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Carlos Nobre lidera o Pavilhão Científico na COP30 ao lado de Johan Rockstrom, criador dos limites planetários (Leandro Fonseca )
Repórter de ESG
Publicado em 19 de novembro de 2025 às 22h10.
Última atualização em 19 de novembro de 2025 às 22h49.
"Na COP30 há uma escolha crucial a se fazer: proteger as pessoas e a vida ou proteger a indústria de combustíveis fósseis."
A declaração de Carlos Nobre, climatologista brasileiro à frente do Pavilhão de Ciências Planetárias da Blue Zone, resume o ultimato que a comunidade científica entregou nesta quarta-feira, 19, à presidência da COP e ao presidente Lula que acaba de retornar a Belém para participar da conferência climática.
Pela primeira vez na história das COPs, a ciência tem um espaço formal dentro das negociações.
Porém, há um temor ainda crescente entre os pesquisadores de que seus alertas sigam ignorados nas salas fechadas onde acontecem as decisões para limitar o aquecimento a 1.5ºC conforme estabelece o Acordo de Paris.
O novo documento, assinado pelos cientistas mais renomados do mundo, critica duramente os "rascunhos dos roadmaps (roteiros) para eliminação gradual dos combustíveis fósseis e fim do desmatamento" publicados na terça-feira, 18, dentro da "Decisão do Mutirão".
Carlos Nobre antecipou também uma nova solicitação da CEO executiva da COP30, Ana Toni: um painel científico para transição energética em abril na cidade de Bogotá, na Colômbia, e o lançamento de um relatório na COP31. "É totalmente factível", disse, ao lembrar que o Brasil já lidera em renováveis.
++ Leia mais: Madrugada da COP30 avança em transparência financeira, tema que travou na COP29
"Ambas as propostas de texto de roteiros são uma provocação", afirmou Johan Rockström, do Potsdam Institute, em coletiva à jornalistas.
"Os delegados parecem não entender o que é um roteiro: não é um workshop ou uma reunião ministerial. É um plano de trabalho real, que precisa nos mostrar o caminho, de onde estamos, para onde precisamos chegar – e como chegar lá."
Questionada pela EXAME em relação a sua avaliação sobre os rascunhos que já saíram das negociações, Thelma Krug, presidente do Conselho Científico da COP30, disse ter ficado feliz com a publicação dos primeiros e se mostrou esperançosa para que possam avançar de forma coletiva.
"É uma oportunidade para nós enquanto cientistas levarmos as sementinhas e ir modificando, é um trabalho de formiguinha", afirmou.
No caso do roadmap dos fósseis, Krug diz que não é sobre ter metas estabelecidas, mas sim uma indicação de como cada país pode chegar a emissões zero.
No entanto, ela reforça que é preciso entender a complexidade de um processo da COP. "São 196 países com realidades e circunstâncias bem diferentes, além de necessidades de capacitação e financiamento. É uma grande operação", acrescentou.
O documento científico apresenta números claros que contrastam com a linguagem genérica dos textos em negociação. Segundo o grupo, é preciso chegar o mais próximo possível de zerar as emissões absolutas de combustíveis fósseis até 2040 -- e no máximo até 2045.
"Globalmente, isso significa nenhum novo investimento em fontes fósseis, a remoção de todos os subsídios e um plano sobre como introduzir energias renováveis e de baixo carbono de maneira justa", disse Rockström.
Piers Forster, da Universidade de Leeds, estabeleceu um prazo ainda mais urgente: a curva global das emissões precisa começar a cair já em 2026.
"As emissões fósseis precisam cair pelo menos 5% ao ano", sustentou.
Para os cientistas, o financiamento de países ricos para países em desenvolvimento é imprescindível. Fatima Denton, da Universidade das Nações Unidas, é preciso sair de Belém com um "financiamento previsível, baseado em doações e alinhado com a justiça."
"A credibilidade do Acordo de Paris depende disso. Sem ampliar e reformar os recursos, os países em desenvolvimento não podem planejar, investir e realizar as transições necessárias para a sobrevivência", complementou.
O documento alerta que o mundo já vive um ponto de inflexão planetário. "Já enfrentamos perigos, bilhões de pessoas já sofrem, e avançamos rápido rumo a pontos de ruptura na Amazônia, nos sistemas de recifes de coral tropicais e em muitos outros", frisou Nobre, ao cobrar que esta COP30 chegue a altura do Acordo de Paris.
"Nós gostaríamos algo parecido como foi na COP21 em Paris, quando os países se comprometeram a reduzir emissões. Esperamos que este roadmap seja mais do que apareceu até agora", disse.
Um dos alertas mais contundentes do primeiro documento entregue pelos cientistas na primeira semana de COP diz respeito ao orçamento global de carbono: a quantidade total de CO2 que ainda pode ser emitida para manter o aquecimento dentro de limites seguros.
Este orçamento está essencialmente esgotado, reduzido a 130 bilhões de toneladas de CO2 — o equivalente a 3 ou 4 anos de emissões globais na taxa atual.
"Os dados científicos nos fornecem a base para toda política climática séria. É nossa ferramenta de contabilidade para nos afastar do perigo", destacou Foster.
E o cientista deixa claro o que está em jogo nas negociações: "Remover o orçamento de carbono do texto significa remover a realidade da COP."
Outro alerta preocupante é sobre as florestas tropicais, historicamente consideradas grandes absorvedoras de carbono, estão perdendo essa capacidade.
"A única razão pela qual podemos pensar na eliminação gradual e ordenada dos combustíveis fósseis é porque presumimos que as florestas continuarão sendo um grande sumidouro de CO2. Mas não é o que mostram as evidências científicas", ressaltou Krug.
Segundo a cientista, as florestas estão cada vez mais vulneráveis às próprias mudanças climáticas – reagindo a secas, incêndios, ondas de calor e conversões de uso da terra cada vez mais frequentes e intensas. "
A principal causa seria a queima de fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões globais. Mais uma vez, a mensagem dos cientistas é clara: está nas mãos do Brasil começar a traçar o caminho para acabar com o problema, mesmo em meio a controvérsias como a nova exploração da margem equatorial de petróleo na Amazônia.