Rogerio Xavier: “A dicotomia entre o desempenho da Main Street e de Wall Street é uma preocupação razoável” (SPX/Divulgação)
Editora do Exame INSIGHT
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 19h43.
Última atualização em 23 de setembro de 2025 às 11h14.
Em tempos de bolsas nas máximas históricas nos Estados Unidos, sempre vale ouvir Rogério Xavier para questionar o otimismo. O gestor da SPX Capital já se autointitulou um ‘urubu’ contumaz e, dessa vez, não foi diferente.
“A dicotomia entre Wall Street e a Main Street é uma preocupação razoável”, alertou no painel que reúne anualmente a tríade de titãs da gestão de multimercados no Macro Day, do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), sob a batuta de André Esteves.
“Em 2007, o S&P também estava nas máximas e depois estourou a maior crise da década de 1930. Não é porque a bolsa está indo bem que não temos algo por trás que não precise ser investigado.”
Xavier vê sinais de uma desaceleração importante na maior economia do mundo e que pode comprometer a trajetória de crescimento da economia global.
“A redução dos juros pelo Fed tem uma razão. Não saiu de um desejo do Trump de reduzir os juros, mas de uma realidade que é o aparecimento de um mercado de trabalho mais fraco nos Estados Unidos. Ele está se enfraquecendo há dois anos, olhando as correções feitas recentemente. É um sinal preocupante.”
De acordo com ele, a IA já está permitindo uma substituição de parte da força de trabalho, o que tende a acelerar o movimento. “Vamos ter ganhos de produtividade, mas não acho que isso assegure na mesma medida o potencial de crescimento da economia americana”, afirmou.
André Jakurski, da JGP, vai na mão oposta: vê alguma desaceleração nos Estados Unidos, mas não muito relevante, especialmente com a expansão fiscal contratada via a Big Beautiful Bill, cujos gastos não serão compensados pelas tarifas.
Nesse sentido, o maior risco é o de o Fed exagerar na dose na queda dos juros. “O mercado precifica uma queda maior que o Fed. Não sei se essa é uma expectativa racional: ou o mercado está prevendo um novo chairman muito benevolente [na queda dos juros] ou uma recessão”, afirma.
Ele afirmou não conseguir vislumbrar um cenário de queda relevante para a bolsa no médio prazo. Mas, alavancando sua experiência de mais de décadas no mercado, fez um alerta olhando para a história: “Só vi duas vezes o Fed baixar a taxa de juros com as ações de bancos e bolsa no máximo histórico. É raro. Aconteceu em 1995 e 1996 — e tivemos uma bolha na bolsa até 2000.”
Luis Stuhlberger, do Verde, por sua vez, tomou o caminho do meio:
“Fala-se muito sobre o fim do excepcionalismo americano. Eu vejo o fim do excepcionalismo do governo americano, mas não das empresas. Esse excepcionalismo de tecnologia, inovação. Por isso não abro short.”
Em meio a um cenário de aumento de gastos nos Estados Unidos, os três gestores mostraram preocupação com o déficit fiscal, que deve beirar os 7% do PIB.
Com a desigualdade cada vez mais acentuada pelas medidas, Jakurski trouxe a preocupação de medidas de “repressão financeira”, como a volta do quantitative easing e impostos sobre patrimônio, que já estão senso aventadas no França.
Xavier tropicalizou o argumento para mostrar como o governo deve lidar com o seu déficit: “No final, acho que os Estados Unidos estão caminhando para um grande Brasil”, disse. “No fim, é jogar o overnight para o menor nível possível e transformar parte da dívida americana em uma grande LFT, dando linhas para que os bancos entrem e comprem títulos na mesma maturidade.”
Em outras palavras: os títulos seriam pós-fixados, em vez de pré-fixados, tirando o risco de marcação a mercado e permitindo que os bancos domésticos financiem boa parte da dívida.
“Na regulação, eles vão permitir que os bancos se alavanquem longamente. O resultado é que os próprios americanos vão financiar os Estados Unidos, mas sem risco de preço”, diz.
Um dos poucos consensos é o de dólar para baixo. A desvalorização no ano aconteceu em cima de uma base muito alta e, em termos relativos, a bolsa ainda está um pouco acima do preço médio de longo prazo, afirmou Stuhlberger.
Ele vê um espaço relevante para recuos adicionais na moeda, especialmente com o ciclo de afrouxamento monetário
“Vimos o que uma política ultra dovish fez com o iene. Não acredito em taxa negativa nos Estados Unidos, é claro, mas se chegarmos a um juro real zero numa realidade de um Fed muito dovish, a desvalorização da moeda vai ser grande”, aponta.
Boa parte do capital que está entrando nos Estados Unidos está entrando hedgeado, aponta o gestor, o que deve dar força ao movimento — que só não acontece de maneira abrupta porque os grandes fundos internacionais têm um timing mais longo para aprovar mudanças em seus comitês de investimento.
O movimento é o desejado por Trump, que, na ausência do controle fiscal, quer fazer um ajuste via o balanço de conta corrente, aponta o gestor do Verde.
“Estamos com bolsa para cima e dólar para baixo. De certa forma, tudo que o Trump queria está acontecendo”, resume Jakurski.