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Ricardo Mussa, chair da SB COP: "Estamos na parte da solução, não do problema. Tem país que é problema. O Brasil é a solução." (Divulgação/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 13 de agosto de 2025 às 20h31.
Última atualização em 13 de agosto de 2025 às 20h32.
A realização da COP30 em Belém coincide com um momento singular na economia brasileira, quando muitos setores da indústria demonstram apetite crescente por investimentos sustentáveis ao mesmo tempo em que enfrenta um ambiente regulatório considerado inadequado para viabilizar essa transição.
A pesquisa Sustentabilidade e Indústria divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou a dimensão deste descompasso. Enquanto 66% das empresas manifestaram interesse concreto em acessar financiamento para ações sustentáveis, 43% avaliam que as políticas públicas brasileiras têm dificultado, em vez de facilitar, esses investimentos.
O levantamento, conduzido pela consultoria Nexus com mil empresários entre maio e junho, oferece uma ampla radiografia sobre como a indústria nacional se posiciona também diante de temas mais latentes, como a própria COP, em um momento em que a diplomacia climática global enfrenta desafios inéditos.
A análise fornece ainda elementos para mensurar a capacidade brasileira de liderar discussões sobre financiamento climático e transferência de tecnologia, questões que ocuparão posição central na agenda de Belém.
Durante a apresentação dos material, Ricardo Mussa, chair da Sustainable Business COP30 (SB COP30), iniciativa coordenada pela CNI que articula organizações empresariais de 67 países para amplificar a influência do setor privado nas negociações climáticas, afirmou: "O Brasil pegou o momento mais difícil para fazer a COP".
O executivo, que comandou a Raízen até novembro passado e liderou a força-tarefa de transição energética e clima do B20 Brasil, referiu-se não apenas aos retrocessos nas políticas climáticas americanas sob Donald Trump, mas também aos impactos da guerra na Ucrânia sobre a segurança energética global e às crescentes tensões comerciais internacionais.
Contudo, referendando a importância do timing da pesquisa, Mussa lembrou que o setor privado responde por 84% das emissões globais. "Então, quando a gente fala da solução, a solução para a questão climática passa pelo setor privado", completou.
O levantamento mostrou uma divisão fundamental no posicionamento empresarial brasileiro.
Por um lado, o interesse por financiamento verde manifesta-se de forma relevante. Entre os mil executivos consultados , 22% expressaram "certeza" sobre a busca por linhas de crédito sustentáveis, enquanto 44% demonstraram interesse "provável" - uma demanda que sinaliza reconhecimento da sustentabilidade como imperativo estratégico, não somente como compromisso ambiental.
A relevância atribuída à COP30 reforça essa tendência. Dos entrevistados, 54% consideram o evento importante para seus negócios, compreendendo-o como plataforma para reposicionamento competitivo em mercados internacionais mais orientados por critérios ambientais.
No recorte regional, as regiões Norte e Centro-Oeste lideram as expectativas com 64% dos executivos demonstrando confiança na conferência, seguidos pelo Nordeste (60%), Sudeste (53%) e Sul (50%).
Paralelamente, 75% dos industriais veem a COP30 como oportunidade para melhorar a imagem do país no exterior, enquanto 77% apostam em aumento das exportações.
Contudo, a avaliação das políticas públicas nacionais expõe o desalinhamento entre a demanda empresarial e a adequação regulatória.
Enquanto 43% dos executivos relataram que as políticas governamentais têm dificultado investimentos sustentáveis, apenas 12% identificam favorecimento, com somente 1% considerando favorecimento substancial.
Também há desafios em aspectos como custo elevado de tecnologias sustentáveis, que afeta 38% dos entrevistados, falta de incentivos específicos, que impacta 36%, e a complexidade regulatória, considerada uma barreira para 29%.
A ausência de financiamento direcionado, mencionada por 18% dos participantes, sugere inadequação dos instrumentos disponíveis às necessidades específicas da indústria.
Na distribuição por porte de empresas, 63% das grandes corporações demonstram intenção de participar ou acompanhar os desdobramentos da COP30, proporção que diminui para 51% entre pequenas companhias.
Contudo, 46% da indústria ainda manifesta pouco ou nenhum interesse na agenda climática, indicando uma polarização setorial importante.
Os obstáculos vão além das questões geopolíticas. Problemas de infraestrutura em Belém, incluindo preços abusivos de hospedagem e capacidade hoteleira limitada, podem reduzir a participação executiva, como EXAME já havia adiantado.
"CEOs de grandes empresas precisam de planejamento, então não podemos ficar dourando a pílula. Demorou-se muito para buscar resolver o problema (de hospedagens). Mas está sendo resolvido", admitiu Mussa, diante do questionamento sobre o tema.
Se a questão de especulação hoteleira ainda é vista com apreensão, as dificuldades geopolíticas parecem ser observadas com maior otimismo.
O afastamento americano das lideranças climáticas sob Trump, combinado com tensões entre grandes potências, abre espaço para que países de economia média assumam papéis tradicionalmente ocupados por superpotências.
"O movimento que os Estados Unidos fizeram também criou um outro movimento. O resto do mundo se fala mais", disse Mussa, identificando reconfiguração nas dinâmicas de cooperação internacional que pode beneficiar o Brasil.
Em complemento, Roberto Muniz, diretor de relações institucionais da CNI, afirmou:
"A indústria brasileira é vanguarda em soluções sustentáveis e tem muito a mostrar ao mundo quando os holofotes estiverem voltados para Belém."
Para o presidente da SB COP30, a conferência representa a oportunidade de o Brasil demonstrar suas soluções ambientais. "Estamos na parte da solução, não do problema. Tem país que é problema. O Brasil é a solução", resumiu.
A SB COP é considerada uma iniciativa inovadora para a governança das cúpulas climáticas. A iniciativa capitaneada pela CNI é estruturada em oito forças-tarefas temáticas lideradas por executivos de relevância global, conectando organizações equivalentes à CNI em 67 países.
Lideram cada grupo de trabalho, nomes como Gilberto Tomazoni, da JBS; João Paulo Ferreira, da Natura; Luciana Ribeiro, da eB Capital; Rubens Menin, da MRV; e Marcelo Medeiros, da re.green.
A coalizão pretende entregar três recomendações de cada força-tarefa aos chefes de Estado, totalizando 24 propostas para influenciar as discussões oficiais.
A mobilização atual para a COP30 representa um momento decisivo em décadas de crescente influência corporativa nas negociações climáticas globais.
Uma trajetória que remonta à criação da Associação Internacional de Conservação Ambiental da Indústria do Petróleo (IPIECA) em 1973, quando foi estabelecido o primeiro canal sistemático entre grandes corporações e organismos multilaterais sobre questões ambientais.
A IPIECA participou de todas as COPs desde sua criação, participando do desenho de estratégias sofisticadas que incluem contribuições técnicas para relatórios científicos e coordenação de posições globais.
Documentos históricos mostram que a organização também funcionou como laboratório para táticas de influência posteriormente adotadas por outros setores, permitindo que companhias petrolíferas interagissem com negociadores governamentais através de canais aparentemente técnicos.
A convergência entre interesse corporativo documentado agora pela pesquisa da CNI e a mobilização coordenada pela SBCOP sugere que a participação privada na COP30 pode assumir características inéditas. E esta é uma boa notícia para além da conferência de Belém.