Ciência

Paternidade tóxica? Problemas de saúde mental do pai pode ser um 'perigo' para o futuro dos filhos

Especialistas afirmam que o sofrimento mental dos pais está ligeiramente associado a um desenvolvimento infantil abaixo da média

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 18 de junho de 2025 às 17h48.

As mães tradicionalmente assumem grande parte da responsabilidade pelo desenvolvimento saudável de seus filhos, desde a gravidez até a adolescência. No entanto, um novo estudo aponta que os pais também desempenham um papel crucial no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo das crianças.

A pesquisa, publicada nesta segunda-feira, 16, no JAMA Pediatrics, revela que o sofrimento mental dos pais está ligeiramente associado a um desenvolvimento infantil abaixo da média, afetando áreas como cognição, habilidades socioemocionais, linguagem e desenvolvimento físico. O sofrimento mental foi definido no estudo como sintomas ou diagnóstico de depressão, ansiedade, uma combinação de ambos ou estresse. Os efeitos mais marcantes foram observados durante o período perinatal, que abrange desde a concepção até dois anos após o parto.

Durante essa fase, o feto, o bebê e a criança pequena são particularmente vulneráveis ao sofrimento mental dos pais, especialmente das mães. O estudo também mostrou que os pais enfrentam maiores riscos de sofrerem com problemas emocionais durante a transição para a paternidade, com taxas de prevalência de até 8% para depressão clínica, 11% para ansiedade e 6% a 9% para estresse elevado, durante o período perinatal.

De acordo com a Dra. Delyse Hutchinson, autora sênior do estudo e professora associada da Universidade Deakin, na Austrália, a revisão global realizada é a mais abrangente até o momento sobre a relação entre a saúde mental dos pais e o desenvolvimento infantil. “O que se destacou foi a impressionante consistência nas tendências observadas nos resultados”, comentou Hutchinson, psicóloga clínica. "Isso destaca a importância de apoiar os pais se quisermos ver melhores resultados para as famílias."

Embora estudos anteriores já tenham ligado a saúde mental debilitada dos pais ao desenvolvimento comprometido dos filhos, esses estudos foram limitados tanto na quantidade de aspectos do desenvolvimento analisados quanto na força dos resultados. Este novo estudo expandiu a pesquisa para além da relação mãe-filho, considerando o impacto da saúde mental de ambos os pais em seis áreas do desenvolvimento infantil: socioemocional, adaptativo, cognitivo, linguístico, físico e motor, desde o nascimento até os 18 anos.

Os fatores de desenvolvimento incluíram a capacidade da criança de formar relacionamentos positivos, agir de maneira benéfica para os outros, ter vínculos saudáveis, autocontrole e um temperamento equilibrado (socioemocional), sua habilidade de responder a mudanças e gerenciar as necessidades diárias (adaptativo), bem como as funções cognitivas, como memória, atenção, aprendizagem e desempenho acadêmico (cognitivo). O desenvolvimento físico envolveu o crescimento gestacional, peso e altura na infância, além de questões como nascimento prematuro e dor abdominal. O desenvolvimento motor, por sua vez, referiu-se tanto às habilidades motoras finas (como escrever ou abotoar) quanto às motoras grossas (movimentos como caminhar ou balançar os braços).

Sofrimento mental após o nascimento do bebê

Os resultados vêm de uma análise de 84 estudos anteriores, que acompanharam milhares de pares pai-filho ao longo do tempo, medindo o sofrimento mental desde a gravidez até dois anos após o nascimento. Os pesquisadores excluíram estudos que envolviam pais com condições médicas, uso de medicamentos ou consumo de substâncias.

O estudo concluiu que não houve vínculo entre o sofrimento mental dos pais e o desenvolvimento motor ou adaptativo. No entanto, foram encontradas pequenas associações em outras áreas do desenvolvimento, como no desenvolvimento socioemocional, cognitivo, linguístico e físico, com os maiores impactos ocorrendo na primeira infância, seguidos pela infância e depois pela segunda infância. Além disso, os efeitos do sofrimento mental pós-natal foram geralmente mais fortes do que os efeitos do sofrimento pré-concepcional, sugerindo que o estado mental do pai pode ter uma influência mais direta no desenvolvimento infantil após o nascimento.

O sofrimento mental dos pais pode impactar diretamente a sensibilidade e capacidade de resposta nas interações com os filhos, prejudicando a segurança do apego, segundo os autores.

O papel crescente dos pais

“O momento desta revisão é excelente”, comentaram os especialistas independentes Dr. Craig Garfield, Dra. Clarissa Simon e Dr. John James Parker, do Hospital Infantil Ann & Robert H. Lurie. Eles destacaram que os pais estão mais envolvidos nos cuidados com os filhos do que nunca, sendo cada vez mais reconhecidos como componentes essenciais para a saúde e bem-estar da família.

A Dra. Arwa Nasir, professora de pediatria da Universidade de Nebraska, reforçou a importância do apoio aos pais para o bem-estar das crianças, afirmando que a pesquisa sobre o papel dos pais na saúde das crianças deve continuar. "Espero que pesquisas futuras também esclareçam todas as maneiras importantes e maravilhosas pelas quais os pais podem enriquecer e apoiar a saúde e o desenvolvimento de seus filhos", comentou.

O que ainda precisa ser descoberto?

Embora o estudo forneça uma forte evidência de que o bem-estar dos pais influencia o desenvolvimento dos filhos, ele depende parcialmente de literatura não publicada, como teses de doutorado e entrevistas com autores de estudos anteriores. Das 674 associações encontradas, 286 eram de trabalhos não publicados. Contudo, os autores asseguraram que, ao comparar os dados baseados em pesquisas publicadas com os dados de fontes não publicadas, os resultados mantiveram-se consistentes.

Apesar do estudo ser bem estruturado, ele não comprova uma relação causal e carece de um contexto mais amplo, conforme apontado pela Dra. Nasir. "Pode ser simplesmente que o bem-estar emocional dos pais e dos filhos seja impactado pelos mesmos fatores psicossociais e pressões socioeconômicas mais amplas, como pobreza, racismo estrutural e disparidades de saúde", explicou. Ela alerta que destacar a saúde mental dos pais isoladamente pode resultar em uma visão distorcida e até estigmatizante, sugerindo que os pais seriam a causa dos problemas das crianças, sem considerar o impacto de fatores sociais mais amplos.

O estudo sugere que o bem-estar dos pais deve ser avaliado e tratado durante as consultas de saúde no período perinatal. Garfield, Simon e Parker propõem que, inspirando-se em décadas de triagem materna para depressão pós-parto, médicos, pesquisadores e formuladores de políticas possam desenvolver programas personalizados para os pais, visando melhorar a saúde mental de toda a família.

"Apoiar o bem-estar das famílias deve ser uma prioridade nacional", afirmou Nasir. Ela acrescenta que, para receber apoio, os pais precisam estar dispostos a se manifestar e responder honestamente sobre questões de saúde mental. “É importante que os pais estejam cientes de que se tornar pai ou mãe pode ser um período desafiador e que muitos pais enfrentam altos e baixos durante esse processo", concluiu Hutchinson.

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