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O Brasil deve buscar o reconhecimento internacional de seus ativos, alinhando-os a padrões globais de integridade, mas valorizando suas especificidades territoriais, sociais e ambientais. (Freepik)
Colunista
Publicado em 5 de setembro de 2025 às 20h00.
*Rodrigo Fernandez, da Systemica
A consolidação dos mercados internacionais de carbono representa uma das evoluções mais significativas na governança climática recente.
Na COP29, houve avanços concretos na operacionalização do Artigo 6 do Acordo de Paris, especialmente nos artigos 6.2 e 6.4, que delineiam a estrutura dos mercados internacionais.
Desde então, a implementação do novo PACM (Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris), sucessor do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), ganhou ritmo acelerado.
Soma-se a isso a sinalização recente da União Europeia a favor do uso de créditos internacionais vinculados aos instrumentos do Artigo 6 para o cumprimento de suas metas climáticas de 2040, impulsionando novas frentes de demanda.
Em paralelo, o mercado da aviação internacional avança com o início da fase obrigatória do CORSIA (sigla em inglês para Plano de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional), adotado pela ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional).
A expectativa é de uma demanda de até 140 milhões de toneladas de CO₂ até 2027, com preços projetados entre 20 e 30 dólares por tonelada. Trata-se de uma oportunidade concreta para países emissores de créditos com qualidade reconhecida.
O Brasil possui posição estratégica para capturar parte relevante dessas novas demandas. Além do amplo potencial em NBS (Soluções Baseadas na Natureza), como projetos de restauração e conservação, o país desponta com oportunidades custo-efetivas em segmentos como BECCS (bioenergia com captura e armazenamento de carbono) e biochar.
O ambiente institucional também é favorável: a aprovação da lei que institui o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões) e a realização da COP30 em Belém reforçam o protagonismo brasileiro e podem impulsionar uma agenda positiva para os mercados de carbono.
Estudos indicam que o Brasil poderia suprir entre 15% e 20% da demanda global por créditos de carbono, com preços competitivos inferiores a 50 dólares por tonelada.Contudo, apesar das vantagens, o país segue, na prática, à margem desses mercados por dois obstáculos estruturais: a indefinição sobre a adoção de ajustes correspondentes e a baixa articulação internacional na defesa de seus interesses em fóruns regulatórios e técnicos.
A exigência de ajustes correspondentes é um elemento central dos mercados internacionais, como o Artigo 6 do Acordo de Paris e o CORSIA. Trata-se de um mecanismo contábil que assegura que a redução ou remoção de emissões seja computada apenas uma vez — seja para a meta climática de um país (NDC), seja para a compensação de um ator internacional.
Por exemplo, uma companhia aérea que utilize créditos oriundos de um projeto no Brasil para cumprir o CORSIA só poderá fazê-lo se o governo brasileiro realizar a dedução equivalente de seu inventário de emissões, por meio de um ajuste correspondente emitido pela autoridade nacional competente, no caso, o Ministério do Meio Ambiente (MMA). As NDCs podem, inclusive, prever a possibilidade de ajustes para atrair recursos internacionais e ampliar a ambição climática de seus objetivos.
Na comunicação mais recente à UNFCCC sobre o Artigo 6.4, o MMA reconhece a importância do mecanismo, mas condiciona a emissão de créditos com ajustes correspondentes (ITMOs) à evolução do marco regulatório nacional, notadamente à regulamentação plena do SBCE.
Na prática, isso pode retardar a entrada do Brasil nos mercados internacionais e inviabilizar sua participação nas duas primeiras fases obrigatórias do CORSIA, já em andamento. Isso equivale à renúncia na participação em um mercado que pode movimentar entre 4 e 6 bilhões de dólares já em 2028.
Outro obstáculo é a presença ainda limitada do Brasil nos fóruns que definem critérios de elegibilidade, metodologias e padrões de qualidade dos créditos aceitos internacionalmente.
Exemplo disso é a restrição recente imposta pela ICAO ao uso de créditos REDD+ que gerem volumes acima de 7.000 toneladas anuais de CO₂e, o que, na prática, exclui projetos brasileiros de maior escala e custo-eficiência. Há, ainda, debates sobre riscos de não permanência nas metodologias do Artigo 6.4, com potencial de inviabilizar projetos de NBS nas condições atuais.
A aceitação de créditos em esquemas regulados como o Artigo 6 e o CORSIA tende a reforçar a percepção de qualidade e confiabilidade desses ativos, com efeito positivo também no mercado voluntário.
Este continuará relevante, especialmente pela demanda de empresas internacionais por créditos com alta integridade ambiental e social. Nesse contexto, fortalecer a qualidade do produto nacional não é apenas estratégico, é essencial para garantir competitividade e acesso a múltiplas frentes de mercado.
A falta de coordenação institucional e de uma estratégia integrada tem enfraquecido a capacidade do país de proteger seus interesses e valorizar seus ativos de carbono com integridade ambiental e social.
Se o Brasil quiser aproveitar plenamente essas oportunidades emergentes, é crucial uma atuação coordenada entre governo federal e entes subnacionais, focada em duas frentes prioritárias.
A primeira é a definição de uma estratégia clara para concessão dos ajustes correspondentes, com critérios que priorizem projetos de alta adicionalidade e grande necessidade de capital, como reflorestamento, restauração ecológica e tecnologias de remoção como BECCS.
Esses ajustes devem contribuir para elevar a ambição da NDC brasileira, sob gestão centralizada e transparente do MMA. A segunda frente é o fortalecimento da inserção do Brasil nos fóruns internacionais.
O avanço regulatório do SBCE oferece a oportunidade de ampliar o protagonismo nos debates técnicos com entidades como Verra, Gold Standard e organismos da ONU ligados ao Artigo 6 do Acordo de Paris.
O país deve buscar o reconhecimento internacional de seus ativos, alinhando-os a padrões globais de integridade, mas valorizando suas especificidades territoriais, sociais e ambientais.
Para isso, será indispensável que o governo e as entidades representativas do setor adotem uma postura proativa.
Construir credibilidade, garantir previsibilidade regulatória e exercer liderança técnica são condições essenciais para transformar o potencial brasileiro em resultados concretos — tanto na atração de investimentos quanto na contribuição efetiva para a descarbonização e o desenvolvimento social do país.