Esteves: pragmatismo deve prevalecer na discussão de tarifas (Leandro Fonseca/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 26 de fevereiro de 2025 às 15h18.
Os primeiros dias do governo de Donald Trump trouxeram uma boa dose de incerteza ao cenário geopolítico internacional – tanto no campo da guerra tarifária quanto na postura dos Estados Unidos em relação à intermediação na guerra entre Rússia e Ucrânia.
André Esteves, sócio e chairman do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), está menos preocupado com o primeiro fator, mas tem dedicado mais tempo a acompanhar o segundo.
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“O Trump é um pacote complexo”, disse durante seu tradicional painel na CEO Conference, realizada em São Paulo. “Uma coisa inegável é que acho que o Trump traz vários problemas, e o principal deles é o risco ao multilateralismo.”
A avaliação de Esteves é que Trump, como todo homem de negócios, não gosta de guerra e deve se esforçar para encerrá-la, o que é um ponto positivo.
“Se ele vai gerar uma guerra por uma série de atitudes desastradas? Pode acontecer. Mas eu não acho que é a intenção.”
O problema, como quase tudo que ronda o presidente, é a forma como a diplomacia está sendo conduzida – o que incluiu mandar o secretário do Tesouro, Scott Bessent, com um documento de três páginas para negociar os termos de cessar-fogo diretamente com Vladimir Putin.
“O maior problema é colocar em jogo a aliança entre Europa e Estados Unidos e o risco que isso traz para o multilateralismo – que, bem ou mal, foi bem-sucedido e liderado pelos próprios Estados Unidos”, afirmou. “Ao abrir mão do multilateralismo, no fim do dia, os maiores perdedores podem ser os próprios americanos.”
Sublinhando o cenário de mundo em transe que vem confundindo os mercados, ainda que esteja acompanhando a situação de perto, o banqueiro não arrisca dizer o que viria nesta nova ordem.
O tom foi o de que se trata de um sinal amarelo – e não de uma red flag, como estava tratando o entrevistador William Waack, que vê uma situação mais iminente de nova ordem mundial.
“É sempre muito difícil para nós, no presente, reconhecer o que estamos vivendo. Pode ser que tenhamos uma nova ordem mundial ou pode ser que aconteça simplesmente nada. Pode ser uma bufanice, podem ser acordos bilaterais que vão sendo negociados, mas que não mudam muito”, afirmou. “Vale dizer que o Trump passou quatro anos no governo e não mudou muita coisa.”
Na discussão das tarifas, Esteves disse que se trata mais de um viés ideológico do que racional – e sinalizou que acredita que o pragmatismo deve prevalecer, fiado principalmente pelo secretário do Tesouro.
“Existe uma ala dentro da Casa Branca que acredita que todo déficit é exportar crescimento, o que, para mim, não faz sentido. Os Estados Unidos têm déficit pelo menos desde 1970 e, desde então, foram a economia mais bem-sucedida do mundo.”
Dentro da tática do presidente de avançar em exclamações para recuar em reticências, o banqueiro acredita que se trata mais de uma iniciativa para conseguir alavancar negociações do que necessariamente para a implementação das tarifas em si.
“Ele falou de anexar o Canadá, de transformar o Golfo do México em Golfo da América, falou das tarifas, foi para lá e para cá e, até agora, não aconteceu muita coisa. Teve muita verborragia, mas não houve mudança no lado tarifário.”
Ainda olhando o cenário geopolítico, o banqueiro reconhece o potencial da China na inovação tecnológica, que ficou claro com o lançamento do DeepSeek, como uma mudança relevante no cenário internacional.
Mas, na sua visão, esse fator deve ter mais efeito sobre a bolsa americana – que está priced to perfection e pode sofrer correções com a ameaça de disrupção em inteligência artificial – do que para um rearranjo de poder global.
“A economia chinesa está de lado, na melhor das hipóteses”, ponderou. Além do esgotamento do ciclo de crédito no país, o que mais o preocupa é a queda do crescimento demográfico.
“Tem uma coisa que se deteriorou muito, de uma maneira menos previsível, que é a taxa de natalidade. Se você entrar no ChatGPT e perguntar qual será a população da China em 2100, ele vai responder 567 milhões de pessoas – o que provavelmente está errado, mas a direção é chocante”, afirmou.
“Se não for 500 e poucos milhões, será 700 e poucos. É um encolhimento de quase metade em menos de um século. Civilizações desapareceram por isso no passado.”
No cenário conjuntural, o banqueiro vê com bons olhos um fator que passou quase despercebido: a aproximação do presidente Xi Jinping com empresários da tecnologia, numa reunião convocada na semana passada, que incluiu Jack Ma, dono do Alibaba.
“O Jack Ma vivia isolado em Tóquio, precisava de visto para ir à China. Havia um distanciamento da liderança política do mundo empresarial, inclusive na área de tecnologia. Vi isso como um certo simbolismo, talvez em relação exatamente ao momento difícil que a economia chinesa está vivendo.”
Trazendo a discussão para o cenário doméstico, a avaliação de Esteves é que, no tiroteio das tarifas, o Brasil é um dos poucos países que deve passar quase incólume.
“Estamos à margem dessa briga. Tarifas são instrumentos mais aplicáveis a produtos industriais, e nós exportamos commodities. Produzimos muito alimento: o Brasil será responsável por atender 80% do crescimento da demanda por alimentos. Por isso, temos uma certa relevância geopolítica, não pela localização geográfica ou alianças.”
Questionado pelo entrevistador William Waack se o Brasil não poderia entrar na alça de mira dos Estados Unidos pelos conflitos entre Elon Musk e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ele foi categórico:
“Isso alimenta manchetes de jornal, mas não vai muito longe. O Elon Musk tem mais com o que se preocupar. Se ele falar uma bobagem aqui ou ali, não é importante. São pequenos alertas, claro, mas é mais barulho do que fato.”