Colunista
Publicado em 22 de novembro de 2025 às 08h00.
Em toda grande competição existe um jogo paralelo que acontece fora do campo: o das marcas. E, nesse jogo, há patrocinadores que investem pesado para ter exclusividade e visibilidade legítima e há aqueles que tentam pegar carona sem entrar pela porta da frente. É nesse espaço cinzento que nasce o marketing de emboscada, um fenômeno tão antigo quanto o próprio patrocínio, mas que segue gerando dúvidas, confusões e, cada vez mais, conflitos jurídicos.
Do ponto de vista técnico, o marketing de emboscada acontece quando uma marca tenta se associar a um evento sem ser patrocinadora oficial, criando no público a percepção de vínculo, apoio ou presença institucional que não existe. Ele pode aparecer de duas formas: A primeira é a associação indevida (ambush by association), quando a marca usa linguagem, narrativa ou estética que, mesmo sem citar nomes protegidos, sugere participação oficial. A segunda é a intrusão (ambush by intrusion), quando a marca invade fisicamente ou digitalmente o território exclusivo dos patrocinadores, usando o ambiente do evento ou o fluxo de audiência dele para capturar atenção que não lhe pertence.
O problema é que essa fronteira entre “oportunidade cultural legítima” e “apropriação indevida” muitas vezes é intencionalmente borrada. Há uma mistura perigosa de falta de conhecimento com oportunismo: marcas que realmente desconhecem as regras de exclusividade e outras que fingem não conhecê-las para tentar, a baixo custo, ocupar um território comercial construído por quem investiu oficialmente. E, em um ambiente global onde eventos são cada vez mais regulados, essa prática deixa de ser apenas antiética: ela se torna um risco real ao modelo econômico que sustenta o esporte de alto nível.
A final da Libertadores deste ano acontece no Peru, em formato de jogo único e 2025 colocará Flamengo e Palmeiras no centro do continente. Ambas as torcidas devem se deslocar em peso para Lima, criando um ambiente de enorme visibilidade comercial, tráfego internacional e disputa narrativa entre marcas. É exatamente nesse cenário, quando a atenção explode e cada mensagem tem impacto multiplicado, que ações de emboscada costumam florescer.
Meses antes da decisão, a Avianca fechou um contrato oficial com a Conmebol, tornando-se a companhia aérea parceira dos torneios de clubes e ao fazer isso, comprou exclusividade, território e direito de ativação. É uma relação formal, com regras claras, investimentos relevantes e entrega esperada.
E aí, 2 semanas antes da final surge a Copa Airlines, promovendo seus voos e publicando em suas redes sociais uma ginástica semântica para atrair “palmeirenses e flamenguistas que vão assistir à final da Copa”, sem citar o termo “Libertadores”, mas deixando explícita a referência à decisão em Lima. É o tipo clássico de ação que tenta flertar com a formalidade, jogando nas entrelinhas para evitar infração direta mas cuja intenção comercial é inequívoca. Isso, em qualquer manual de marketing esportivo, configura emboscada.
A consequência é simples: enquanto o público consome a mensagem achando natural, o patrocinador oficial, que fez tudo certo, tem seu território invadido e seu investimento diluído. E isso gera um efeito cascata.
Na prática, mesmo que a Conmebol decida processar a Copa Airlines, o dano imediato recai sobre quem honrou o contrato: a Avianca. A marca que pagou pelo direito de explorar esse momento com exclusividade passa, naturalmente, a reavaliar a continuidade do investimento quando percebe que concorrentes podem capturar o mesmo território sem custo algum.
O impacto disso vai muito além de um post nas redes sociais. Prejudica não só a Conmebol, prejudica o futebol.
Patrocínios são um dos principais motores financeiros do esporte sul-americano. Quando uma marca percebe que sua exclusividade é vulnerável, ela reduz investimento, encurta ciclos de contrato ou simplesmente abandona o ativo. Por isso, é importante reforçar uma verdade simples: ações de emboscada não são inofensivas nem engraçadas. Não são “sacadas criativas”. São violações claras de um pacto competitivo. São incoerentes com o discurso de ética empresarial, integridade e compromissos ESG que tantas marcas divulgam e corroem a confiança que sustenta o ecossistema esportivo.
O esporte precisa, urgentemente, de maior rigor e moralização na forma como patrocínios são tratados. Não se trata de punir criatividade ou limitar narrativas, mas de proteger quem investe, garantir previsibilidade, respeitar contratos e reforçar o ambiente de negócios.
Se queremos um mercado mais profissional, eventos mais fortes e clubes mais sustentáveis, é preciso conscientizar e combater a emboscada com firmeza. Porque, no fim das contas, é menos sobre o post no Instagram e mais sobre a credibilidade de toda a indústria.