Mujica: havia sido diagnosticado com um câncer no esôfago um ano antes
Agência de notícias
Publicado em 14 de maio de 2025 às 14h57.
Última atualização em 14 de maio de 2025 às 15h05.
Com lágrimas, gritos de incentivo e agradecimentos, os uruguaios começaram a se despedir, nesta quarta-feira, 14, de José "Pepe" Mujica, o ex-guerrilheiro que chegou à Presidência do país e se tornou referência da esquerda latino-americana, falecido na véspera, aos 89 anos.
Adepto de um estilo de vida austero, fiel à sua retórica anticonsumista, José Mujica realizou seu desejo de morrer em sua modesta casa nos arredores de Montevidéu, acompanhado de sua esposa e ex-vice-presidente uruguaia, Lucía Topolansky. Ele havia sido diagnosticado com um câncer no esôfago um ano antes.
O presidente uruguaio, Yamandú Orsi, seu afilhado político e que anunciou sua morte na terça-feira, encabeçou o cortejo fúnebre, ao lado de Topolansky, partindo da sede da Presidência e 3 horas depois chegou ao Palácio Legislativo.
Posicionados dos dois lados da Avenida 18 de julho, a principal de Montevidéu, os uruguaios se aglomeraram para se despedir de seu líder na passagem do caixão disposto sobre uma carreta fúnebre, puxada por cavalos. "Obrigado, Pepe!", gritavam alguns dos presentes, enquanto outros choravam.
Mujica representa "a luta, a resiliência, o seguir adiante para ajudar os mais necessitados", disse à AFP, entre lágrimas, Solana Lozano, médica de 46 anos, que se aproximou, acompanhada da mãe e da filha, na passagem do cortejo.
À tarde será realizado o velório público no Salão dos Passos Perdidos do Parlamento. O governo decretou três dias de luto oficial.
Bandeiras uruguaias e da esquerda local tremulavam nas ruas de Montevidéu. Os militantes lembravam o legado de "Pepe", seu lugar de referência para a esquerda e sua luta pelos mais necessitados.
"Foi um homem que dedicou sua vida à causa dos pobres, como dizia [Eduardo] Galeano, pôs o norte aqui no sul. Nos mostrou para o mundo e este país pequenino foi mais uma vez visto e reconhecido", refletiu Mauro de los Reyes, de 50 anos, referindo-se ao escritor uruguaio falecido em 2015.
Desde cedo, este professor se posicionou, assim como dezenas de militantes, às portas da sede da governista Frente Ampla, aonde se aproximou a viúva de Mujica.
Lucía Topolansky, de 80 anos, demonstrou a mesma fortaleza com que acompanhou o marido em seus últimos dias. Foi ela quem anunciou que ele estava na fase terminal do câncer.
Ao som de A don José, clássico da música folclórica uruguaia identificada com a esquerda, a passagem da carreta fúnebre arrancou aplausos e gritos.
As homenagens se estenderam pelas redes sociais, e a frase "Obrigado, Pepe" virou 'trending topic'.
Fora do Uruguai, a partida do "presidente mais pobre do mundo", como Mujica era descrito nas manchetes internacionais, desencadeou uma onda de mensagens de líderes latino-americanos e figuras da esquerda internacional.
O presidente Lula, seu grande amigo e aliado regional, destacou "sua grandeza humana".
"A sabedoria de suas palavras formou um verdadeiro canto de unidade e fraternidade para a América Latina", escreveu o presidente brasileiro em Pequim, onde conclui uma visita de Estado.
O petista anunciou que viajará para a capital uruguaia para se despedir de Mujica.
Do outro lado do oceano, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez destacou que o uruguaio acreditava em "um mundo melhor".
Durante seu mandato presidencial (2010-2015), o ex-guerrilheiro se caracterizou por romper com o o padrão de seus antecessores.
Ao discurso direto, caloroso e sem protocolos, o esquerdista somou reformas e decisões durante seus anos como presidente que marcaram o país de 3,4 milhões de habitantes.
A mais inovadora foi a promoção da legalização da maconha com um plano inédito que colocou o Estado no comando de tudo, da produção à comercialização.
Também tomou decisões polêmicas, como receber prisioneiros da Baía de Guantánamo, a pedido dos Estados Unidos, e refugiados sírios.
Esse espírito antissistema o levou, na juventude, a ser um dos líderes da guerrilha urbana Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros (MLN-T) e a suportar 13 anos de prisão em condições sub-humanas nas mãos da ditadura.
Mujica fez campanha pela esquerda até seus últimos dias, sem descuidar da defesa veemente da unidade latino-americana.