O CEO da Microsoft, Satya Nadella (R), fala enquanto o CEO da OpenAI, Sam Altman (L), observa durante o evento OpenAI DevDay em 06 de novembro de 2023 em São Francisco, Califórnia. (Justin Sullivan/Getty Images)
Repórter
Publicado em 20 de junho de 2025 às 06h59.
A relação entre Microsoft e OpenAI, duas das maiores forças da atual corrida global por inteligência artificial, entrou em um impasse público que ameaça desestabilizar uma das alianças mais emblemáticas do Vale do Silício. Em meio a disputas por propriedade intelectual, autonomia estratégica e até rumores de processos antitruste, os bastidores do conflito expõem o desgaste de um casamento que começou com juras de confiança e bilhões de dólares.
O conflito central gira em torno da transformação da OpenAI em uma empresa com fins lucrativos diretos, algo que exige o aval da Microsoft, sua principal investidora desde 2019. Com uma conversão legal prevista para ser concluída até o fim de 2025, sob risco de perder até US$ 20 bilhões em aportes, a startup liderada por Sam Altman tenta redesenhar os termos de sua independência, enfrentando resistências do parceiro que lhe forneceu poder computacional em troca de acesso prioritário à tecnologia.
Nos bastidores, executivos da OpenAI discutiram até mesmo o que chamam de “opção nuclear”: acusar a Microsoft de comportamento anticompetitivo e recorrer a agências federais americanas sob alegação de violação das leis de concorrência. A ofensiva incluiria ainda uma campanha pública para pressionar a Big Tech. Procuradas pela imprensa americana, ambas as empresas afirmaram manter um “diálogo produtivo” e expressaram “otimismo” quanto à continuidade da parceria.
Em 2016, a OpenAI ainda era uma organização sem fins lucrativos e com orçamento limitado — gastava menos de US$ 30 milhões por ano, contra US$ 440 milhões do DeepMind (Google). Sem recursos para competir com gigantes, seus fundadores procuraram aliados estratégicos.
O bilionário Reid Hoffman, fundador do LinkedIn e membro do conselho da Microsoft, foi o elo entre Sam Altman e Satya Nadella. Em 2019, após conversas discretas durante o encontro de bilionários Sun Valley, Nadella propôs uma parceria que combinava investimento e infraestrutura. A Microsoft colocaria US$ 1 bilhão em dinheiro e créditos de nuvem via Azure, e, em troca, teria acesso prioritário às tecnologias da OpenAI.
Na época, a OpenAI desenhou uma estrutura jurídica inédita: criou uma empresa “com lucro limitado”, prometendo que investidores só teriam retorno após multiplicações de até 100 vezes o valor aportado — uma fórmula arriscada, mas atraente.
A nova aliança parecia funcionar: a OpenAI crescia, seus modelos de linguagem (como o GPT-3 e GPT-4) lideravam benchmarks, e a Microsoft usava a tecnologia para lançar o GitHub Copilot, além de integrar IA a produtos como Word, Excel e o navegador Edge.
Mas a lua de mel perdeu força com a escalada da ambição de ambas. A Microsoft, com o Copilot, passou a competir diretamente com a OpenAI em produtos, contratou rivais de Altman para construir modelos próprios e exigiu garantias sobre acesso ao código mesmo após o surgimento de uma possível AGI, a inteligência geral artificial.
Enquanto isso, a OpenAI buscava independência. Negociou com o governo dos EUA o seu próprio data center (o projeto Stargate), firmou novos acordos de licenciamento e tentou reduzir a dependência da nuvem da Microsoft.
Os impasses também incluem o controle sobre empresas adquiridas: OpenAI comprou a startup Windsurf, especializada em codificação, e não quer que a Microsoft — dona do GitHub Copilot — tenha acesso ao IP (propriedade intelectual) da nova subsidiária. Há ainda divergências sobre qual porcentagem da nova empresa com fins lucrativos a Microsoft deve deter.
Do lado político, o clima também azedou. A Comissão Federal de Comércio dos EUA investiga, desde 2023, a atuação da Microsoft no setor de IA, inclusive sua sociedade com a OpenAI. A pressão regulatória se somou às críticas internas à governança da OpenAI, agravadas com a crise de novembro de 2023, quando Altman chegou a ser demitido e readmitido dias depois.
O racha entre as duas empresas também é ideológico. Enquanto Altman se refere à AGI como um projeto quase espiritual , com missão para “salvar a humanidade”, a Microsoft vê na IA uma ferramenta de produtividade, com potencial para bilhões em faturamento via Copilot e serviços Azure.
A percepção de que a OpenAI estaria “traindo” sua promessa de transparência incomoda concorrentes, pesquisadores e até antigos aliados. Críticos apontam que a organização se tornou fechada, controlada por poucos, e que os acordos com a Microsoft contradizem seu compromisso de evitar concentração de poder em IA.
O próprio Dario Amodei, ex-líder de pesquisa da OpenAI, deixou a empresa em 2021 com críticas à aproximação com a Microsoft e fundou a Anthropic, startup rival apoiada por Google e Amazon. Hoje, a Anthropic é uma das líderes do mercado, e seu modelo Claude disputa espaço diretamente com o ChatGPT.
Apesar da turbulência, a Microsoft continua a investir pesado em IA: anunciou aportes bilionários em data centers e projeta ganhos expressivos com Copilot até 2026. Já a OpenAI, mesmo com planos de abrir capital, depende do aval de Nadella para concluir sua reorganização.
Em entrevistas, Satya Nadella costuma minimizar as tensões. Mas sua risada nervosa ao ser questionado sobre o relacionamento com Altman, registrada em um evento no fim de 2023, ilustra a ambiguidade dos últimos anos do relacionamento que pode redefinir quem lidera — e quem lucra — com a inteligência artificial daqui para frente.