Ilustração gerada no ChatGPT (ChatGPT/Reprodução)
Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 6 de maio de 2025 às 12h00.
No último feriado, fiquei com vergonha de mim mesmo.
Acordei cantarolando “tun tun tun sahur”, um refrão em indonésio que não sei o que significa. Culpado, fui pesquisar e descobri que milhões faziam o mesmo enquanto um tronco de madeira humanizado balançava um taco de beisebol na tela. O personagem chama-se Tung Tun Tun Sahur e nasceu em 1.º de março de 2025 como vídeo gerado por IA.
Logo em seguida, meu feed serviu o Bombardiro Crocodilo, um avião de guerra B-25 com cabeça de réptil que grita “bombeia bambini” num falso sotaque ítalo-inglês enquanto bombardeia… crianças na faixa de Gaza. E, não satisfeita, a IA completou o cardápio com a Ballerina Cappuccina: uma bailarina-capuccino que gira sem parar, também falante desse “italês” robotizado.
O “italiano” é lido por IA com sotaque de inglês americano. Essa mistura soa hilária porque lembra a caricatura de italiano que povoa nossa publicidade (“mamma mia!”) e porque o nonsense fonético combina com nosso humor de meme, quanto mais ridículo, melhor.
O fenômeno não é novo, só que agora a máquina cria, cruza e refina esses memes sem intervenção humana:
O resultado é um loop evolutivo: cada versão que rende engajamento vira alimento para gerar novas mutações, criando algo muito parecido com um vírus biológico que sofre mutação acelerada na natureza digital. É a máquina criando vírus para o cérebro humano.
Nem toda mutação é inofensiva. Edições brain rot embutem símbolos e frases racistas sob a camada de piada absurda, diluindo crítica e tornando o extremismo “palatável”.
O Bombardiro Crocodilo faz piada com o ato de “bombardear crianças”; espectadores que não entendem a pseudo-língua apenas dançam, rindo do ritmo acelerado. Estudos de comunicação indicam que humor e nonsense são portas perfeitas para normalizar o preconceito. O riso anestesia o julgamento moral.
A IA já aprendeu a fabricar memética sob medida. A próxima fronteira é vender produtos e hackear estados mentais. O que impede esses algoritmos de programar emoções, impulsos de compra ou crenças políticas? Entender (e limitar) esse poder pode ser o maior desafio de ética e estratégia de negócios da década.
A promessa é tão sedutora quanto o tun tun tun martelando a minha cabeça: ROI programável no lobo frontal. Quem dominar essa técnica primeiro pode saltar anos-luz à frente da concorrência, trocando campanhas sazonais por algoritmos que cultivam desejo 24×7.
Mas aqui vem uma questão importante: quanto vale um cliente que compra sem saber por quê?
Se esse sistema funcionar bem demais, corremos o risco de trocar pessoas por zumbis digitais – usuários que rolam, clicam e assinam sem consciência, até que a fadiga mental ou o despertar regulatório derrube tudo. A mesma engrenagem que gera pico de vendas hoje pode gerar, amanhã, boicote, processos e uma epidemia de desconfiança.
Você prefere operar o botão de compra direto no córtex do seu público ou construir uma marca que as pessoas escolham mesmo quando o telefone está no bolso?