Colunista
Publicado em 26 de junho de 2025 às 15h20.
A educação brasileira atravessa um momento crucial de sua história. A persistência de profundas desigualdades regionais e a fragmentação das políticas públicas demonstram a urgência de um novo pacto federativo que assegure o direito à educação de qualidade para todos. O Sistema Nacional de Educação (SNE), cuja regulamentação é proposta pelo Projeto de Lei Complementar nº 235 de 2019, surge como resposta necessária a essa realidade.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, a educação é reconhecida como direito social e bem público, e a colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios foi instituída como princípio para a efetivação desse direito. Contudo, mais de três décadas depois, o país ainda carece de um arranjo institucional que organize de maneira estável e coordenada as responsabilidades entre os entes federativos. Na ausência desse arcabouço, convivemos com sobreposições de competências, fragmentação de políticas, ineficiência no uso de recursos e uma preocupante reprodução de desigualdades regionais e locais.
O SNE pretende suprir essa lacuna histórica. Inspirado em experiências como o Sistema Único de Saúde (SUS), propõe um modelo de governança multinível para a educação, respeitando a autonomia dos entes federativos, mas exigindo articulação e cooperação efetivas. Seu desenho institucional prevê instâncias permanentes de pactuação entre União, estados e municípios, com composição paritária e funções consultivas e deliberativas, capazes de alinhar políticas, metas e estratégias, assegurando a unidade e a diversidade da educação brasileira.
Entre seus princípios estruturantes estão a promoção da equidade no acesso e nos resultados educacionais, a valorização dos profissionais da educação e a integração da educação com outras políticas públicas sociais. Há também na proposição a previsão da fixação de padrões mínimos de qualidade, tendo como referência o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), visando a garantia de condições adequadas de funcionamento das escolas públicas, como infraestrutura, pessoal qualificado e materiais pedagógicos.
Entretanto, a disposição do CAQ deve ser tratada de maneira mais flexível, como orientação e não como imposição legal rígida, razão pela qual defendo a retirada da sua fórmula de cálculo da legislação. A regulamentação não deve vincular de forma obrigatória padrões financeiros que possam gerar judicialização ou impor responsabilidades excessivas a estados e municípios. A definição e atualização dos parâmetros do CAQ devem ser realizadas nas instâncias interfederativas, como guia para pactuações, permitindo flexibilidade diante da diversidade federativa e respeitando a capacidade orçamentária dos entes. Essa abordagem evita a ineficiência nos gastos educacionais e reforça o caráter cooperativo da gestão pública.
Importante destacar também que o foco do SNE é a organização e a melhoria das redes públicas de ensino. Embora o sistema reconheça a importância da cooperação com o setor privado, a lógica da educação difere da saúde, onde a integração entre serviços públicos e privados é estrutural e mais intensa. Na educação, a responsabilidade constitucional do Estado se realiza majoritariamente por meio das redes públicas. O SNE poderá tangenciar o setor privado, sobretudo na educação superior e na educação complementar, mas o centro da política será o fortalecimento das redes públicas, que concentram a grande maioria das matrículas da educação básica, respeitada a autonomia das redes privadas de educação.
A efetivação do SNE representará um salto institucional ao organizar a colaboração federativa com clareza e consistência. As instâncias de pactuação promoverão o diálogo contínuo, a definição conjunta de metas, o monitoramento e avaliação integrados, além da articulação dos planos de educação — nacional, estaduais e municipais — em um sistema coerente e eficaz. A existência desses espaços de negociação fortalece a federação brasileira, garantindo estabilidade às políticas públicas e estimulando soluções pactuadas e adaptadas às realidades locais.
Naturalmente, surgem debates legítimos quanto ao equilíbrio entre a necessária coordenação nacional e a autonomia dos entes. O SNE deve preservar a flexibilidade organizativa dos estados e municípios, evitando a centralização excessiva. As instâncias de pactuação precisam operar respeitando a autonomia, mas estabelecendo diretrizes comuns que assegurem padrões mínimos de qualidade e a equidade, princípios fundamentais para a construção de um sistema educacional mais justo e inclusivo.
Outro avanço importante é o reforço à política de inclusão educacional. O SNE incorpora o compromisso de garantir o atendimento às diversidades, com políticas específicas para populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, promovendo uma educação pública que respeite e valorize a pluralidade cultural e social do país. Essa diretriz assegura o cumprimento do princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, fundamento da educação brasileira.
Ao institucionalizar a colaboração federativa, o SNE fortalece a capacidade dos entes para planejar, implementar e avaliar políticas públicas de forma integrada. Também promove o uso mais eficiente dos recursos públicos e induz a valorização e formação continuada dos professores, condição essencial para a melhoria dos resultados educacionais. O Brasil, país de dimensões continentais e profundas desigualdades, precisa de um sistema que respeite sua diversidade, sem abrir mão de assegurar o direito à educação para todos.
Com a minha experiência enquanto secretário de educação e, hoje, como parlamentar e relator do SNE na Câmara Federal, reafirmo meu compromisso com a educação pública e com a construção de consensos que respeitem a diversidade federativa, sem abdicar da busca permanente por qualidade e equidade. O Sistema Nacional de Educação é um passo importante no caminho para garantirmos a todas as crianças e jovens brasileiros uma educação à altura de seus sonhos e de suas potencialidades.
*Rafael Brito é deputado federal, Presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação e relator do Sistema Nacional de Educação na Câmara Federal