ESG

Patrocínio:

espro_fa64bd

Parceiro institucional:

logo_pacto-global_100x50

Site gratuito mostra setores sob colapso climático se país aquecer 2°C

Ferramenta lançada para a COP30 mostra rodovias que ficarão submersas, cidades mais vulneráveis ao calor e regiões agrícolas em risco

Para enfrentar essa crise, o sensoriamento remoto tem sido um importante aliado. (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil/Agência Brasil)

Para enfrentar essa crise, o sensoriamento remoto tem sido um importante aliado. (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil/Agência Brasil)

Letícia Ozório
Letícia Ozório

Repórter de ESG

Publicado em 7 de novembro de 2025 às 17h06.

A enchente histórica que paralisou o Rio Grande do Sul em 2024 deixou a Dexco, companhia de materiais de construção e mobiliário, sem conseguir nem receber nem escoar produtos por quatro dias. "Foi muito pior do que nosso pior cenário", conta Guilherme Setúbal, diretor de relações com investidores e ESG da empresa. O episódio é parte de uma equação que empresas e governos precisam responder urgentemente: onde, exatamente, o aquecimento global vai bater mais forte — e quanto isso vai custar?

A resposta começou a ficar mais clara nesta sexta-feira, 7, com o lançamento da plataforma "Brasil em um Mundo +2°C". Desenvolvida pelo Instituto Itaúsa em parceria com a empresa espanhola de pesquisa Lobelia Earth, a ferramenta é gratuita, aberta ao público e funciona como um mapa interativo que compara riscos climáticos atuais com projeções para um cenário de aquecimento acima de 2°C.

"Não é um documento. É um mapa interativo no celular onde você coloca sua área de negócios e explora riscos e oportunidades", explica Marcelo Furtado, head de sustentabilidade da Itaúsa e diretor-executivo do Instituto Itaúsa. "A plataforma ajuda a priorizar onde estão as maiores ameaças e oportunidades."

Da ciência para a decisão

O diferencial da ferramenta está em cruzar dados climáticos, como temperatura, precipitação, secas, com informações de natureza (degradação florestal) e setores econômicos. O foco inicial são três pilares: infraestrutura crítica, que inclui rodovias e energia; agricultura, especialmente as commodities de soja, café, cana, pastagem e milho; e áreas urbanas com mais de 50 mil habitantes.

"Quando falamos de infraestrutura crítica, agricultura e áreas urbanas, as interrupções nesses setores geram efeitos em cascata — operacionais, financeiros e logísticos", diz Thaís Fontenelle, que lidera o projeto pela Lobelia Earth. "O objetivo é mostrar onde os riscos convergem, onde a natureza pode amortecê-los e como priorizar ações e investimentos."

A plataforma usa 11 modelos climáticos diferentes e dados de satélite com resolução de até 50 centímetros. Para cada ameaça mapeada — inundações, deslizamentos, queimadas, mudanças de precipitação —, há camadas contextuais que mostram, por exemplo, se há biodiversidade em risco naquela área ou se a vegetação pode funcionar como proteção natural.

COP30: acesse o canal do WhatsApp da EXAME sobre a Conferência do Clima do ONU e saiba das novidades!

Para companhias, a plataforma pode ajudar a avaliar riscos futuros e entender a viabilidade de alguns investimentos, especialmente sob a ótica das mudanças causadas pelo aquecimento global. "A Dexco já vetou a compra de negócios porque a matéria-prima dessa operação estaria escassa no futuro", revela Guilherme Setubal. "Não é ferramenta de 'não', é de 'como fazer'."

A companhia possui 125 mil hectares de floresta plantada e enfrenta riscos de incêndio — que, segundo Setubal, é "alto e grave" à operação da companhia. Com a plataforma, também conseguiu identificar que algumas rotas logísticas ficarão diferentes quando a temperatura subir 2°C, com pontes e rodovias tomadas por água.

