a frequência destes eventos extremos. De acordo com o estudo, o que ocorria, em média, a cada 50 anos, agora deve acontecer a cada 10 anos – e com intensidade ainda maior.
Isso porque, conforme os modelos matemáticos e monitoramentos históricos, as vazões dos rios gaúchos tendem a aumentar em cerca de 20% sobre as máximas atuais, o que exigirá adaptação das cidades, especialmente as mais vulneráveis.
Neste cenário, o Rio Grande do Sul tende a ser a região do Brasil com o maior aumento na frequência e severidade das cheias, reforça o relatório.
Um resultado tanto das mudanças climáticas, considerando que 2024 foi o ano mais quente da história e as temperaturas do início deste ano já sugerem que o limite de 1,5°C do Acordo de Paris pode continuar sendo superado, quanto pela vulnerabilidade natural do estado, marcado por bacias hidrográficas de rápido impacto.
As projeções do estudo indicam que cidades como Porto Alegre, Guaíba e Eldorado do Sul, na região metropolitana da capital gaúcha, e Pelotas e Rio Grande, no sul do estado, terão de enfrentar níveis de água até um metro mais altos do que o limite máximo de proteção atual.
Nos vales e áreas serranas, rios como o Taquari e o Jacuí podem subir até três metros a mais que o limite atual em eventos extremos. Por isso, ressalta a pesquisa, a necessidade de redimensionar obras de proteção, com elevação de diques, comportas e barragens.
"A reavaliação destes parâmetros não é opcional, mas uma necessidade imediata para dimensionar obras hidráulicas, criar sistemas de alerta eficazes contra inundações e garantir a viabilidade de projetos em um cenário onde os extremos climáticos se tornam mais frequentes e intensos", afirma o relatório.
Apesar da necessidade de adaptação, o governo do RS publicou, somente na última 2ª feira, 28, o edital para contratar a atualização do projeto de engenharia do sistema de proteção contra as cheias em Eldorado do Sul, com custo previsto de R$ 531 milhões, a serem pagos com recursos federais. A concorrência será em 13 de maio.
Contudo, a burocracia impõe seu ritmo: a vencedora terá 180 dias para entregar o trabalho, e a etapa seguinte serão os projetos de engenharia e elaboração dos estudos ambientais antes das obras - passos obrigatórios antes que qualquer obra física possa ser iniciada.
Em termos práticos, isso significa que os moradores de Eldorado do Sul passarão, no mínimo, mais dois ciclos de chuvas intensas sem novas proteções estruturais.
Outra questão delicada é a habitacional. Um balanço da Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontou, em agosto de 2024, que as chuvas destruíram 9.300 habitações e danificaram outras 104,3 mil.
Quase um ano depois, muitas famílias permanecem em situação provisória, vivendo em abrigos institucionais, casas de parentes ou em moradias temporárias frequentemente inadequadas.
Dos 497 municípios gaúchos, 478 foram afetados pelo desastre de 2024, com quase 2 milhões e 400 mil pessoas impactadas.
Mais de 15.000 km² ficaram submersos, com perdas humanas e sociais alarmantes. Foram 183 mortes confirmadas e 27 desaparecidos, além de 806 feridos. A exposição às águas da inundação causou mais de 15 mil casos registrados de leptospirose.
Cerca de 146 mil pessoas foram desalojadas e mais de 50 mil ficaram desabrigadas. A economia do estado sofreu um golpe significativo, com prejuízos estimados em bilhões de reais, incluindo perdas agrícolas, fechamento de indústrias, danos à infraestrutura e interrupção de serviços essenciais como transporte, educação e saúde.
O relatório da ANA representa um indicativo claro: o tempo para adaptação é agora. Ainda que não exista solução única para a prevenção de desastres, a tomada de decisão deve considerar, com urgência, um conjunto de medidas.
Desde o reassentamento de comunidades em zonas seguras, até o mapeamento de vulnerabilidades, implementação de infraestrutura híbrida e incorporação de impactos climáticos como fator de majoração do risco em projetos estruturais.
Conforme o estudo, sistemas de drenagem, estruturas de proteção, barragens, pontes, estradas e sistemas de fornecimento de água e energia serão diretamente afetados e precisam de reavaliação para adaptação.
A partir das projeções de chuvas mais intensas e frequentes, com aumento nas vazões máximas, o estudo alerta para a exigência de revisão também de parâmetros de projeto de infraestruturas, posicionando os eventos extremos de um ano atrás como referência para todas as definições.
A complexidade dos eventos extremos exige abordagens multidisciplinares e, neste sentido, o relatório avaliza que o conhecimento desenvolvido nas universidades locais foi fundamental para responder às situações catastróficas enquanto elas se desenrolavam, permitindo ações em tempo real.
Esta integração entre pesquisa científica e gestão de crises demonstra também a importância de investimentos em monitoramento e modelagem, aponta o relatório.
A tragédia de 2024 no Rio Grande do Sul não é apenas um evento do passado, mas um indicador sobre o futuro climático da região. E esse futuro, segundo as pesquisas, já começou a se manifestar.