A velocidade da queda dos mercados globais e o aumento da chance de uma recessão prolongada na economia americana vem aumentando os temores de um colapso geral na economia mundial (Getty Images via AFP)
Editora do EXAME IN
Publicado em 7 de abril de 2025 às 11h24.
Última atualização em 7 de abril de 2025 às 11h31.
Donald Trump foi de 'all in' nas tarifas, com uma convicção que desafiou a mais pessimista das projeções. Como resultado, a velocidade assustadora na queda dos mercados globais e o aumento da chance de uma recessão prolongada na economia americana vem aumentando os temores de um colapso geral na economia mundial — talvez comparável com a crise de 2008.
Em relatório publicado hoje, a Gavekal trouxe três razões para temer uma volta ao último grande crash e três razões para ter alguma esperança de que o cenário não vai se repetir. (Spoiler, para já preparar seu estômago: as chances parecem mais voltadas para o cenário pessimista.)
Começando pelas más notícias. O primeiro fator é a velocidade e a violência da reação dos mercados.
A queda de 10,5% no S&P 500 em apenas dois dias, verificada entre quinta e sexta-feira, é um sintoma de pânico dos investidores muito fora do normal.
Antes da semana passada, declínios de 10% ao longo de dois dias consecutivos tinham acontecido apenas em três ocasiões desde 1952, todas em datas que arrepiam os investidores que acompanham mercados há tempos: em outubro de 1987, novembro de 2008 e março de 2020.Em todas essas ocasiões, ocorreram ou nos estágios inicias, ou no meio de períodos de grandes quedas nas bolsas. Pode ser apenas coincidência, é claro. Mas se a história não necessariamente se repete, normalmente ela rima.
“Se de fato a violência do sell-off for um sintoma de um grande bear market, então os preços das ações nos Estados Unidos ainda têm muito a cair”, escreve Anatole Kaletsky, economista-chefe da Gavekal.
O S&P fechou a sexta apenas 17% abaixo do seu all-time high. Isso se compara uma queda de 33% do pico ao fundo das cotações em 1987, 56% em 2008 e 2009 e 34% em 2020.
O comportamento do mercado acionário nos Estados Unidos, contudo, é essencialmente uma função das expectativas em relação ao que vai acontecer com a demanda da economia americana, aponta o analista.
E aqui as perspectivas não são boas. “Uma recessão nos Estados Unidos agora parece inevitável, começando no terceiro trimestre”, vaticina, destacando que está mais pessimista que o JPMorgan, que previu uma probabilidade de 60% de encolhimento da economia americana já neste ano.
Nesse caso, o principal temor de Kaletsky não é o “toma-lá-dá-cá” com a China ou a Europa, ou a imprevisibilidade total da economia, que afeta a confiança dos empresários e dos consumidores. Ainda que esses fatores sejam importantes, a principal questão diz ele, é o aperto fiscal trazido pelas tarifas.
“As enormes tarifas de Trump vão representar o maior aumento de impostos nos Estados Unidos desde a década de 1960, e possivelmente desde a Segunda Guerra Mundial”, diz.
“Esse grande aperto fiscal, estimado entre US$ 300 bi e US$ 800 bi anualmente — equivalente entre 1% e 3% do PIB americano – vai atingir a atividade econômica americana e o emprego de maneira muito forte a partir do terceiro trimestre.”
Fora dos Estados Unidos, o grau de contágio da economia global vai depender essencialmente da reação da Europa e da China em contra-atacar com políticas fiscais mais agressivas para estimular suas economias domésticas — e por, consequência, o comércio global para além dos americanos.
“Há uma chance decente de que eles vão fazer isso, dado que Donald Trump chacoalhou formuladores de políticas em Berlim, Bruxelas e Pequim de seu torpor que durava mais de uma década”, pondera o economista.
“Mas confiar na sabedoria dos políticos europeus e chineses nesse sentido têm sido uma aposta errada já por um longo tempo. É por isso que eu estou assustado e que os mercados estão corretos de se sentir em pânico nesta segunda-feira de manhã.”
Do lado positivo, a Gavekal vê três possíveis medidas que podem reverter um grande bear market.
Em primeiro lugar, o Fed pode vir ao resgate do mercado cortando as taxas de juros agressivamente para compensar o aperto fiscal. “Isso é muito pouco provável. As tarifas vão colocar a inflação americana fora do seu platô de 2,5% a 3% para pelo menos 4% e vão eliminar qualquer esperança de um retorno para 2%, mesmo no longo prazo”, diz o economista.
Caso um corte mais agressivo realmente aconteça, isso pode estimular um rali no mercado – mas com implicações agridoces para o médio e longo prazo.
“Se o Fed se tornar incontestavelmente dovish num momento que a inflação vai a 4% ou mais, uma inflação muito maior vai se tornar o “novo normal” para a economia americana. Isso, por sua vez, vai se destravar uma espiral de aumentos de preços e salários, trazendo os preços dos bonds para cima e das ações para baixo.”
(Nota da editora: qualquer semelhança com a economia brasileira — e com os memes de Donald Trump se confundindo com Dilma Rousseff — não são mera coincidência.)
Outro cenário que poderia compensar o efeito das tarifas seria o Congresso americano concordar muito rapidamente com uma lei de grandes cortes de impostos — que precisariam ser feitos imediatamente e não adiados até 2026. “Isso parece ainda menos provável que um resgate pelo Fed”, alerta Kalestky, já jogando um balde de água fria.
As maiorias republicanas nas duas casas são tão pequenas que a chance de qualquer consenso desse sentido, ao menos por ora, é ínfima. Isso não significa que o Congresso não vai conseguir eventualmente passar um orçamento com cortes de impostos.
Mas sugere que será necessário um maior senso de urgência, como na crise de 2008, para passar e rapidamente colocar em vigor os cortes de impostos necessários para compensar o impacto das tarifas.
Por fim, se você chegou até aqui, uma esperança realmente mais concreta por parte da Gavekal: a consultoria está otimista com a possibilidade de que Europa e China possam responder a Trump com injeções fiscais mais contundentes — e urgentes.
“Eu ainda acho que um estímulo fiscal por parte da Europa e da China é provável, na medida em que os formuladores de políticas ao redor do mundo cheguem ao entendimento de que o perigo mais imediato das tarifas dos Estados Unidos não é a disrupção do comércio global, mas simplesmente um possível colapso na demanda global”, diz Kalestky.
Seu grau de convicção nesse cenário? “Sou otimista o suficiente para acreditar nesse resultado. Mas não sou corajoso o suficiente para colocar dinheiro nisso.”