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Johan Rockström e Carlos Nobre, cientistas que lideram o pavilhão científico na COP30 em Belém (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 11 de novembro de 2025 às 15h30.
Última atualização em 11 de novembro de 2025 às 15h49.
O segundo dia de COP30 em Belém do Pará começou com um feito inédito: a presidência brasileira recebeu formalmente nesta manhã, 11, o primeiro documento científico encomendado diretamente para orientar as negociações climáticas em curso até 21 de novembro.
Segundo especialistas, a entrega é um marco histórico e pode inaugurar um novo padrão para as próximas COPs. Pela primeira vez desde a criação das conferências do clima da ONU em 1995, a ciência ganha o Pavilhão da Ciência Planetária, na Blue Zone, espaço liderado pelos dois cientistas mais renomados do mundo: Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam, e Carlos Nobre, climatologista com foco em estudos da Amazônia.
[grifar]O documento não é público e foi apresentado exclusivamente aos negociadores.
À EXAME, Marina Hirota, cientista do Instituto Serrapilheira e parte do conselho responsável pela elaboração do material, contou que se trata de um compilado das principais mensagens e achados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão da ONU que faz a relação da ciência com mudanças climáticas em curso no mundo.
"Reunimos as evidências mais recentes sobre os riscos climáticos e os caminhos necessários para evitar o colapso de sistemas essenciais à vida na Terra", disse.
Em entrevista à EXAME, Johan Rockström,diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático e à frente do pavilhão na COP, é categórico sobre a urgência do momento e a necessidade de aumentar a ambição climática.
"A conclusão mais recente da ciência é muito grave: o planeta não é capaz de lidar com o estresse causado pela crise do clima. Precisamos nos mover rapidamente ou estaremos em verdadeiro perigo", destacou.
Segundo especialistas, a entrega formal do documento científico à presidência brasileira pode inaugurar um novo padrão para as próximas conferências climáticas: um diálogo institucional e permanente entre a produção científica e a tomada de decisão política.
O documento se organiza em cinco tópicos centrais, todos baseados nas evidências científicas mais recentes:
1. O limiar de 1,5°C: O que acontece com o planeta se ultrapassarmos esse limite — e como fazer um "overshoot", ou seja, como retornar ao limite de 1,5°C depois de ultrapassá-lo. As projeções científicas indicam que isso pode acontecer até 2030.
2. Impactos sobre comunidades tradicionais e indígenas: Como as mudanças climáticas atingem de forma desproporcional essas populações, que historicamente contribuíram menos para as emissões globais.
3. Planos de adaptação e mitigação: Como adaptar o que já não conseguimos mais evitar e, ao mesmo tempo, mitigar as emissões para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C.
Nos últimos dois anos, já ultrapassamos 1,5°C em termos de temperatura média. As evidências mostram o quanto isso levou ao aumento dramático de eventos climáticos extremos pelo mundo.
4. Financiamento climático: Quem vai pagar a conta das soluções e tecnologias verdes necessárias, incluindo transição energética, restauração e conservação de ecossistemas nativos.
5. Eventos extremos: Nos últimos dois anos, já ultrapassamos 1,5°C em termos de temperatura média. As evidências mostram o quanto isso levou ao aumento dramático de eventos climáticos extremos pelo mundo.
Ganhador do considerado o Nobel do meio ambiente em 2024, Rockström é uma das principais autoridades mundiais em limites planetários, conceito que estuda desde os anos 2000 e que revelou uma realidade inquietante: sete dos nove limites que mantêm a Terra habitável já foram ultrapassados.
O cientista também reforçou à EXAME a importância de conectar a ciência com as negociações na COP30, a colocando no centro da mesa. "Os riscos que estamos enfrentando são muito maiores do que ontem", alertou.
Para o cientista, até mesmo as políticas mais ambiciosas não estão, na verdade, alinhadas com a ciência atual.
"Estamos ignorando um risco acelerado de aquecimento que pode comprometer a Amazônia e até mesmo a capacidade do planeta de absorver carbono. Se isso é completamente entendido, significa que os negociadores precisam ser mais ambiciosos", disse.
O desequilíbrio da floresta amazônica não é um cenário distante. Estudos recentes mostram que partes da floresta já começaram a emitir mais carbono do que absorvem — um sinal de que o sistema está próximo de um ponto de não retorno.
Mas, segundo Rockström, o papel da ciência não é apenas alertar sobre os riscos, mas também mostrar os caminhos possíveis, ao documentar e avaliar soluções.
"Temos tecnologias escaláveis disponíveis e também um portfólio de políticas que podem ser sucessivamente alocadas para criar incentivos rumo ao desenvolvimento econômico. Outra frente é unir pessoas em prol desta transformação", frisou.
Marina Hirota reforça que a importância de conectar a ciência com as negociações é primordia e passa pelo acesso e disponibilidade de informações já existentes.
"Se não fizermos a integração, não faz sentido. As negociações devem ter um pé na ciência, considerando todas as incertezas, cenários, e como isso pode guiar de fato as discussões nesta COP", acrescentou à EXAME.
A pesquisadora também esclarece uma confusão comum sobre os dados de aquecimento global. Enquanto a Organização Meteorológica Mundial aponta que já ultrapassamos 1,5°C, o IPCC indica que estamos em uma média de 1,3°C nos últimos 20 a 30 anos.
A diferença está na metodologia: a OMM não considera as variações naturais da Terra, como fenômenos do La Niña e El Niño, enquanto o IPCC considera tanto as mudanças naturais quanto as antropogênicas comprovadamente causadas pelo homem.