"Quando pensamos em cadeia de fornecimento e clientes, toda a questão de rodovias, pontos, trajetos e meios de transporte até a fábrica terão impactos relevantes", diz o executivo. "Saber disso ajuda a pensar em alternativas."

Lennon Franciel, engenheiro ambiental da Dexco, destaca que a ferramenta "joga luz em riscos subdimensionados". "Tenho conversas sobre logística onde não passa na mente das pessoas que o aumento do nível dos oceanos causa portos fechados e rodovias inundadas", afirma. "Dá pra fazer a gestão e assegurar que a companhia está preparada."

Cidades: quem vai sofrer mais com o calor

No painel de cidades, a plataforma mostra cada centro urbano brasileiro como um ponto no mapa, com dados de exposição a diferentes ameaças. Em São Paulo, por exemplo, o município de Registro aparece como um dos mais impactados por temperatura extrema.

Ainda em São Paulo, a infraestrutura de rodovias está em risco. Próximo a divisa com o Mato Grosso do Sul, o risco é alto. As vias consideradas com baixo risco estão próximas a fronteira com o Rio de Janeiro, sendo apenas partre da BR-101, próximo a Ubatuba, e parte da BR-166, em Queluz. Em todo o restante do estado, predomina o médio risco.

"Uma das ameaças é temperatura extrema. Entendemos impactos para negócios — não poder trabalhar nessas situações —, afeta saúde dos mais vulneráveis e gera demanda de energia muito grande", explica Thaís Fontenelle. "Conseguimos ver efeito em cascata, diferentes âmbitos sob ameaça comum."

Elcio Batista, coordenador no Insper, que trabalhou com gestão de risco climático no Ceará, destaca a importância da inteligência distribuída. "A plataforma distribui inteligência para tomadores de decisão, prefeitos, servidores que precisam tomar decisões", diz. "Tem papel fundamental de incorporar o cidadão no debate, com comunicação fácil para que as pessoas saibam os riscos."

Agricultura: regiões que vão deixar de ser viáveis

Para o agronegócio, a plataforma mapeia cultivos específicos — soja, café, cana, pastagem e milho — e mostra espacialmente como secas nas bacias hidrográficas vão afetar regiões de adequação climática.

Luis Barbieri, da Raiar Orgânicos, vê a ferramenta como estratégia de negócio. "Vejo o quanto pode ser útil para tomada de decisão e de investimento do próprio fazendeiro", diz. "Mato Grosso produz mais grãos que a Argentina. O Centro-Oeste começa a ganhar também energia com etanol de milho, dupla exposição de riscos com temperatura."

O dado, segundo Barbieri, traz "materialidade de que estamos indo para o extremo", o que requer mudança de prática. "A reação natural do mercado é irrigar se falta água, mas não resolve porque a temperatura continua. Precisa manejar o solo de forma que retenha água da chuva nas épocas muito fortes, suficiente para repor na seca."

A plataforma também aponta oportunidades: algumas regiões que antes eram adequadas para certos cultivos vão deixar de ser - e outras vão se tornar viáveis. "Precisamos pensar microclimas", diz Barbieri. "Na região de atuação da UFSCar tem déficit de 50% de APP [Área de Preservação Permanente]. Essa APP vai fazer falta para os dois graus."

Laia Romero, diretora executiva da Lobelia Earth, contextualiza a urgência: em 2024, pela primeira vez, a temperatura global média superou 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. "Não há mais tempo a perder. A implementação é agora", afirma. Atualmente, o mundo já está 1,2°C mais quente.

"Os mais 2 graus celsius são perigosos e é um ponto de virada perigoso ao planeta. Esse é o limite que o Acordo de Paris tentou conter — todos os países tentam levar o limite a 1,5 graus para evitar mudanças irreversíveis", explica Laia. "Começa pelo colapso do gelo e dos oceanos, e de toda a vida."

O Brasil, segundo ela, é "um dos poucos países que concentra vulnerabilidade climática e poder da natureza". "Isso significa que muitas soluções naturais podem ser implementadas. A natureza faz esse papel. Investimento inteligente no Brasil é possível."

