Patrocínio:
(imaginima/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 13 de julho de 2025 às 11h00.
Em fevereiro de 2024, após mais de seis anos desde a sua solicitação, o Federal Reserve (Fed) negou o pedido do The Narrow Bank (TNB) para obter uma conta mestra. A justificativa do Fed foi que conceder uma conta mestra ao TNB "representaria um risco indevido à estabilidade do sistema financeiro dos EUA e afetaria adversamente a capacidade [do Fed] de implementar a política monetária", especialmente "em tempos de estresse financeiro ou econômico".
Mas qual o modelo de negócios do TNB que o torna um risco a todo o sistema financeiro dos EUA?
Para entender o modelo de negócios do TNB e a consequente recusa, é necessário compreender como o sistema bancário tradicional funciona.
Na sua essência, o negócio bancário é a intermediação financeira. Um banco se propõe a guardar o dinheiro do cliente e se compromete a devolvê-lo assim que solicitado, cobrando taxas por essa custódia. Além disso, oferece outros serviços, como a concessão de empréstimos.
Nessa atividade, o banco efetivamente cria dinheiro "do nada" ao fazer um registro contábil de um ativo (como um financiamento imobiliário) e um passivo (um depósito à vista recém-criado). Essa operação envolve um descasamento de prazos, no qual o banco financia ativos de longo prazo com passivos de curtíssimo prazo (depósitos à vista).
Esse descasamento de prazos é um risco do setor bancário. Os bancos recebem depósitos à vista, que podem ser sacados a qualquer momento, mas emprestam esse dinheiro em operações de longo prazo. Assim, se muitos clientes quiserem sacar seus depósitos ao mesmo tempo, o banco pode não ter recursos disponíveis, pois boa parte do dinheiro ainda está emprestada e não retornou.
Esse risco é ampliado pelo sistema de reservas fracionárias, no qual os bancos mantêm apenas uma pequena parte dos depósitos em caixa, usando o restante para conceder crédito. Isso pode gerar insolvência caso haja uma corrida por saques.
Sabendo como funciona o modelo de negócios de um banco tradicional, fica fácil entender o modelo proposto pelo TNB: ele se resume à guarda de recursos dos clientes, sem oferecer serviços bancários tradicionais como empréstimos. O TNB mantém 100% de reservas líquidas, o que significa que não há descasamento de prazos e, portanto, não corre o risco de sofrer uma corrida bancária, já que poderia honrar todos os saques de forma imediata.
Mas se o TNB não empresta dinheiro a juros maiores do que o que paga aos correntistas, como obtém receita? Ele emite uma nota, cédula ou token na mesma quantidade depositada, para que seus correntistas usem no dia a dia, e investe os valores depositados em títulos públicos de curtíssimo prazo, como os do Tesouro dos EUA, atualmente rendendo cerca de 5% ao ano. Portanto, seu faturamento seria de 5% sobre todo o montante depositado.
Um banco com esse modelo de negócios é chamado de “narrow bank”, ou banco restrito.
Agora então é possível entender a ironia na recusa do Fed à operação do TNB com a justificativa de risco ao sistema financeiro.
A preocupação do Fed era que a segurança de um narrow bank como o TNB poderia atrair depósitos de outros bancos, diminuindo a quantidade de fundos disponíveis para empréstimos e investimentos no sistema bancário tradicional.
O próprio Fed reconheceu que, em momentos de estresse financeiro, o TNB seria considerado um porto seguro para depositantes institucionais qualificados. Isso poderia incentivar uma fuga de capital para o TNB, desestabilizando os mercados de liquidez bancária. Em outras palavras: o Fed temia que a existência de um banco “seguro demais” provocasse uma corrida contra os bancos comerciais, que operam sob o sistema de reservas fracionárias.
Curiosamente, algumas empresas parecem ter contornado as restrições do Fed e estão operando sob um modelo muito semelhante ao de um narrow bank: as emissoras de stablecoins, como a Tether e a Circle.
Uma stablecoin é uma criptomoeda atrelada em paridade (1:1) a uma moeda fiduciária ou ativo real, sendo as mais populares aquelas vinculadas ao dólar americano.
A Tether funciona recebendo dólares de clientes por meio do sistema bancário tradicional e, em vez de emprestá-los, mantém essas reservas em caixa ou as investe em títulos públicos americanos de curtíssimo prazo, com vencimentos entre 3 e 12 meses. Em seguida, ela emite um token (USDT) no blockchain, lastreado nessas reservas. Essa operação, onde um passivo (o token) é emitido contra um ativo (as reservas), é funcionalmente equivalente à proposta do TNB.
Esse modelo foi colocado à prova em 2022, após o colapso da FTX, quando a Tether enfrentou uma onda massiva de pedidos de saque e conseguiu honrar todos os resgates, algo que muitos bancos tradicionais não conseguiriam fazer sem apoio emergencial do banco central.
O contraste é significativo: enquanto bancos operam com reservas fracionárias e dependem de um garantidor de última instância, o Federal Reserve, para manter a liquidez em momentos de crise, modelos como o da Tether mostram que é possível haver estabilidade sem essa rede de proteção estatal.
Nas crises bancárias, o resgate via emissão monetária costuma beneficiar os tomadores de risco e punir os poupadores, cujos ativos são corroídos pela inflação que financia o socorro. A proposta do TNB, portanto, representa não apenas um modelo mais seguro, mas também uma ruptura com o incentivo perverso embutido no sistema atual.
A dimensão da demanda por um narrow bank pode ser ilustrada pelo caso da Tether, que atualmente possui US$ 157 bilhões em tokens emitidos. Isso significa que, assumindo a ausência de fraudes, todo esse montante foi confiado à empresa por seus clientes, por meio de depósitos.
Esse volume impressionante de recursos permitiu à Tether investir US$ 113 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA no quarto trimestre de 2024. Tal montante é tão expressivo que, caso a empresa fosse classificada como um país, estaria entre os 18 maiores detentores globais de dívida americana.
E para se ter uma ideia de quão eficiente ela é, em 2024, com US$ 11,5 trilhões sob gestão, a BlackRock reportou um lucro de US$ 6,4 bilhões. Já a Tether, com US$ 157 bilhões sob gestão, lucrou US$ 13,7 bilhões, superando a BlackRock.
Mais notável ainda: a Tether alcançou esse resultado com apenas 60 funcionários, tornando-se provavelmente a empresa mais lucrativa por funcionário do mundo.
Seria essa a empresa mais elegante do mundo?
*Matheus Bombig é autor do livro Bitcoin por um iniciante, cofundador da Invenis, cofundador e conselheiro da AB2L. Top Voice Linkedin. Graduado em engenharia mecânica pela Unicamp.
Julio Santos é formado em Administração de Empresas pela PUCRS, com pós-graduação em Economia Empresarial pela UFRGS. É executivo de finanças corporativas e empresário fundador da empresa Executivo Financeiro. Fundador e apresentador do podcast Tapa da Mão Invisível. Fundador e Conselheiro do Instituto Formação de Líderes – Brasília, entusiasta pela criação de Sociedade de Leis Privadas.
Siga o Future of Money nas redes sociais: Instagram | X | YouTube | Telegram | Tik Tok