Aeroporto de Congonhas: um dos mais movimentados do Brasil. (Germano Lüders/Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 1 de junho de 2025 às 11h39.
Última atualização em 2 de junho de 2025 às 16h26.
Delhi* – Enquanto a Azul completa a tríade das grandes brasileiras que precisaram recorrer ao Chapter 11 para tentar reorganizar a casa, o setor aéreo brasileiro se prepara para enfrentar um ambiente mais complexo conforme a reforma tributária começa se impor.
Os custos devem aumentar e a demanda brasileira pode cair até 30%, nos cálculos da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). A principal preocupação gira em torno da proposta de imposto sobre valor agregado (IVA) com uma alíquota estimada em 26,5%.
De acordo com Peter Cerdá, vice-presidente regional para as Américas da Iata, esse aumento pode ter um impacto “muito negativo” e seria um “desastre para toda a indústria, que afetará não apenas as companhias aéreas brasileiras, mas também as internacionais, colocando em risco a conectividade”.
Pelos cálculos da associação, a alíquota deve impor um aumento do custo médio de voos domésticos de cerca de US$ 130 para US$ 160. Já para os voos internacionais, o custo médio, atualmente em US$ 740, poderia saltar para US$ 935. Com isso, segundo a Iata, a demanda doméstica tende a cair 30%.
O tema ganhou relevância na associação, especialmente por preocupação das companhias internacionais, segundo executivos ouvidos pelo INSIGHT.
Nacionalmente, o aumento de custo deve se somar ao impacto do aumento do IOF que, pelos cálculos da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Brasileiras), deve superar os R$ 600 milhões anuais.
“É justamente o consumidor brasileiro que deve ser o mais afetado”, diz Cerdá. De acordo com ele, o Brasil tem grande potencial de crescimento do mercado. Hoje, a frequência de viagens per capita é baixa, de 0,62 por ano. “Esse índice deveria ser de uma frequência deveria estar acima de 1 por ano”, diz.
Ao apresentar os números em sua conferência anual de 2025 em Delhi (Índia), a Iata mostrou dados dareceita por passageiros pagantes transportados em um quilômetro (RPK, na sigla em inglês) em abril de 2025 para a região da América Latina e do Caribe. Ante mesmo período do ano passado, o indicador aumentou 10,9%, puxado especialmente pelo avanço do mercado em países como Colômbia, Guatemala e Argentina. Globalmente, o avanço foi de 8%.
Cerdá questiona o governo brasileiro sobre a prioridade dada ao transporte aéreo e ao turismo.
“Não queremos enfrentar o governo Lula, não queremos brigar com ele. Queremos colaborar. Mas quando há um IVA de 26,5% nas passagens aéreas, 14% de imposto no combustível, quando a litigância é a mais alta da região e se pode processar uma companhia aérea por qualquer razão, isso impede o crescimento do setor. Minha pergunta ao governo do presidente Lula é: onde está o transporte aéreo e o turismo na sua agenda?”
Ainda de acordo com o executivo, o governo brasileiro é vocal sobre a necessidade de mais competição no setor de que os preços sejam mais baixos, mas não está disposto a ajudar nessa missão. Ele afirma que a indústria deve buscar eficiência, mas o governo precisa cumprir o papel de aliado estratégico, “superando as muitas barreiras regulatórias que o Brasil acumulou, mas não à custa das companhias aéreas”.
A Azul anunciou seu pedido de Chapter 11 na última semana. O executivo da Iata evitou falar do caso específico da companhia brasileira, mas apontou que esse foi o único caminho encontrado pela empresa e se mostrou otimista com o processo. Pelas estimativas da Azul, o Chapter 11 pode ser concluído ainda no fim deste ano, contrapondo ao ritmo mais lento dos processos de Latam e Gol – a chileno-brasileira levou 24 meses e a Gol deve concluir seu processo em breve, cerca de 18 meses depois.
“As companhias que já passaram pelo Chapter 11 saíram muito mais saudáveis, em uma posição melhor — e, de fato, estamos vendo que estão tendo sucesso de forma bastante eficaz. Presumimos que o mesmo acontecerá com outras empresas que estão atualmente passando pelo processo.”
De acordo com Cerdá, a indústria está em uma "fase de consolidação", onde se vê a formação de "grandes grupos, como o IAG, o Grupo ABRA, o Lufthansa Group", e o futuro do mercado brasileiro depende das necessidades do consumidor, podendo ser uma fusão, aliança ou grupo.
Ao contrastar a situação brasileira, Cerdá aponta para o exemplo da Argentina. Segundo ele, o maior destaque no momento são as ações do governo Milei.
Entre essas iniciativas não vistas há décadas estão acordos abertos, eliminação de monopólios, mais transparência, colaboração e comunicação.
Essas ações não existiam "durante muitos anos em administrações anteriores, e o importante agora é que elas se traduzam em frutos reais".
O diretor da Iata observa que, com a abertura internacional e doméstica, a JetSmart está crescendo de forma positiva. Companhias como a Latam estão voltando a voar para Miami, e a Iberia está fortalecendo sua presença. Há também novos entrantes no mercado. Isso é visto como positivo, tanto no mercado doméstico quanto no internacional.
Além disso, Cerdá considera "muito positivo que a Aerolíneas Argentinas esteja se recuperando como empresa — teve lucros e está crescendo".
*A repórter viajou a convite da Iata