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Em alguns estados nas regiões Norte e Nordeste mais de 80% das crianças ainda vivem em condições de privação de direitos básicos (Camila Domingues/Palácio Piratini)
Colunista
Publicado em 6 de março de 2025 às 14h05.
Por Liliana Chopitea*
Em janeiro deste ano o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) lançou uma nova edição do estudo Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil – 2017 a 2023, revelando que o Brasil reduziu o número de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos vivendo na pobreza, em suas múltiplas dimensões.
Essa é a terceira vez que o UNICEF realiza esse estudo, sendo o primeiro lançado em 2018 e o segundo em 2023. Para chegar aos dados reportados, nos baseamos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), analisando sete dimensões fundamentais quando falamos de direitos das crianças e dos adolescentes: renda, educação, acesso à informação, água, saneamento, moradia e proteção contra o trabalho infantil – além de uma análise sobre segurança alimentar.
De maneira geral, percebemos uma redução notável na proporção de crianças e adolescentes que enfrentam privações. Em 2017, eram 34,3 milhões (62,5%) e, em 2023, o número caiu para 28,8 milhões (55,9%) – todavia, tal percentual corresponde a cerca de 28,8 milhões de crianças. Essa melhora foi impulsionada principalmente pelas dimensões Informação e Renda, resultado de políticas públicas eficazes, e pelo aumento das transferências de renda, que contribuiu especificamente a redução da pobreza monetária.
Apesar desses avanços, é importante também destacar que ainda há desafios em áreas críticas. Na dimensão educação, por exemplo, os dados oscilaram, mostrando que os impactos da pandemia ainda não foram devidamente superados. As crianças que estavam no início da vida escolar no período da pandemia, hoje sofrem mais desafios na alfabetização e na permanência na escola. Analisadas essas duas dimensões, em 2017, 8,5% de crianças estavam privados de educação, o dado caiu para 7,1% em 2019, subiu para 8,8% em 2021 e caiu para 7,7% em 2023.
Em 2024, há 12 milhões de crianças e adolescentes sem acesso adequado a esgoto e 2,1 milhões a águaOutro aspecto que merece atenção é a segurança alimentar. Apesar da melhora apresentada – em 2018, 50,5% das crianças estavam em situação de insegurança alimentar e em 2023, foram 36,9% -, este é um problema persistente e que se intensifica pelo aumento significativo dos preços dos alimentos, que superou o aumento dos preços gerais, tornando a alimentação um desafio considerável para muitas famílias, especialmente as de baixa renda. Em 2023, a disparidade entre os preços gerais e os preços de alimentos e bebidas atingiu 23,9%, o que demonstra que o aumento do custo de vida tem impacto direto sobre a segurança alimentar.
Mesmo com os avanços, é preciso ter atenção às desigualdades que persistem no Brasil. A situação de crianças e adolescentes pretos e pardos é pior do que a de crianças e adolescentes brancos para todas as dimensões, especialmente Renda e Educação. Enquanto, entre meninas e meninos brancos, 45,2% estavam em pobreza multidimensional, entre negros o percentual era de 63,6%.
Infelizmente, a pobreza multidimensional entre crianças e adolescentes negros permanece consistentemente mais alta em comparação com brancos, destacando disparidades raciais significativas no que diz respeito às condições de vida e acesso a serviços essenciais.
A pobreza infantil multidimensional ainda não é estatística oficial do Brasil e isso é algo que precisamos mudar com urgência, uma vez que analisar a pobreza para além da renda é essencial para compreender como privações, exclusões e vulnerabilidades podem se somar, impactando a vida de crianças e adolescentes e suas famílias de maneira profunda. Entender as diferentes dimensões da pobreza é fundamental para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais e transversais com o investimento necessário e suficiente.
E se você tivesse mil dias para impactar a vida de uma criança?Também é preciso persistir no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas específicas para grupos em situação de maior vulnerabilidade social, levando em consideração não somente meninas e meninos negros, como também as disparidades regionais e de urbanização. De acordo com o estudo, em alguns estados nas regiões Norte e Nordeste mais de 80% das crianças ainda vivem em condições de privação de direitos básicos. Nas regiões rurais, crianças e adolescentes convivem também com privações significativas em relação às que vivem nas áreas urbanas.
Em geral, as privações não têm uma causa única. Elas são resultado de um conjunto de aspectos, que incluem a pobreza, em suas múltiplas dimensões, falta de acesso a serviços de educação, saúde, assistência social e proteção ou baixa qualidade dessas ofertas; desigualdade, discriminação; e poucas opções de participação para crianças e adolescentes no desenvolvimento das suas comunidades.
Para que todas as crianças e todos os adolescentes no Brasil possam viver livres de privações múltiplas, o UNICEF trabalha com governos (federal e subnacionais), setor privado e com fundações filantrópicas para fortalecer o sistema de proteção social e aumentar o investimento público na infância e adolescência, além de promover a cooperação entre países e produzir dados e evidências.
*Liliana Chopitea é chefe de Políticas Sociais do UNICEF no Brasil