Timothée Lacroix, Guillaume Lample e Arthur Mensch, ex-pesquisadores de Google DeepMind e Meta, são os fundadores da Mistral AI (AFP/Getty Images)
Redator
Publicado em 27 de agosto de 2025 às 11h33.
Em fevereiro deste ano, um aplicativo de IA criado em Paris alcançou 1 milhão de downloads em menos de 20 dias. Chamado de le Chat e, entrou para o radar internacional como a primeira tentativa concreta de uma empresa europeia disputar espaço contra as gigantes americanas e chinesas que dominam a revolução da inteligência artificial.
Por trás do lançamento está a Mistral AI, startup fundada em 2023 por três jovens pesquisadores — Arthur Mensch, Guillaume Lample e Timothée Lacroix —, todos com passagens por laboratórios de ponta como o DeepMind, do Google, e a Meta. O feito não foi apenas técnico.
No cenário político e econômico, a Mistral se transformou em símbolo de soberania tecnológica, apoiada pelo presidente francês Emmanuel Macron e turbinada por aportes públicos e privados que já somam mais de US$ 1 bilhão. Mensch, o CEO da companhia, talvez seja o rosto mais emblemático desse momento.
Aos 30 e poucos anos, doutor em machine learning pela Université Paris-Saclay, ele deixou o caminho acadêmico e uma carreira promissora na DeepMind para fundar, em Paris, uma empresa capaz de sintetizar a ambição de um continente: provar que a Europa pode ir além da regulação e ter voz própria na criação de tecnologia de ponta. Para isso, aposta em uma bandeira clara — código aberto —, defendendo que modelos de linguagem auditáveis e adaptáveis criam independência frente às grandes plataformas americanas.
O resultado imediato foi entusiasmo. Logo após sua fundação, a Mistral arrecadou uma rodada recorde de US$ 113 milhões, e em junho de 2024 já estava avaliada em US$ 6,5 bilhões. O rol de investidores é heterogêneo: inclui Andreessen Horowitz, Nvidia, Microsoft, Salesforce e também bancos e fundos soberanos, como o MGX, de Abu Dhabi. O recado é duplo: a empresa é um ativo de mercado, mas também um instrumento político em uma disputa global pela liderança em IA.
Na prática, a Mistral AI já lançou modelos que competem com os grandes nomes do setor. O Mistral 7B e o Mixtral 8x7B estão entre os mais eficientes de código aberto, e reforçam a estratégia de democratizar o acesso. “A Europa não pode depender da tecnologia importada de outros blocos”, costuma dizer Mensch, em conferências e encontros com representantes do governo francês. O discurso encontra eco em ministros como Jean-Noël Barrot, que classificou a startup como “joia nacional”.
Essa associação direta entre tecnologia e projeto de país se encaixa no “Plan IA”, iniciativa de Macron que prevê investimentos de € 109 bilhões nos próximos anos para consolidar a França e a União Europeia como polos de inteligência artificial. O pacote mira desde a criação de modelos até a infraestrutura necessária, com destaque para a construção de grandes data centers no território francês. Nesse sentido, a parceria com os Emirados Árabes Unidos, que prevê aportes entre € 30 e € 50 bilhões, reforça o objetivo de tornar Paris um hub global de IA.
Arthur Mensch, nesse tabuleiro, se torna mais que um CEO. Ele encarna uma nova geração de líderes de deep tech europeia: cientistas capazes de transitar entre os cálculos de uma rede neural e as negociações com fundos soberanos. Sua biografia reforça essa imagem: depois de uma tese que combinava aprendizado de máquina e neurociência, ele migrou para a matemática aplicada, passou pela DeepMind e, em poucos anos, estava em reuniões de alto nível com executivos da Nvidia e da Microsoft. Essa soma de rigor acadêmico e pragmatismo empresarial é o que alimenta o mito de Mensch como contraponto europeu a nomes como Sam Altman, da OpenAI, e Demis Hassabis, do DeepMind.
A Mistral, no entanto, ainda vive o teste da escala. Lançar modelos competitivos é um feito, mas sustentá-los exige volume de dados, capacidade computacional e fluxo de caixa que poucas empresas fora dos EUA e da China conseguiram até hoje. É nesse ponto que o apoio político e financeiro francês se torna vital. Ao contrário dos Estados Unidos, que contam com o dinamismo de seu ecossistema de venture capital, ou da China, onde o Estado coordena diretamente os investimentos, a Europa tenta se equilibrar em um meio-termo, combinando regulação, subsídios e parcerias internacionais.
É também onde está a principal incógnita: será suficiente? O projeto americano Stargate, fruto da aliança entre OpenAI e governo Trump, já fincou pé na Europa, atraindo talento e infraestrutura. Os chineses, por sua vez, aceleram no lançamento de modelos em código aberto que rivalizam em desempenho com os norte-americanos. Nesse contexto, a Mistral precisa provar que não é apenas “a queridinha de Macron”, mas uma empresa capaz de sustentar uma alternativa tecnológica real.