Outdoor da Marlboro nos EUA na década de 1990: Mais de 60% da receita da PMI ainda vem do cigarro tradicional (Bill Nation/Sygma/Getty Images)
Publicado em 20 de junho de 2025 às 13h12.
Última atualização em 20 de junho de 2025 às 13h14.
A indústria de cigarros é uma das primeiras que vem à mente quando se pensa num ‘dying business’. Mas a disparada das ações das gigantes do tabaco neste ano pode fazer você pensar duas vezes.
Os papéis da British American Tobacco (BAT) sobem quase 25%. Mas a estrela do ano é mesmo a Philip Morris International (PMI), dona do Marlboro fora dos Estados Unidos, que acumula alta de 50% no ano, vem renovando máxima atrás de máxima histórica e é um dos principais destaques do S&P 500.
Quem reinvestiu os dividendos da PMI nos últimos cinco anos mais do que triplicou o capital — superando os retornos de Apple e Microsoft no mesmo período.
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É um alerta para os ativistas ESG e investidores que acreditavam se tratar de um setor terminal. Mas, mais do que isso, traz uma verdade que pode ser ainda mais inconveniente: a força de um modelo de negócio baseado em dividendos generosos e recompra de ações — e não necessariamente em disrupção tecnológica.
A PMI opera com múltiplos ambiciosos, muito baseada numa tese de inovação: negocia a 20 vezes o lucro esperado, patamar próximo ao pico de dez anos atrás, quando o mercado enxergava no vaping a próxima grande revolução.
Desta vez, o entusiasmo se concentra em um novo nicho: os “nicotine pouches”, sachês de nicotina que se colocam entre a gengiva e o lábio.
Líder nesse segmento, a PMI vem colhendo os frutos da aquisição da sueca Swedish Match, concluída em 2023, dona do Zyn — produto que virou febre nos Estados Unidos e ajudou a companhia a alcançar seu maior fluxo de caixa operacional da história no último ano.
Os sachês, que não contêm tabaco e são usados discretamente sob o lábio, têm hoje margem de lucro maior do que os cigarros tradicionais.
A guinada estratégica tem como rosto o CEO Jacek Olczak. Polonês de 60 anos e usuário do dispositivo IQOS (que aquece, mas não queima o tabaco), ele assumiu o comando da Philip Morris em 2021 com uma meta clara: fazer com que 67% da receita venha de produtos livres de fumaça até 2030. No ano passado, esse percentual foi de 38,7%, contra 24,2% no ano anterior à sua chegada.
Olczak costuma repetir que “os cigarros deveriam estar em museus”, uma frase um tanto controversa, já que, em 2024, sua empresa ainda vendeu mais de 600 bilhões de unidades.
Para ele, uma coisa depende da outra: se a Philip Morris abandonasse o mercado, competidores como a BAT ou estatais asiáticas preencheriam o espaço. Seu argumento é que o melhor caminho para acelerar a transição é usar o fluxo de caixa dos cigarros para investir em alternativas menos nocivas.
Mas o fato é que o presente — e o fluxo de caixa que remunera os investidores — ainda tem cheiro de cigarro.
Apesar dos investimentos na diversificação do portfólio, cerca de 75% das vendas das grandes tabaqueiras ocidentais ainda vêm de produtos combustíveis, como o cigarro tradicional.
A queda no número de fumantes — de um terço da população global em 2000 para um quinto em 2025 — tem sido compensada pelo crescimento demográfico e por estratégias de aumento de preço, o que permitiu às empresas manter e até ampliar margens.
E os produtos de nova geração também tem seus desafios regulatórios. A França já proibiu os sachês de nicotina. Na Austrália, são considerados medicamentos e só podem ser vendidos com prescrição. Há o risco de que o mesmo cerco que travou o avanço dos vapes se repita.
Há ainda uma cerca adequação ao novo zeitgeist. Enquanto o mundo discute o fim do ‘excepcionalismo americano’ e o futuro da economia do Estados Unidos sob Trump, poucos negócios são menos sensíveis a ciclos econômicos do que o tabaco. Afinal, as pessoas insistem em continuar fumando, com ou sem recessão.
Completa o pacote o fato de a Philip Morris oferecer diversificação geográfica e estar protegida da guerra comercial. (De fato, a fumaça de tabaco e nicotina se adequa bem à vibe de um retorno ao protecionismo em patamares que só se viu na década de 1930.)
“O impacto das tarifas será mínimo, pois a empresa gera a maior parte de sua receita fora dos Estados Unidos e suas cadeias de suprimentos são amplamente regionalizadas”, disse o analista Garrett Nelson, da consultoria independente CFRA, à Barron's.
A casa elevou a recomendação para as ações da dona do Marlboro à ‘compra’ em abril, mesmo depois de uma alta de mais de 30% nos papéis.
A indústria de cigarros como a conhecemos pode até acabar um dia – mas antes disso ainda vai distribuir muitos dividendos.