Apple: empresa passa por desafios na adoção da IA (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter
Publicado em 19 de maio de 2025 às 08h01.
Sete anos após contratar o ex-chefe de IA do Google, a Apple (AAPL) ainda não cumpriu sua promessa de ser líder em inteligência artificial.
Enquanto OpenAI e Google ficam na vanguarda da IA, a criadora do iPhone enfrenta atrasos, conflitos internos e pressões políticas.
Fatores como esse ameaçam a posição da empresa liderada por Tim Cook no mercado.
A Apple Intelligence, lançada com alarde em 2024, ainda está incompleta. A Siri, parte central dessa estratégia, virou um símbolo de uma transição que não avançou.
A Apple lançou seu pacote mais ambicioso, chamado Apple Intelligence, em junho de 2024. O anúncio aconteceu durante o WWDC.
As novidades incluem ferramentas de escrita, resumos de e-mails, notificações, e emojis personalizados ("Genmojis"). Também prometia uma nova versão da assistente de voz Siri, que agora pode acessar dados pessoais. Isso ajuda a Siri a responder a comandos mais complexos.
No entanto, os prazos não foram cumpridos. O iPhone 16, o primeiro "construído para IA", foi lançado sem as promessas de inteligência artificial.
Os recursos começaram a aparecer meses depois, mas muitos tinham falhas. A reformulação da Siri, que deveria estrear em abril de 2025, foi novamente adiada, segundo a Bloomberg.
Além dos atrasos, houve problemas técnicos graves. Executivos da Apple afirmaram que, nas versões beta internas do iOS 18.4, os recursos dos vídeos promocionais não estavam funcionando, de acordo com a Bloomberg.
Enquanto isso, concorrentes lançaram assistentes com modos de voz interativos. Eles também usam modelos de linguagem generativos de forma eficiente.
Com os atrasos acumulados e a frustração de usuários e investidores, a Apple passou por uma reestruturação interna, segundo a Bloomberg.
O comando da Siri foi passado de Giannandrea para Mike Rockwell. Rockwell havia liderado o desenvolvimento do Vision Pro, o headset de realidade mista da empresa. Rockwell agora responde diretamente a Craig Federighi, chefe de software da Apple.
Giannandrea ainda está na empresa, mas agora se concentra em pesquisa e desenvolvimento de modelos de linguagem.
Ele não tem mais controle direto sobre os produtos. Fontes internas disseram ao site americano que a nova versão da Siri, chamada LLM Siri, está em desenvolvimento em Zurique. Ela usará uma arquitetura totalmente baseada em IA generativa.
A estratégia global da Apple para IA enfrenta outro obstáculo: a tensão entre Estados Unidos e China.
Segundo o New York Times, autoridades americanas estão preocupadas com o acordo entre Apple e Alibaba, anunciado em fevereiro, para fornecer capacidades de IA no mercado chinês. A Casa Branca teme que a parceria ajude a China a avançar em tecnologia. Isso é preocupante, especialmente em áreas como defesa e controle de dados.
Sem a parceria com a Alibaba, a Apple pode perder espaço na China. Esse é seu segundo maior mercado. Empresas como Huawei e Xiaomi já oferecem recursos avançados de IA em seus aparelhos.
A situação piora levando em conta o histórico.
Em 2022, o governo dos EUA pressionou a Apple a cancelar um acordo com a fornecedora chinesa de chips, a YMTC. Em 2024, a Apple enfrentou tarifas sobre produtos montados na China.
Agora, congressistas como o democrata Raja Krishnamoorthi criticam a Apple. Eles apontam a falta de transparência sobre o contrato com a Alibaba e os dados que podem ser compartilhados.
Apesar das promessas, o futuro da Siri ainda é incerto. Internamente, os times enfrentam centenas de bugs. Há conflitos entre códigos antigos e novos. Além disso, decisões técnicas priorizaram a pressa em vez da estabilidade.
Em março de 2025, a Apple removeu do ar os comerciais com a atriz Bella Ramsey que promoviam funções ainda não disponíveis da Siri. O episódio virou alvo de ações judiciais por suposta propaganda enganosa.
A expectativa agora recai sobre o WWDC de junho de 2025.
A empresa deve trazer novas funções de IA, como gestão inteligente de bateria e assistente virtual de saúde. Mas não vai lançar uma versão reformulada da Siri.
A marca "Apple Intelligence" pode se separar da Siri ao se comunicar com o público. Essa mudança busca proteger a reputação da nova aposta em inteligência artificial da empresa.
O mercado global de IA está em plena expansão e, segundo dados da UNCTAD, a expectativa é que seu valor cresça de forma exponencial na próxima década.
Se em 2023 o setor movimentou cerca de US$ 189 bilhões, a projeção para 2033 aponta para uma cifra de US$ 4,8 trilhões.
Dentro desse cenário de crescimento, a ferramenta que mais se destacou foi o ChatGPT, da OpenAI.
Em 2023, segundo dados da SEMRush, o chatbot acumulou 60,2% de participação de mercado, consolidando-se como a principal aplicação de IA voltada para o grande público.
A segunda colocada, a plataforma Character.AI, ficou com 16% do mercado, seguida por gigantes já consolidadas no mercado, como Google, IBM e Microsoft.
Um relatório recente do Bank of America (BofA) mostra que as demoras na nova Siri e os problemas na cadeia de suprimentos levaram a previsões de receita mais baixas para a empresa nos próximos anos.
A instituição cortou a projeção de faturamento da Apple para o ano fiscal de 2026. Agora, espera-se que seja de US$ 440 bilhões, em vez de US$ 450 bilhões.
Também reduziu a estimativa de lucro por ação de US$ 8,20 para US$ 7,82. Com isso, o preço-alvo das ações foi ajustado de US$ 250 para US$ 240.
O BofA ainda mantém a classificação de “compra” para as ações. Isso mostra que o banco espera uma recuperação no longo prazo.
A preocupação imediata está no impacto direto da IA no ciclo de trocas de iPhones.
O atraso da Siri com IA avançada pode desanimar consumidores. Isso pode fazer com que eles não queiram mudar para os modelos mais novos.
A demanda pode cair, especialmente agora. Novos lançamentos, como o iPhone “Air” em setembro de 2025 e um modelo dobrável em 2026, ainda não estão disponíveis.
Um outro fator que o banco mencionou são as tarifas comerciais. Elas causam volatilidade nas vendas a curto prazo.
Os consumidores devem antecipar compras para evitar tarifas. Isso pode levar a uma queda na demanda depois.
No mercado cambial, há uma boa notícia: a expectativa de um dólar mais fraco pode aumentar margens e receitas no próximo trimestre.
Já o Morgan Stanley adotou uma visão mais otimista.
Em um relatório recente, o banco nomeou a Apple como sua “Top Pick” para 2025. Eles acreditam que os recursos de IA, mesmo que venham tarde, podem dar início a um novo ciclo de atualizações do iPhone.
A análise contrasta com a cautela de outros agentes de mercado, mas revela que parte do setor financeiro ainda aposta em uma virada da empresa.
As ações da Apple caíram cerca de 18% em 2025. Isso é pior do que o índice S&P 500. No dia 16 de maio, os papéis eram negociados a US$ 211,25 na Nasdaq.
Se a Apple não conseguir resolver o atraso na entrega de seus produtos de IA, analistas avisam que os problemas podem durar até depois de 2025. Isso pode impactar o lançamento de novas linhas de produtos importantes — e azedar o futuro da maçã.