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Surto de metanol: brecha na lei de reciclagem facilita adulteração de bebidas, diz Abrabe

À EXAME, presidente da Associação Brasileira de Bebidas alerta que ausência de regra específica para quebra de garrafas de uso único facilita que embalagens cheguem na mão de falsificadores

Visando combater o problema, programa da Abrabe já destinou mais de 365 mil toneladas de vidro à reciclagem desde 2010 e o equivalente a 619 milhões de garrafas (Getty Images)

Visando combater o problema, programa da Abrabe já destinou mais de 365 mil toneladas de vidro à reciclagem desde 2010 e o equivalente a 619 milhões de garrafas (Getty Images)

Sofia Schuck
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 4 de outubro de 2025 às 11h00.

Em meio ao surto de intoxicação com metanol em São Paulo, um debate ganha força nos bastidores do setor de bebidas: qual a lacuna para impedir que garrafas vazias de vidro alimentem o mercado clandestino de bebidas falsificadas, apontado como principal foco para adulteração das bebidas?

Na prática, quando um consumidor esvazia uma garrafa de vodka, uísque ou gin em um bar ou restaurante, aquela embalagem de uso único deveria ser quebrada e enviada para reciclagem.

Isto porque, vidro quebrado não tem valor para falsificadores -- é apenas matéria-prima para dar vida a novos produtos.

Embora as investigações ainda estejam em curso, especialistas ouvidos pela EXAME apontam que aí está o gargalo com possível conexão com os casos de metanol.

Muitos estabelecimentos vendem garrafas intactas, com rótulos e tampas originais, para intermediários. A falha na cadeia facilita para que embalagens acabem nas mãos de quem adultera bebidas e as revende no mercado clandestino.

Mas afinal, existe ou não uma lei que obrigue os estabelecimentos a quebrarem essas garrafas e as reciclarem?

A presidente da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), Cristiane Foja, destacou à EXAME que não há vácuo na regulamentação, tanto a nível federal como estadual. Por outro lado, há uma brecha.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecida pela Lei 12.305/2010, já prevê a responsabilidade compartilhada de toda a cadeia na reciclagem das embalagens -- desde fabricantes até consumidores, passando por varejo e poder público.

Há também o Decreto do Vidro, que estabelece uma dinâmica específica para esse material.

"O que falta é a atuação de todos os elos da cadeia e uma lei específica que obrigue bares e restaurantes a quebrarem garrafas de uso único após o consumo", frisou.

Como garrafa proprietária ou de uso único se considera aquela que não retorna ao fabricante para ser reutilizada, diferente das cervejas retornáveis tradicionais. São justamente as de vodka, uísque, gin e vinhos, com design exclusivo de cada marca, que vazias deveriam virar cacos de vidro e ser destinadas da forma correta.

Logo, a legislação vigente diz que o vidro deve ser reciclado, mas não especifica que essas embalagens precisam ser descaracterizadas e quebradas.

Logística reversa contra o mercado ilegal

"Em função deste mercado ilegal, a logística reversa de garrafas de vidro exige que todos os elos da cadeia colaborem", alertou Cristiane, ao destacar a necessidade de um "cuidado especial" nestes casos.

"A garrafa pode desaparecer em qualquer elo e desaparecer no fluxo, justamente a intenção dos falsificadores. Eles querem interceptar no caminho e não destinar para a reciclagem", explicou.

É para enfrentar esse desafio que a Abrabe criou, há 15 anos, o programa Glass is Good -- pioneiro na economia circular do vidro no Brasil e especializado em garrafas de bebidas alcoólicas a partir de bares, restaurantes e grandes eventos como Rock in Rio e Lollapalooza.

A iniciativa nasceu antes mesmo da política nacional de resíduos e já destinou mais de 365 mil toneladas de vidro à reciclagem de 2010 até agosto de 2025, o equivalente a 619 milhões de garrafas de 1 litro.

O impacto representa cerca de 193.877 toneladas de emissões de CO₂ evitadas na atmosfera.

Hoje presente em 24 estados, com 21 cooperativas e 63 parceiros logísticos, promove também a formalização e a geração de renda para centenas de trabalhadores e catadores.

"O vidro é um material 100% reciclável e rastreável, e seu uso fortalece o combate à ilegalidade e adulteração de bebidas", reforçou a presidente.

O que está em jogo

Rodrigo Oliveira, CEO da startup de logística reversa Green Meening, disse à EXAME que a crise do metanol expõe que a reciclagem correta de garrafas de bebidas não é apenas uma questão ambiental, mas também de saúde pública e segurança.

"Cada garrafa que escapa do fluxo correto pode se tornar veículo de produtos adulterados que custam vidas", destacou.

"A sustentabilidade e a segurança caminham juntas", complementou Cristiane, ao citar o Glass is Good como prova concreta de que a responsabilidade compartilhada entre indústria, governo e sociedade gera impacto ambiental, social e econômico positivo.

Entre as recomendações da Green Mining, estão:

  • Obrigatoriedade de descaracterização: lei que determine a quebra imediata de garrafas não retornáveis em pontos de grande consumo, como bares, restaurantes e distribuidores, assegurando destinação direta à reciclagem;
  • Rastreabilidade como padrão: sistemas digitais que registrem o ciclo completo da embalagem, da coleta à reciclagem, criando transparência e responsabilidade compartilhada entre todos os elos da cadeia;
  • Valorização do catador: remuneração justa baseada em valores praticados pela indústria, eliminando intermediários que lucram com a opacidade e incentivando adesão ao modelo formal;
  • Proibição de comercialização irregular: restrição legal à venda de grandes volumes de garrafas inteiras sem comprovação de destinação, cortando o fornecimento para falsificadores;
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