Ambipar: Das 65 páginas do pedido de proteção contra credores, 32 são apenas para listar as subsidiárias da empresa (Divulgação/Site Exame)
Editora do Exame INSIGHT
Publicado em 26 de setembro de 2025 às 10h05.
Última atualização em 26 de setembro de 2025 às 10h35.
Olhando o balanço da Ambipar, é difícil entender por que a companhia entrou com um pedido de proteção contra execução de dívidas e está flertando com a recuperação judicial.
Ao fim de junho, a liquidez era abundante: quase R$ 5 bilhões em disponibilidades, dos quais R$ 2,6 bilhões em caixa ou outras aplicações de resgate imediato e mais R$ 2,1 bilhões num fundo de direito creditório (FIDC) com resgate entre 30 e 60 dias.
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Na petição enviada a Justiça do Rio, a Ambipar afirma que entrou com processo por não concordar com a cobrança de chamadas de margem em contratos de derivativos em empréstimos firmados com o Deutsche Bank, que teriam chegado a mais de R$ 200 milhões nos últimos dias.
É bastante dinheiro. Mas, em tese, a companhia tem liquidez para arcar com ele e questionar o pagamento na Justiça. Ou, ao menos, para convencer o restante dos credores de que se tratava de uma situação pontual e que deveria não disparar um cross-default para os R$ 10 bilhões de dívida total.
A medida extrema tomada pela Ambipar reforça uma dúvida que vinha pairando sobre o mercado e os credores nas últimas semanas: onde está o dinheiro da companhia?
A primeira questão, que já vem mais tempo, diz respeito ao FIDC que concentra quase metade do caixa. Há pouca transparência sobre o que é o instrumento e o que ele financia, apenas uma linha nas notas explicativas comunicando sua existência. Nada sobre ele no formulário de referência, o raio X corporativo que precisa ser entregue e mantido atualizado junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Não dá para saber o que tem lá dentro e o que é efetivamente caixa”, diz uma fonte que acompanha de perto a companhia.
Outra questão ainda maior é onde estão os R$ 2,6 bilhões que constam efetivamente como aplicações de liquidez imediata no balanço.
Segundo três fontes ouvidas pelo INSIGHT, na semana passada, bancos credores começaram a trocar mais informações e questionar a Ambipar. Tiveram informações desencontradas, o que acendeu uma luz amarela.
A conclusão é que ao menos a maior parte dele não está nos bancos mais tradicionais no Brasil e sim espalhado em diversas instituições, a maioria fora do país.O que deveria ser uma resposta simples se tornou uma tarefa complicada porque, societariamente, a Ambipar é uma colcha de retalhos de centenas de CNPJs dentro e fora do Brasil, frutos da incorporação de diversas empresas que foram adquiridas ao longo dos últimos anos, em meio à expansão acelerada da companhia.
Nas 65 páginas do pedido de cautelar, 32 páginas são apenas para listar as mais de 300 empresas que fazem parte do grupo.
“Em tese, o caixa está espalhado nessas várias subsidiárias, algumas em que, apesar de o valor total ser consolidado no balanço da Ambipar, há minoritários, outras que estão em jurisdições como Cayman, Panamá”, diz um dos interlocutores. “É difícil puxar o fio e dizer o quanto está efetivamente disponível.”
As agências de rating também fizeram alguns alertas. Na semana passada, tanto Fitch quanto S&P colocaram a nota de crédito da companhia em observação negativa, indicando possível rebaixamento. Ambas afirmam que a Ambipar tem boa liquidez, mas alertam para problemas de governança e em relação a transparência do balanço.
A S&P foi mais categórica: “Acreditamos que há riscos sobre a liquidez de curto prazo da companhia, dado que uma porção de sua posição de caixa está investida em instrumentos que não tem liquidez imediata.Esses assuntos, junto com o turnover da direção e de conselho, potencialmente indicam uma falta de supervisão sobre as práticas de capital e governança da companhia”, afirmou a agência em nota.
Nos últimos dias, houve uma debandada de diretores da empresa: o diretor jurídico, Mauro Nakamura, saiu no fim de semana, seguido por Pedro Petersen, RI.
O CFO, João Arruda, que veio do Bank of America com o mandato de racionalizar e integrar as operações da companhia há pouco mais de um ano, saiu na terça-feira.Ele era considerado o principal esteio na comunicação com o mercado e no processo de governança.
Foi o estopim para um sell-off mais profundo nos green bonds da empresa, que sofreram um tombo relevante e antes mesmo do pedido de proteção contra credores já eram negociados a pouco mais de 30% do valor de face. (Ontem, com o pedido da cautelar caíram para o nível de 20%).
Os investidores institucionais de equities já tinham abandonado a tese desde o começo deste ano, após uma valorização de mais de 30 vezes nas ações sem base nos fundamentos ao longo do segundo semestre do ano passado (90% em apenas dois pregões em dezembro).
Já os investidores de dívida começaram a colocar mais escrutínio a partir da crise do banco Master.
Parecer da área técnica da CVM mostrou que as compras que levaram à valorização expressiva na Bolsa foram feitas pelo controlador Tércio Borlenghi, pela tesouraria da própria empresa, além de fundos ligados ao empresário Nelson Tanure e ao Master.
Os acionistas escaparam de ter que fazer uma oferta pública de aquisições (OPA) por atingimento de participação porque a autarquia considerou que não foi um movimento de compra coordenada.
(O xerife do mercado de capitais segue investigando as práticas de recompra de ações da empresa.)
A investidores, a Ambipar tem dito que não tem nenhuma exposição ao banco. Procurada, a empresa não retornou até a publicação desta reportagem.