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Banco Central: autarquia lançou regulação para cripto (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Redação Exame
Publicado em 20 de novembro de 2025 às 14h15.
Embora o debate sobre criptoativos seja frequentemente associado a uma tecnologia emergente, a discussão regulatória no Brasil já ultrapassa uma década. O ponto de partida remonta a 2015, quando o Projeto de Lei 2.303, originalmente concebido para o mercado de milhas aéreas, introduziu o conceito de moedas virtuais.
A partir de 2017, esse mesmo texto passou a servir de base para tentativas de enquadrar os criptoativos, movimento que se intensificou à medida que o bitcoin ganhava popularidade e pressionava por respostas institucionais mais estruturadas.
Esse processo evolutivo resultou na Lei 14.478 de 2022, que estabeleceu os parâmetros gerais para a disciplina dos Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAV). Mesmo assim, a lei não era autoaplicável. Dependia de regulamentação infralegal para definir o alcance das atividades, os requisitos operacionais e a autoridade responsável pela supervisão do setor. Essa competência foi atribuída ao Banco Central pelo Decreto 11.563 de 2023.
Com essa base normativa, iniciou-se uma etapa robusta de consultas públicas sobre a regulação dos criptoativos. A primeira foi a Consulta Pública 97, no final de 2023, quando o Banco Central adotou uma estratégia incomum: antes de apresentar uma minuta de regra, buscou entender práticas, riscos e estruturas de mercado por meio de 38 questionamentos abertos.
Em 2024, vieram as Consultas Públicas 109, 110 e 111, que aprofundaram temas como requisitos prudenciais, processo de autorização dos PSAV, governança e a inserção das operações com ativos virtuais no arcabouço regulatório do sistema financeiro.
Esse ciclo foi concluído no dia 10 de novembro, com a publicação das Resoluções 519, 520 e 521 do Banco Central. As normas estabelecem critérios claros para a atuação dos Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais. Até então, o mercado brasileiro operava sob uma lacuna regulatória, em que cada empresa adotava seus próprios procedimentos e interpretações.
As novas regras exigem investimentos em governança, tecnologia, compliance e controles internos, incorporando a lógica prudencial típica de atividades supervisionadas e reforçando a proteção do investidor.
Os impactos serão diferentes entre as empresas do setor de ativos virtuais. Algumas já possuem estruturas consolidadas e tendem a se adaptar com maior velocidade. Outras precisarão realizar investimentos significativos para atender aos novos parâmetros. Mas o efeito sistêmico esperado é positivo: o setor passa a operar com
maior previsibilidade, estabilidade jurídica e alinhamento aos padrões regulatórios aplicados a outras infraestruturas críticas do mercado financeiro.
Temos observado que fundos de investimento, fundos de pensão e outros grandes alocadores demonstram interesse crescente em ativos virtuais e na exposição ao mercado de criptoativos. Mesmo após os avanços promovidos pela CVM, ainda existia insegurança jurídica quanto às empresas responsáveis pela custódia, negociação ou intermediação desses ativos. As novas resoluções reduzem esse vácuo regulatório e criam condições mais favoráveis para a entrada de capital institucional no ecossistema.
Além da preocupação com a segurança jurídica dessas estruturas, outro tema que gerou dúvidas recentes foi a eventual incidência de IOF sobre operações com ativos virtuais. O debate ganhou visibilidade após iniciativas de fiscalização como o programa Declaração de Criptoativos da Receita Federal, voltado ao monitoramento das operações do setor.
É importante esclarecer que o Banco Central não possui competência para instituir ou cobrar IOF. Qualquer tributação sobre ativos virtuais depende de lei específica e é administrada pela Receita Federal. As Resoluções 519, 520 e 521 tratam exclusivamente da regulação prudencial dos Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais e não criam, alteram ou ampliam obrigações tributárias existentes.
A formalização do setor tende a impulsionar o volume de transações e ampliar o tamanho do mercado, inaugurando um ciclo virtuoso para o ecossistema brasileiro de ativos virtuais.
Depois de mais de dez anos de debates, o país passa a contar com um arcabouço regulatório capaz de oferecer previsibilidade, segurança jurídica e bases mais sólidas para que tecnologia, mercado e instituições possam evoluir de forma estruturada.
Erik Oioli é sócio de Mercado de Capitais do VBSO Advogados e especialista em ativos virtuais e blockchain
Henrique Vicentin Lisboa é sócio de Mercado de Capitais do VBSO advogados e especialista em ativos virtuais e blockchain
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