Por que fazer isso de graça?

A Itaúsa é uma holding com quase 900 mil brasileiros como acionistas. "Queremos gerar valor econômico e transição sustentável, futuro positivo para clima, natureza e pessoas", diz Marcelo Furtado. "Faltava uma ferramenta que ajudasse o setor econômico a identificar riscos e oportunidades para a transição dos negócios."

A decisão de tornar a plataforma pública e gratuita tem lógica estratégica. "Nenhum país vai conseguir viver e executar responsabilidade de mitigação se não tiver economia próspera", afirma Furtado. "Dados são importantes porque geram informação, mas isso só é valioso se transformar em inteligência — permite que através de dados você tenha informação e depois gere inteligência para suas escolhas."

O executivo destaca ainda que o Brasil será o primeiro país do mundo a adotar regulamentação (IFRS S1 e S2, prevista para 2027) exigindo que empresas reportem riscos climáticos e de transição para a sociedade. "Isso faz com que exista revolução nas empresas brasileiras listadas. A plataforma ajuda empresas a se preparar e planejar."

Para Guilherme Setubal, da Dexco, classificar risco já é difícil - mas precificar é ainda pior. "A ferramenta está enriquecendo muito a Dexco no IFRS S1 e S2, na precificação e quantificação dos riscos financeiros baseados na natureza e no clima", afirma.

Prevenção vs. remediação: a conta que não fecha

Um ponto recorrente entre os participantes do lançamento é o custo de não agir. "Madeira cara é aquela que você não tem", resume Setubal. Ele argumenta que o investimento em adaptação não pode ser comparado com despesas operacionais do ano. "Foi estratégico. O Brasil, com ciclos econômicos, muitas vezes vai acontecer em ciclos de baixa, mas custa muito mais lá na frente", diz. "Não é sobre fazer agora ou depois, mas sobre mensurar risco,  ver o risco de não ter atuado lá na frente."

A experiência dos moradores de Taquari, no Rio Grande do Sul, ilustra esse ponto. "Quando deu os alertas, eles já estavam acostumados e agiram de forma rápida", conta Setubal. "Se prevenir, os impactos são melhores."

Lennon Franciel, da Dexco, reforça: "É garantir resiliência dos negócios. Falamos em sustentabilidade e perenidade para empresas, e identificar os riscos dá pra gerenciar tudo da melhor forma."

Marcelo Furtado destaca que a plataforma não é só sobre ameaças. "Cruzar natureza com risco permite identificar áreas degradadas que pode restaurar e que funciona como buffer para inundação", diz. "Cuidamos para a plataforma não ser só de risco, mas de oportunidades."

Luis Barbieri sugere que é preciso "pensar esforço de novos arranjos, criar esforço para competitivos para a transição". "Não se muda carreira sozinho", afirma.

Próximos passos: América do Sul e economia real

Representantes da Climate Works presentes no lançamento já manifestaram interesse em expandir a plataforma para outros países da América do Sul. "O grande desafio é fazer juntos e com outros. Não é só dinheiro para financiar, mas ter players importantes do mercado sendo promotores", afirmou.

O próximo passo, segundo Laia, é "seguir empurrando" e aplicar a ferramenta nas demonstrações financeiras das empresas. "O esforço agora é aplicar a ferramenta na economia real", conclui.

A plataforma "Brasil em um Mundo de +2°C" já está disponível gratuitamente em https://portal.brasil2c.com/, com aplicativo para Android e iOS.

Acompanhe tudo sobre:ItaúsaAquecimento globalEconomiaacordo-de-paris

Mais de ESG

10 anos do Acordo de Paris: o que signfica e por que ele ainda é essencial para o clima

"Conservar floresta não é suficiente", alerta secretário brasileiro em Belém

Belém se transforma para a COP30: mais de 160 países no maior evento climático do ano

BID anuncia parceria de US$ 800 milhões para a Amazônia e América Central