Não é fácil encontrar quem consiga ir além da jaqueta de couro de sempre ao perfilar o empresário do momento. O autor Stephen Witt conseguiu. (Arte/Exame)
Diretor de redação da Exame
Publicado em 30 de setembro de 2025 às 12h16.
Última atualização em 30 de setembro de 2025 às 13h42.
Jensen Huang, fundador da gigante de chips Nvidia, não sai dos holofotes desde que sua empresa virou a mais valiosa do mundo. Hoje, a Nvidia vale US$ 4,5 trilhões e Huang sozinho tem mais de US$ 157 bilhões de fortuna, a oitava maior do planeta.
Mas não é fácil encontrar quem consiga ir além da jaqueta de couro de sempre ao perfilar o empresário do momento. O escritor americano Stephen Witt conseguiu, no livro “A máquina que pensa”, recém-lançado no Brasil pela Intrínseca.
Matemático de formação, Witt fez mais de uma centena de entrevistas para entrar na história e na mente de Huang. Parte da história é conhecida: nascido em Taiwan, Huang foi mandado pelos pais aos 12 anos para um internato no interior dos Estados Unidos. Lá, sofreu todo tipo de bullying e começou a mostrar uma inteligência e uma resistência que marcariam sua carreira.
SAIBA ANTES: Receba as notícias do INSIGHT no seu Whatsapp
Huang começou a malhar todos os dias, virou campeão escolar de tênis de mesa, mergulhou nos estudos. Fundou a Nvidia em uma unidade da rede de fast food Denny's com marcas de balas na parede. Mesmo com os altos e baixos do negócio, se manteve firme no comando por 31 anos – é o CEO mais longevo entre as maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos.
A obra revela detalhes saborosos da carreira e da rotina do empresário.
Há mais de três décadas ele pula da cama às 4h com o mesmo questionamento: "Tem algo específico que possa nos tirar do mercado hoje?". Durante anos, começou suas apresentações com um mantra: "Nossa empresa está a trinta dias de fechar as portas". Manteve a prática mesmo depois que seus chips dominaram o mercado de jogos e, depois, de inteligência artificial.
Huang dedica as primeiras horas do dia para o projeto de longo prazo que considera mais importante. "Acreditava que, se cuidasse logo disso, o dia não teria sido desperdiçado, não importava o que acontecesse".
O próximo grande projeto, revela o autor, pode ser uma rede neural, que está sendo desenvolvida com o codinome "Project Strawberry". "Pois bem, então pergunte a si mesmo: quando o custo marginal do cálculo matemático cai para zero, o que você faz?".
Seu estilo de gestão mudou pouco ao longo das décadas. A Nvidia sempre buscou mercados ainda inexistentes, com produtos que inicialmente seriam usados por poucos aficionados – pesquisadores de ponta, a nata dos gamers ou os nerds de manual. Era o "mercado de zero bilhões de dólares".
Além disso, demandava a eficiência "na velocidade da luz". Ou seja, os funcionários deveriam encontrar o jeito mais rápido de executar um projeto, dentro dos limites de capacidade e tecnologia existentes.
Além disso, Huang nunca foi um grande fã de delegar, nem de hierarquia rígida. "O alto escalão era essencialmente ele, sem diretor de operações, diretor de tecnologia, diretor de marketing nem um número dois definido", diz Witt.
Tinha mais de 30 pessoas respondendo para ele e, quando começava um novo projeto, sugeria que o executivo responsável imaginasse que os milhares de funcionários estivessem aglomerados no estacionamento da empresa e que ele pudesse escolher quem quisesse. Era assim que funcionava.
Sua intensa dedicação ao trabalho reservou pouco tempo para os hobbies. Huang gosta de carros de luxo, de uísques e de cozinhar numa chapa estilo teppan que instalou numa cozinha de ponta em sua mansão na Califórnia.
O foco na empresa levou os filhos para outros campos. "Os dois filhos foram para o ramo do atendimento ao público, mas, depois de leve pressão paterna, retornaram ao rebanho", diz Witt.
Madison se formou como chef na França e trabalhou na LVMH de Paris, antes de ser contratada como estagiária de marketing pela Nvidia. Spencer fundou um "laboratório de coquetéis" em Taipei que chegou a ser um dos 50 melhores bares da Ásia.
Em 2022 entrou na Nvidia na área de robótica. Aparentemente, não têm tratamento especial. "Eles criam apresentações. Participam de reuniões chatas e intermináveis. Comem na cantina", contou um funcionário.
Parte importante da obra trata do medo de que a inteligência artificial adquira consciência e, num limite, ameace a humanidade. Huang é um duro crítico dessa visão. Para ele, os efeitos benéficos são semelhantes aos da agricultura, da eletricidade, da calculadora.
“Reduzimos a zero o custo marginal das coisas, geração após geração, e essa mesmíssima conversa volta todas as vezes!”, gritou ao autor numa conversa.
Em outra parte do livro, Huang simplificou sua visão. "Veja bem, quando você compra um cachorro-quente, a máquina recomenda ketchup e mostarda. Isso é o fim da humanidade?".
Os chips que permitem essa recomendação um tanto simplória fizeram a empresa de Jensen Huang a mais valiosa da história.